IA, alfabetização, revistas e as habilidades de que as crianças mais precisam

A National Literacy Trust (NLT) é uma das principais instituições do Reino Unido dedicadas a promover a alfabetização e o prazer da leitura entre crianças e jovens. Sua pesquisa mais recente apontou uma queda preocupante nos níveis de leitura e escrita, especialmente após a pandemia, e acendeu o alerta sobre o impacto que isso terá no futuro educacional e social.
Em resposta, a NLT lançou o “Year of Reading” para 2026, um grande programa nacional que vai mobilizar escolas, comunidades e famílias para recolocar a leitura no centro da vida das crianças. A ideia é simples: garantir que toda criança tenha acesso a livros, histórias e apoio para desenvolver não apenas competências técnicas, mas também o hábito pela leitura (e o prazer).
É nesse contexto que saiu, recentemente, o levantamento sobre como jovens e professores estão usando a inteligência artificial generativa em 2025, dados que ajudam a entender os desafios e as oportunidades de se alfabetizar em plena era digital. A pesquisa oferece um dos retratos mais claros de como essa tecnologia está remodelando a alfabetização no Reino Unido.
Uma geração consciente da IA
Não é surpresa que quase todos os adolescentes no Reino Unido (96,9%) já ouviram falar de IA, e dois em cada três (66,5%) afirmam usá-la. Mas é uma surpresa que isso represente uma queda em relação ao pico de 77% em 2024. Eles concluíram que a tendência é de um uso mais profundo: quase metade dos que utilizam (45,6%) agora interagem com a IA semanalmente ou mais, contra 31% no ano anterior.
Como a IA está mudando os hábitos de escrita das crianças?
Os jovens relatam usar a IA para:
- Melhorar o vocabulário (39,5%)
- Verificar ortografia, pontuação e gramática (35,2%)
- Receber feedback sobre seus textos (20,7%)
- Transformar suas próprias ideias em histórias (19,3%)
Isso apresenta uma dupla realidade: alguns estão usando a IA como apoio para enriquecer a escrita, enquanto outros correm o risco de depender dela como atalho. De forma preocupante, um em cada quatro (25,1%) admitiu simplesmente copiar as respostas geradas para tarefas escolares, um índice que cresceu desde 2024 e só tende a continuar a crescer. Com menores índices de leitura e alfabetização, usar IA é tentador e até viciante.
A leitura também está sendo impactada
A IA já aparece nas práticas de leitura. Mais de um terço dos jovens (35,4%) a usam para aprender o significado de palavras, e 33% para resumir textos. Nota-se que a maioria dos softwares já oferece resumos antes mesmo de começar a leitura. Entre os adolescentes mais velhos, quase metade (45,5%) recorre à IA para condensar leituras longas. Eu vejo isso como um sinal de alerta para as habilidades de leitura profunda em um tempo em que a atenção e o foco já está sob pressão.
A ambivalência dos professores
Os professores também estão divididos entre entusiasmo e preocupação, para os alunos. Como os professores usam a IA, em 2025, quase todos (98,4%) conheciam como ferramenta, e seu uso praticamente dobrou desde 2023, chegando a 58%. Muitos relatam benefícios como redução da carga de trabalho, criação de materiais e apoio na modelagem de bons textos.
Mas os receios são fortes:
- 2 em 3 (66,5%) acreditam que a IA pode diminuir o valor das habilidades de escrita.
- Quase metade (48,6%) se preocupa com seu impacto na leitura.
- 86,2% acreditam que os estudantes precisam ser ensinados explicitamente a usar a IA de forma crítica. O que faz mais urgente do que nunca uma “alfabetização tecnológica”. O NLT está defendendo que o governo do Reino Unido inclua isso como matéria obrigatória no currículo.
Como comentou um professor citado na pesquisa: “Um aluno me disse que não precisava aprender a escrever, pois um computador faria isso por ele quando saísse da escola.”
Por que a alfabetização de crianças importa mais do que nunca
Nada disso me surpreende claro, e imagino que a vocês também não. O que os números mostram é que, na era da IA, a alfabetização não é menos importante, mas é ainda mais essencial. Se os estudantes terceirizam demais o pensamento, correm o risco de se tornarem consumidores passivos, em vez de participantes criativos e críticos.
Com o trabalho que fazemos na Storytime e junto a parceiros educacionais, concluímos que as crianças precisarão de um conjunto amplo de habilidades humanas para prosperar nesse novo cenário. Cinco se destacam com mais urgência:
- Habilidades humanas e sociais – empatia, compaixão e conexão.
- Foco e atenção – concentração como superpoder em um mundo de distrações.
- Criatividade e senso crítico – imaginar, questionar e inovar além do que a IA pode fazer.
- Comunicação – dominar a expressão em palavras, voz e imagens.
- O poder de se desconectar – a liberdade radical de escolher quando desligar a tecnologia.
A IA generativa não vai desaparecer. Mas também não deve substituir o ato humano de aprender. Descobrir palavras, ideias e histórias ainda é a maneira de crescermos. Imaginar, refletir e nos conectar é tudo aquilo que a IA não pode fazer por nós.
A pesquisa é clara: sem fortes habilidades de leitura e escrita, as crianças correm o risco de deixar a tecnologia pensar por elas. Com essas habilidades, podemos garantir que são elas quem moldam o futuro e não o contrário.
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