Alfabetização Midiática: a urgência de começar cedo

Alfabetização Midiática: a urgência de começar cedo

16 de dezembro de 2025
Última atualização: 16 de dezembro de 2025
7min
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Lulu Skantze

O tema mais discutido, debatido e defendido este ano foi a urgência da media literacy, ou alfabetização midiática. Não apenas para leitores adultos, mas para os mais jovens também (ou até em especial!). O consenso geral tem sido que, quanto mais cedo começarmos a ensinar as crianças a ler notícias e a entender a tecnologia e a linguagem da mídia, mais seguras elas estarão num mundo cada vez mais digitalizado.

De modo amplo, “media literacy” se refere à capacidade de acessar, analisar, avaliar e criar mídia em todas as suas formas: impressa, vídeo, conteúdo online, redes sociais, notícias e agora também material gerado por IA. À medida que o ecossistema se fragmenta por causa de algoritmos, conteúdo direcionado, plataformas sociais, desinformação e publicidade, as crianças precisam de mais do que habilidades de leitura. Elas precisam de ferramentas para entender quem criou um conteúdo, com qual propósito, com qual agenda e quão confiável ele é. Essa capacidade molda a alfabetização, o futuro engajamento cívico, a segurança digital e a cidadania informada.

Por muito tempo, media literacy foi tratada como algo “bom de ter” no currículo, mas a IA tornou isso urgente pois é uma habilidade essencial para quem está crescendo em um mundo saturado de mídia.

No Reino Unido, a alfabetização midiática fará parte do currículo

Por isso, a notícia de que alfabetização midiática entrará no currículo escolar do Reino Unido foi amplamente comemorada no por todos nós. Em outubro deste ano, uma grande revisão curricular concluiu que alfabetização midiática (e informacional) será formalmente integrada ao currículo nacional. A partir de 2028, um novo currículo obrigatório de Citizenship (cidadania) incluirá o assunto nos primeiros anos (Key Stages 1 e 2 / Primário). A alfabetização digital também será reforçada em Computing, e as competências de media literacy fortalecidas na disciplina English (Literatura e Inglês), com uma gama mais ampla de textos e gêneros estudados.

Isso marca uma virada importante porque será a primeira vez que alfabetização midiática e informacional (as vezes chamada de “MIL”) será estatutária e transversal, uma competência incorporada e não um complemento opcional deixado a cargo de cada professor como tem sido ate agora.

Estudos ajudam a colocar o tema no topo da agenda

A pesquisa do National Literacy Trust (NLT) de 2024 (76.131 respostas, idades de 5 a 18 anos) mostrou uma tendência preocupante: apenas 34,6% dos jovens de 8 a 18 anos dizem gostar de ler no tempo livre. É o menor índice desde o início da pesquisa (2005). A leitura diária fora da escola também caiu: apenas 20,5% leem algo diariamente no tempo livre, novamente o menor índice desde 2005. Isso foi classificado como uma “crise de leitura”, coincidindo com o aumento do consumo de mídia.

O relatório de 2024 sobre o estado da alfabetização midiática na Inglaterra destaca barreiras significativas: baixa presença nas escolas de conteúdo relevante, recursos desiguais e falta de integração sistemática. Muitas crianças têm apenas contato fragmentado com educação midiática; algumas não têm sequer noções básicas, mesmo consumindo mídia o tempo todo. Ou seja, começam a usar sem entender o que estão usando.

O NLT também investigou o uso de IA generativa. Eles perguntaram a jovens de 13 a 18 anos e a professores sobre o uso de IA para aprendizagem. O uso saltou de cerca de 37% em 2023 para 77,1% em 2024 entre adolescentes. Muitos dizem usar IA para lição de casa, histórias, poemas e textos informativos. A percepção é majoritariamente positiva: cerca de 56,6% dizem que a IA ajuda com ideias; 52,2% afirmam que os ajuda a entender conteúdos; 39,6% dizem que facilita a escrita. Mas cerca de um em cada cinco admite “simplesmente copiar” o que a IA produz, e proporção semelhante não verifica fatos, reforçando a urgência da alfabetização digital crítica, não do uso acrítico. Mais recentemente, também concluíram que metade dos usuários não consegue interpretar se o que está lendo é verdade ou não.

