A economia de creators, mídia e o grande desaprendizado

Uma das minhas conversas favoritas no palco do FIPP Congress deste ano foi sobre a economia dos criadores de conteúdo, ou creators. Poderia facilmente ter durado horas já que os palestrantes tinham muito a dizer, e o mais interessante é que não necessariamente estavam de acordo.
A moderadora Jacqueline Loch abriu com a pergunta central da conversa:
“Como as mídias tradicionais podem se integrar a economia dos criadores, que não para de crescer?”
Lucy King não perdeu tempo sendo diplomática e respondeu:
“Nós já perdemos o timing.”
Lucy é professora de Inovação em Mídia, pesquisadora sênior da Reuters (entre outras funções) e uma das pessoas que mais gosto de acompanhar quando o assunto é o futuro da mídia. Ela é objetiva, direta e confirmou, como sempre sem rodeios: a mudança já aconteceu.
As audiências estão lá. Os anunciantes estão lá. O dinheiro, a atenção, a influência… tudo já está lá. Quem ainda está aqui, do lado de fora, tentando achar a porta de entrada, são as empresas de mídia.
Os criadores não esperaram a gente perceber nem convidá-los, eles foram lá e fizeram.
Criadores, confiança e proximidade
Por anos, publishers discutiram se os criadores eram concorrência ou parceiros. Enquanto isso, os criadores construíram seus próprios ecossistemas, micro impérios de mídia, com suas audiências, calendários de conteúdo, modelos de receita e alcance global. Afinal como sabemos bem, hoje é possível começar uma empresa de mídia do sofá de casa, com uma só pessoa … e muitas vezes é assim que começa.
E até por causa desse formato mais íntimo, eles têm algo que a mídia tradicional vem perdendo: confiança e proximidade.
Os criadores conhecem suas audiências de verdade pois conversam com elas todos os dias, ajustam o conteúdo a partir do feedback, criam uma relação direta. Essa conexão é justamente o que os publishers sentem falta quando os algoritmos se tornaram nossos intermediários.
Os melhores criadores não estão apenas “postando conteúdo”, pois eles tem mindset de empreendedor. Eles constroem marcas a partir do conteúdo, mas ao invés de monetizar o conteúdo, o dinheiro vem de outro lugar: produtos, eventos, cursos, propriedade intelectual ou parcerias.
Como Lucy reforçou:
“Os criadores usam o conteúdo para construir a marca, mas monetizam em outros espaços. Já a mídia ainda tenta tirar todo o dinheiro do próprio conteúdo.”
Talvez esse seja o maior “desaprendizado” que precisaremos fazer.
O grande desaprendizado
A mídia continua tentando “aplicar” estratégias digitais ou de criadores como se fosse apenas a próxima etapa da transformação. Mas o público já está lá, então, nós é que vamos ter que “invadir a festa”.
A boa notícia é que os criadores escancararam o que está quebrado na mídia tradicional. E saber disso, talvez pode nos ajudar a consertar.
Ela mostrou um gráfico comparando os dois modelos e ficou evidente o contraste:
- Criadores se movem rápido. A mídia tradicional complica demais cada processo.
- Criadores são leves. Conseguem lançar um negócio em poucas horas, com ferramentas e IA, sem precisar programar nada.
- Criadores testam e aprendem. A mídia ainda prefere planejar e justificar.
- Criadores são acessíveis. A mídia segue hierárquica.
Como ela concluiu:
“Quem ainda usa o termo conteúdo gerado pelo usuário precisa sair desse prédio agora.”
Não estamos mais falando de amadores quando pensamos nos criadores/influencesr mas de uma indústria bilionária, sofisticada, que aprendeu a produzir conteúdo que as pessoas realmente querem, mais rápido e mais barato do que nós.
O que os criadores não têm (um pontinho de luz no fim do túnel)
Calma, ainda não é o fim do mundo. Claro que nem tudo é perfeito para o outro lado, apontou Jacob Cohen Donnelly. Os criadores também têm um calcanhar de Aquiles: eles não são donos das plataformas onde “acontecem”.
Eles constroem suas audiências em “terreno alugado” e as vezes basta uma mudança no algoritmo para perderem visibilidade da noite para o dia.
É aí que a mídia ainda tem vantagem: estrutura, padrões, segurança de marca e escala. E isso reforça ate o argumento do valor do brand publishing, e de construir uma mídia proprietária.
Como destacou Jacob, do A Media Operator, os criadores crescem rápido, mas escalar a receita é difícil para eles já que os anunciantes querem eficiência e não querem negociar com centenas de microinfluenciadores individualmente.
Empresas como Vox ou Morning Brew estão criando portfólios de criadores, onde marcas podem comprar mídia em escala e os criadores ganham infraestrutura. E isso gera também novas ideias para quem tem estrutura para inovar. É nesse ponto que os dois mundos começam a se cruzar.
O que a mídia pode aprender (e oferecer)
Algumas lições que valem para todos nós, na conclusão da rica e curta conversa.
Para os publishers que querem entrar de verdade na economia dos criadores, há alguns caminhos a escolher:
Olhe para dentro da sua própria equipe
Você provavelmente já tem pessoas com energia de criador, gente que pensa primeiro no público, que se importa com o leitor, que testa formatos e naturalmente atrai audiência. Dê espaço, liberdade e incentivos de verdade – até citaram alguns casos na mídia americana de sucesso de criadores que ganharam espaço dentro da mídia tradicional.
Aprenda a “sintaxe” dos criadores
Entenda o tom, o ritmo e os formatos das plataformas onde o público realmente está – especialmente valores como intimidade, autenticidade e consistência.
Faça parcerias inteligentes
Trabalhe com criadores cujas audiências e valores combinam com os seus. Não os “use” (dura pouco) mas co-crie, aprenda junto e fortaleça as duas marcas.
Ofereça o que eles não têm
Infraestrutura, proteção de IP, padrões editoriais, suporte jurídico e caminhos de monetização , seja a mídia que agrega valor real.
Lucy e Jacob concordaram que a próxima geração de empresas de mídia bem-sucedidas será mais enxuta, mais rápida e mais humana. Essas empresas vão investir na marca, eliminar camadas desnecessárias e dar autonomia para que as pessoas criem, se conectem e experimentem.
Os criadores continuarão evoluindo e muitos se tornarão empresas de mídia completas. (Se você não conhece o britânico Steven Bartlett, do Diary of a CEO, vale ver o que ele já construiu.)
Enquanto isso, a mídia tradicional terá duas escolhas: abraçar o mindset dos criadores ou se tornar irrelevante aos poucos. A linha que separava “criador” e “publisher” já não existe mais, hoje a diferença é apenas de estrutura e mentalidade. Então pare de enxergar os criadores como concorrentes.
Precisamos aceitar que eles construíram de forma mais simples e direta, o que a mídia tenta reconstruir há anos. Descobriram como criar conteúdo com conexão, criatividade e confiança.
E talvez, se desaprendermos rápido o suficiente, ainda dê tempo de entrar nessa festa antes que ela acabe.


