IA, alfabetização, revistas e as habilidades de que as crianças mais precisam

IA, alfabetização, revistas e as habilidades de que as crianças mais precisam

29 de setembro de 2025
Última atualização: 29 de setembro de 2025
6min
Criança leitura de livro alfabetização por IA inteligência artificial foto colorida
Sem habilidades de leitura e escrita, as crianças correm o risco de deixar a tecnologia pensar por elas. Imagem: Freepik
Lulu Skantze

A National Literacy Trust (NLT) é uma das principais instituições do Reino Unido dedicadas a promover a alfabetização e o prazer da leitura entre crianças e jovens. Sua pesquisa mais recente apontou uma queda preocupante nos níveis de leitura e escrita, especialmente após a pandemia, e acendeu o alerta sobre o impacto que isso terá no futuro educacional e social.

Em resposta, a NLT lançou o Year of Reading” para 2026, um grande programa nacional que vai mobilizar escolas, comunidades e famílias para recolocar a leitura no centro da vida das crianças. A ideia é simples: garantir que toda criança tenha acesso a livros, histórias e apoio para desenvolver não apenas competências técnicas, mas também o hábito pela leitura (e o prazer).

É nesse contexto que saiu, recentemente, o levantamento sobre como jovens e professores estão usando a inteligência artificial generativa em 2025, dados que ajudam a entender os desafios e as oportunidades de se alfabetizar em plena era digital. A pesquisa oferece um dos retratos mais claros de como essa tecnologia está remodelando a alfabetização no Reino Unido.

Uma geração consciente da IA

Não é surpresa que quase todos os adolescentes no Reino Unido (96,9%) já ouviram falar de IA, e dois em cada três (66,5%) afirmam usá-la. Mas é uma surpresa que isso represente uma queda em relação ao pico de 77% em 2024. Eles concluíram que a tendência é de um uso mais profundo: quase metade dos que utilizam (45,6%) agora interagem com a IA semanalmente ou mais, contra 31% no ano anterior.

Como a IA está mudando os hábitos de escrita das crianças?

Os jovens relatam usar a IA para:

  • Melhorar o vocabulário (39,5%)
  • Verificar ortografia, pontuação e gramática (35,2%)
  • Receber feedback sobre seus textos (20,7%)
  • Transformar suas próprias ideias em histórias (19,3%)

Isso apresenta uma dupla realidade: alguns estão usando a IA como apoio para enriquecer a escrita, enquanto outros correm o risco de depender dela como atalho. De forma preocupante, um em cada quatro (25,1%) admitiu simplesmente copiar as respostas geradas para tarefas escolares, um índice que cresceu desde 2024 e só tende a continuar a crescer. Com menores índices de leitura e alfabetização, usar IA é tentador e até viciante. 

A leitura também está sendo impactada

A IA já aparece nas práticas de leitura. Mais de um terço dos jovens (35,4%) a usam para aprender o significado de palavras, e 33% para resumir textos. Nota-se que a maioria dos softwares já oferece resumos antes mesmo de começar a leitura. Entre os adolescentes mais velhos, quase metade (45,5%) recorre à IA para condensar leituras longas. Eu vejo isso como um sinal de alerta para as habilidades de leitura profunda em um tempo em que a atenção e o foco já está sob pressão.

A ambivalência dos professores

Os professores também estão divididos entre entusiasmo e preocupação, para os alunos. Como os professores usam a IA, em 2025, quase todos (98,4%) conheciam como ferramenta, e seu uso praticamente dobrou desde 2023, chegando a 58%. Muitos relatam benefícios como redução da carga de trabalho, criação de materiais e apoio na modelagem de bons textos.

Mas os receios são fortes:

  • 2 em 3 (66,5%) acreditam que a IA pode diminuir o valor das habilidades de escrita.
  • Quase metade (48,6%) se preocupa com seu impacto na leitura.
  • 86,2% acreditam que os estudantes precisam ser ensinados explicitamente a usar a IA de forma crítica. O que faz mais urgente do que nunca uma “alfabetização tecnológica”. O NLT está defendendo que o governo do Reino Unido inclua isso como matéria obrigatória no currículo.

Como comentou um professor citado na pesquisa: “Um aluno me disse que não precisava aprender a escrever, pois um computador faria isso por ele quando saísse da escola.”

Por que a alfabetização de crianças importa mais do que nunca

Nada disso me surpreende claro, e imagino que a vocês também não. O que os números mostram é que, na era da IA, a alfabetização não é menos importante, mas é ainda mais essencial. Se os estudantes terceirizam demais o pensamento, correm o risco de se tornarem consumidores passivos, em vez de participantes criativos e críticos.

Com o trabalho que fazemos na Storytime e junto a parceiros educacionais, concluímos que as crianças precisarão de um conjunto amplo de habilidades humanas para prosperar nesse novo cenário. Cinco se destacam com mais urgência:

  1. Habilidades humanas e sociais – empatia, compaixão e conexão.
  2. Foco e atenção – concentração como superpoder em um mundo de distrações.
  3. Criatividade e senso crítico – imaginar, questionar e inovar além do que a IA pode fazer.
  4. Comunicação – dominar a expressão em palavras, voz e imagens.
  5. O poder de se desconectar – a liberdade radical de escolher quando desligar a tecnologia.

A IA generativa não vai desaparecer. Mas também não deve substituir o ato humano de aprender. Descobrir palavras, ideias e histórias ainda é a maneira de crescermos. Imaginar, refletir e nos conectar é tudo aquilo que a IA não pode fazer por nós.

A pesquisa é clara: sem fortes habilidades de leitura e escrita, as crianças correm o risco de deixar a tecnologia pensar por elas. Com essas habilidades, podemos garantir que são elas quem moldam o futuro e não o contrário.

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Lulu Skantze
Editor
Lulu Skantze é fundadora e diretora criativa da Storytime, uma das maiores revistas infantis do Reino Unido. Publicada em cinco países e distribuída em mais de 60, a revista também está em plataformas digitais e audiobooks.Baseada em Amsterdã, Lulu trabalhou em agências de publicidade no Brasil e na Alemanha, além de grandes editoras europeias, dirigindo projetos para marcas como Disney, Mattel e Playstation.Palestrante e consultora em licenciamento, ela também colabora com artigos sobre empreendedorismo e tendências editoriais.Saiba mais em www.storytimemagazine.com e www.storytimehub.com