Dados sobre inclusão digital da Good Things Foundation (2024) ampliam esse quadro. A pesquisa mostra que, entre famílias com crianças, uma minoria significativa não tem habilidades digitais ou confiança para lidar com sistemas escolares ou segurança online. Cerca de 27% das famílias com crianças não têm habilidades essenciais de segurança digital; 17% têm pais sem habilidades digitais práticas; 14% não se sentem confiantes para usar sistemas escolares online. Quando pais/responsáveis não têm competência digital, as crianças crescem sem orientação e isso aumenta riscos e reforça a necessidade de educação midiática formal na escola.

Instituições colaboram para estimular a educação midiática

Alfabetização hoje não pode significar apenas “ler livros”. Precisa incluir ler, interpretar, questionar, criar e navegar informação midiática e digital de forma responsável. Como todas as outras matérias essenciais, precisa ser ensinado.

Houve muito trabalho de bastidores de organizações que lutaram para que isso se tornasse realidade. Muitas instituições e organizações do Reino Unido lideram o esforço por media literacy entre jovens, o que destaca nosso papel como publishers nessa mudança.

Uma das vozes mais fortes nesse campo é a The Guardian Foundation, que há muito defende a inclusão de alfabetização midiática e jornalística nas escolas. Por meio de programas como NewsWise e Behind the Headlines, eles ajudam crianças a avaliar notícias, identificar desinformação e desenvolver pensamento crítico.

O Shout Out UK (SOUK) é uma enterprise focada em empoderamento juvenil, alfabetização política e midiática e jornalismo estudantil — ajudando jovens a compreender mídia, questões cívicas e a expressar sua própria voz.

A Ofcom, reguladora de comunicações do Reino Unido, tem desde 2003 um mandato para promover media literacy. Pelo programa Making Sense of Media, publicou uma estratégia plurianual em 2024–25 pedindo melhorias urgentes, sobretudo em relação à desinformação online e segurança digital.

O National Literacy Trust, embora focado em leitura e escrita, tem sido fundamental em posicionar media literacy como uma competência chave ao lado da alfabetização tradicional, conectando-a aos hábitos de leitura ao longo da vida em escolas, bibliotecas e comunidades.

A maioria dos publishers, incluindo a Storytime, participa e apoia esse movimento porque entendemos sua importância e a nossa responsabilidade. Haverá desafios até que isso se torne natural no currículo. Incluir educação e alfabetização midiática no currículo não  será simples,  até porque se as escolas não receberem bons recursos, formação docente e apoio contínuo, elas não terão como fazê-lo bem. E claro, é necessário que o ensino evolua conforme a tecnologia evolui. Isso exigirá investimento, parcerias e estratégias entre educadores, publishers e a sociedade civil.

Outras disciplinas também precisam de investimento, mas a velocidade da tecnologia torna essa matéria especialmente exigente. Ainda assim, não vejo a alfabetização mediática como algo opcional. E por isso mesmo, é um trabalho que todos nós em mídia, não só na mídia infantil, precisamos apoiar e participar.

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Lulu Skantze
Editor
Lulu Skantze é fundadora e diretora criativa da Storytime, uma das maiores revistas infantis do Reino Unido. Publicada em cinco países e distribuída em mais de 60, a revista também está em plataformas digitais e audiobooks.Baseada em Amsterdã, Lulu trabalhou em agências de publicidade no Brasil e na Alemanha, além de grandes editoras europeias, dirigindo projetos para marcas como Disney, Mattel e Playstation.Palestrante e consultora em licenciamento, ela também colabora com artigos sobre empreendedorismo e tendências editoriais.Saiba mais em www.storytimemagazine.com e www.storytimehub.com