Lulu Skantze: Celebrando os 100 anos da FIPP e a arte de fazer revistas
Frases fortes costumam “grudar” no nosso imaginário, e às vezes, por tempo demais. Uma que eu venho questionando há anos é: “É só uma revista.”
Há muito tempo, as revistas vivem num espaço meio desconfortável na hierarquia cultural. Não são vistas como algo tão “sério” quanto os livros, mesmo que produzir uma edição signifique criar o equivalente a vários livros mensalmente. Também não são consideradas tão “essenciais” quanto os jornais, com sua urgência diária e um papel político evidente. E, nos últimos anos, ainda precisam disputar atenção com distrações digitais, redes sociais e infinitas plataformas de streaming no setor de entretenimento.
As revistas nunca foram exatamente livros, nem jornais, nem aplicativos e isso fez com que a indústria precisasse, repetidamente, justificar seu valor. É necessário lembrar ao mundo que revistas são experiências criadas com conteúdo valioso e responsável, e não produtos descartáveis.
Quem já trabalhou numa redação sabe: o trabalho por trás de uma revista é imenso. É um equilíbrio entre curadoria editorial, olhar de design, conhecimento do público e arte de contar histórias, tudo isso repetido com consistência e imaginação.
A evolução de um ecossistema
A verdade é que, hoje, para sobreviver no mercado revistas, raramente, são apenas revistas. Elas se tornaram ecossistemas, um pontos de partida para comunidades, eventos, cursos, produtos e marcas que vão muito além da página impressa. Isso ficou mais evidente do que nunca no Congresso da Fipp esse ano.
Uma revista ainda constrói confiança e lealdade como poucos meios conseguem. Ela cria uma intimidade entre editor e leitor, uma relação pessoal e cultivada com apreço.


100 anos da FIPP: uma celebração da arte de fazer revistas
E como celebrar um século de excelência editorial? Nada mais justo do que fazendo uma revista à altura desse marco, é claro, com todos elementos que fazem as revistas um item de colecionador.
A FIPP fez exatamente isso e para comemorar o centenário, publicou “100 Years of Magazines”, uma edição de colecionador com 204 páginas, celebrando a evolução, a resiliência e o futuro da indústria.
Se você teve a sorte de ter uma nas mãos: que edição!


Sob a direção editorial de Sylkia Cartagena, Joanna Cummings e Peter Houston, a equipe passou meses construindo uma obra que é parte história, parte relatório de inovação — e, inteiramente, uma carta de amor ao ofício de fazer revistas.
Com design da agência White Light Media e impressão impecável nos papéis da UPM, o resultado é do tipo que nos lembra por que o impresso nunca vai perder seu lugar. Cada página é especial na cores, tipografia, fotografia e o ritmo de uma revista como forma de arte.
Alguns números dessa produção, para lembrar de quanto trabalho existe por traz de UMA revista:
- 3 meses de trabalho editorial
- 204 páginas (180 de conteúdo editorial)
- 66 colaboradores e entrevistados
- 32 países representados
- 60 mil palavras no total
- 15 relatórios de inovação pesquisados e citados (cada relatório tem em torno de 130 paginas)
O resultado é uma publicação cheia de nostalgia, ideias e bons insights, pra ler e guardar.
Qual o conteúdo da revista 100 anos da FIPP?
“100 Years of Magazines” percorre as décadas desde os anos 1920 até hoje, mostrando como as revistas se tornaram ícones culturais. Traz a era dourada da influência (dos anos 1960 aos 1980), o período de disrupção digital que veio depois e a atual fase de reinvenção, em que marcas, tecnologia e criatividade estão redefinindo o que “revista” realmente significa.
Entre os destaques, há histórias e reflexões de gigantes como The Atlantic, Flow, TIME, The New Yorker, National Geographic, Hola e muitos outros, além de artigos com opiniões influentes de profissionais renomados como Juan Señor, Bo Sacks, Jacqui Barrett, Andrés Rodríguez etc. E, com orgulho, uma menção especial à mídia brasileira, com a participação do PH Ferreira, da Barões Brand Publishing, na página 80, falando claro do excelente trabalho deles em Brand Publishing.

A edição ainda traz uma galeria visual de 100 capas históricas da TIME, uma retrospectiva sobre um século de Congressos Mundiais da FIPP, e um olhar sobre como os publishers estão repensando o “cardápio” das revistas, do impresso premium às experiências de storytelling ao vivo. E claro, IA ganhou seu espaço na conversa também.
Como escreveu o CEO da FIPP, Alastair Lewis, na introdução da revista:
“O que você está lendo não é uma aula de história empoeirada nem um relato seco do último século da FIPP. É a história da nossa indústria, sendo celebrada de forma vibrante, de algo que começou como tinta no papel e evoluiu para uma experiência multiplataforma e imersiva: digital, ao vivo, em áudio, vídeo, realidade aumentada e muito mais.”
E a presidente do conselho da FIPP, Yulia Boyle, completa:
“Alguns membros estão lembrando o que o impresso premium pode fazer quando é escasso, bem feito e baseado em jornalismo de confiança. Outros estão transformando histórias em experiências ao vivo que fortalecem comunidades.”
O futuro depende dos leitores

Claro que também fiquei especialmente feliz por ver a Storytime representada na seção de mídia infantil, para servir como um lembrete de que o futuro da nossa indústria depende de formar novos leitores. Se quisermos comemorar outros 100 anos de revistas, precisamos garantir que as próximas gerações cresçam amando as histórias, o papel e a diversão de virar uma página.
Essa edição de centenário celebra a nossa história mas também nos deixa prontos para tudo o que ainda está por vir. As revistas continuam evoluindo e nos surpreendendo. Precisamos dessa curadoria cuidadosa e boas histórias num mundo cada vez mais digital e caótico.
Talvez seja hora de aposentar de vez a frase: “É só uma revista.”
Essa edição é um belo lembrete que as revistas são obras de ofício, espaços de criatividade de grandes profissionais.