Lulu Skantze na FIPP: O case de sucesso das assinaturas do The Atlantic

Lulu Skantze na FIPP: O case de sucesso das assinaturas do The Atlantic

21 de novembro de 2025
Última atualização: 21 de novembro de 2025
6min
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Lulu Skantze

O chamado “Atlantic Subscription Case” (caso das assinaturas do The Atlantic) tornou-se um dos exemplos mais comentados de sucesso no mercado editorial recente, então a palestra deles na FIPP também era uma das mais esperadas na minha lista.

Em 2020, o The Atlantic acumulava um déficit de US$ 20 milhões. Quatro anos depois, em março de 2024, atingiu lucratividade e superou 1 milhão de assinantes pagos, tanto no digital quanto no impresso. Desde então, dificil não querer saber mais de perto porque e como!

Essa virada envolveu um incidente com o governo americano, um pouco de sorte, e muito tino jornalístico. De certa forma foi uma resposta inteligente ao aumento de atenção durante o governo Trump as notícias. Mas o que transformou essa história em um verdadeiro case foi algo que ninguém previu foi o famoso “Signal-gate”, um episódio que uniu reputação, propósito e negócios.

Adicionado por engano em um grupo de altos membros do governo americano

Durante o FIPP Madrid, a Chief Growth Officer do The Atlantic, Megha Garibaldi, contou o caso com a bom humor, e só quem já sobreviveu a uma semana caótica no mundo do jornalismo sabe como isso é sentido. Tudo começou quando Jeffrey Goldberg, editor da revista, foi adicionado por engano a um grupo no aplicativo Signal, que reunia altos membros do governo dos Estados Unidos discutindo temas militares.

O que poderia ser uma armadilha virou uma demonstração pública de princípios. Eles primeiro ficaram um pouco “sem saber” o que fazer com tamanho acidente mas a reação que tiveram mudou tudo! Primeiro, a redação consultou um advogado especialista e, em seguida, publicou uma versão, garantindo sua segurança. Quando confirmou que o conteúdo não era sigiloso, decidiu publicar tudo na íntegra.

O resultado a seguir foi uma explosão de tráfego, assinaturas e apoio dos leitores, que queriam saber mais.

A redação organizou, imediatamente, um evento ao vivo com Goldberg, explicando o caso e respondendo perguntas. Mais de 20 mil pessoas participaram e o episódio acabou virando um símbolo daquilo que o jornalismo independente ainda representa: responsabilidade, transparência e coragem editorial.

Por que as pessoas pagam pelas assinaturas do The Atlantic?

Por anos o The Atlantic tentou vários modelos de paywall – com teste gratuito de 30 dias, modelos de assinatura em múltiplos níveis e fremium com artigos gratuitos limitados. Um dado interessante surgiu da pesquisa interna feita após o episódio que resolveu isso. Quando perguntados “por que você assinou?”, a maioria respondeu:

“Para apoiar o que vocês fazem.”

Claro que muitos também queriam acesso total ao conteúdo, mas o impulso principal passou a ser o apoio à imprensa independente, especialmente num momento de polarização e ataques à democracia nos EUA. A equipe percebeu que o motivo da assinatura era tanto utilitário quanto emocional.

Um modelo construído sobre propósito

O The Atlantic tem 169 anos. Foi fundado por escritores abolicionistas em 1857 e sempre manteve o equilíbrio entre ideias, literatura e jornalismo investigativo. Eu acho os artigos e jornalistas que escrevem para eles excelentes e relevantes. A publicação realmente se destaca entre as revistas de opinião americanas. Seu slogan sempre foi:

“Não existe jornalismo sem independência, e independência exige sustentabilidade.”

Com esses dados, e seus princípios agora bastante claros, veio a decisão de investir em um modelo de assinatura direta, com forte separação entre redação e negócios (“igreja e estado”).

Sem “degustação” para os leitores

O The Atlantic também finalmente desativou o modelo clássico que tinham de “10 artigos grátis”. O raciocínio passou a ser : Quem vê valor, paga. Quem não vê, não vai mudar com 10 artigos a mais.

Agora, a publicação optou por um paywall inteligente e assertivo, com possibilidade de amostragem limitada e teste gratuito, mas sem criar o hábito do consumo gratuito que era o principal entrave, antes. As pessoas consumiam religiosamente os artigos gratuitos mas nunca realmente assinavam. O foco é facilidade na conversão e clareza no propósito (valor/função da assinatura):  “pagar é apoiar o jornalismo que queremos que exista amanhã.”

Hoje, o The Atlantic oferece planos flexíveis (Digital, Print + Digital e Premium), com diferentes níveis de preço e benefícios, para que o leitor escolha quanto e como apoiar. A mudança também aconteceu em como eles se referem à decisão e participação do consumidor. O The Guardian também faz isso na Inglaterra, convidando seus leitores a doarem para que ele continuem sendo o jornal independente que é (e recebem doações do mundo todo).

Assinaturas como um pacto e não uma relação comercial

Entre 2020 e 2024, eles saíram de um déficit de US$ 20 milhões para lucratividade, ultrapassaram 1 milhão de assinantes pagos, e consolidaram-se como uma marca de referência ética e modelo de news sustentável.

Ao contra a sua história de maneira autêntica e transparente, o público respondeu com confiança. De certa maneira renovou a relação que andava meio morna.

Tornar as assinaturas um pacto, não uma transação. Isso foi bastante audacioso – afinal, como saber o quanto as pessoas realmente se importam? Mas quando você sabe que algo que você gosta vai deixar de existir, sem a sua participação alguma coisa dá um “click”. As pessoas pagam por conteúdo, mas também para preservar algo em que acreditam.

Uma das barreiras para qualquer compra online – e principalmente assinaturas são ofertas demais e processos complicados. Mais de três passos e mais de 50% desiste. Então, ao simplificar o paywall, eles perceberam o valor da clareza: quem quer assina. Se o valor é percebido, o leitor não precisa de dez artigos grátis para decidir.

O apoio ao jornalismo independente é parte da identidade da The Atlantic desde a sua fundação. Mas ao nos lembrar disso, eles tornaram esse apoio um ato de cidadania (especialmente em tempos de ruído e desinformação).

Os números não nos deixam duvidar que a estratégia deles é um admirável caso de sucesso.

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Lulu Skantze
Editor
Lulu Skantze é fundadora e diretora criativa da Storytime, uma das maiores revistas infantis do Reino Unido. Publicada em cinco países e distribuída em mais de 60, a revista também está em plataformas digitais e audiobooks.Baseada em Amsterdã, Lulu trabalhou em agências de publicidade no Brasil e na Alemanha, além de grandes editoras europeias, dirigindo projetos para marcas como Disney, Mattel e Playstation.Palestrante e consultora em licenciamento, ela também colabora com artigos sobre empreendedorismo e tendências editoriais.Saiba mais em www.storytimemagazine.com e www.storytimehub.com