Conectar-se ou não – para os jovens, ainda é uma opção?

Conectar-se ou não – para os jovens, ainda é uma opção?

7 de outubro de 2025
Última atualização: 7 de outubro de 2025
6min
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A pesquisa da Prefeitura de Amsterdã mostra a relação dos jovens com redes sociais, smartphones e relacionamentos digitais. Foto: Lulu Skantze
Lulu Skantze

Há algo inspirador em perguntar aos jovens como o mundo digital os afeta – e não apenas discutir o assunto superficialmente, de fora pra dentro, mas trazê-los para o centro da conversa. É exatamente essa urgência que impulsiona ATTACHED, um projeto promovido pela Prefeitura de Amsterdã com o Ontwerplab Connect. O programa dá voz aos jovens da cidade para contar como vivem suas redes sociais, seus smartphones e seus relacionamentos digitais – e, a partir dessas escutas, trabalha junto com escolas e o governo para decidir quais ações precisam ser tomadas.

Afinal, ninguém mais duvida de que precisamos – como sociedade e como mídia – fazer algo. O problema é que ainda não sabemos exatamente o que é certo.

Celular nas escolas: proibir ou não?

E bons dados são um elemento essencial para promover mudanças. Quando vejo números – para o bem ou para o mal — eles tendem a convencer mais do que qualquer outro argumento de que algo precisa ser feito. E aqui, uma das grandes discussões tem sido o uso de celulares nas escolas e o acesso às redes sociais por crianças em idade primária – até que ponto devemos interferir, restringir ou até proibir totalmente?

A resposta não é simples. Mas quem melhor para nos guiar do que os próprios jovens usuários?

O Ontwerplab Connect, laboratório de inovação da Prefeitura de Amsterdã, trabalha com jovens de 8 a 23 anos em processos de co-design: oficinas para repensar plataformas online, sessões sobre o uso de smartphones e entrevistas que revelam experiências diretas. É um espaço de escuta ativa e colaboração – onde os jovens compartilham como experimentam o mundo digital e refletem sobre o que gostariam que mudasse.

Dentro do programa Young Netizens, o Connect também desenvolve iniciativas como Digital Detox, Wi-Fi sem distrações em bibliotecas públicas e o Check Out – pontos físicos onde os jovens podem usar a internet sem redes sociais para estudar com mais foco.

E se só pudéssemos seguir 150 pessoas?

Fiquei surpresa com quantos deles falaram sobre deletar aplicativos como TikTok ou Snapchat para recuperar paz mental. Outros contaram como as comparações constantes os fazem sentir menores — ou como os algoritmos os puxam de volta para o scroll infinito. Se trocarmos “mídia social” por qualquer outra substância, a comparação com vícios é inevitável. E ainda assim, todos pedem conexões mais seguras — porque também sentem solidão sem elas. As redes acompanham toda a vida, mas precisam ser tratadas com mais cuidado.

Uma das estatísticas que sempre aponto, é cerca de mais de 60% da Geração Z procura maneiras reais de se desconectar e de se engajar mais em interações presenciais do que a geração anterior. É uma reação clara à saturação das redes, mas também um sinal de desconfiança: o que significam, afinal, curtidas e seguidores?

Em meio a tanta honestidade, surgem ideias criativas (e é por isso que vale perguntar). Um jovem de 19 anos sugeriu: “E se só pudéssemos seguir 150 pessoas?” — uma proposta que tornaria nossas redes mais intencionais e significativas. Limites, qualidade acima de quantidade e outros bons insights apareceram repetidamente.

Lendo mais sobre o projeto, aparecem reflexões consistentes:

Desconforto com a comparação constante: muitos dizem que as redes os pressionam a se comparar com imagens irreais, afetando humor e autoestima.
Deletar apps como forma de lidar: alguns removem redes inteiras para recuperar controle e tranquilidade.
Design viciante e força dos algoritmos: reconhecem que a experiência digital é feita para mantê-los rolando a tela, em conflito com o desejo de equilíbrio.
Desejo por controle e transparência: querem mais clareza sobre o funcionamento dos algoritmos, filtros e o tempo gasto.
Conflito entre conexão e bem-estar: querem estar conectados, mas não à custa da saúde mental.
O papel das histórias: o projeto incentiva imaginar “e se?”: limitar seguidores, definir tempos sem tela, redes baseadas em propósito.

E o que a mídia tem a ver com tudo isso?

Tudo isso se conecta à responsabilidade coletiva de preservar a infância e o desenvolvimento saudável. Precisamos de menos posts e mais escuta. Os jovens estão nos dizendo como a vida digital molda seu bem-estar, seus sonhos e sua identidade — e até os que continuam online pedem mais transparência. Nosso papel é tornar isso possível.

Como profissionais de mídia, temos um papel central: como podemos criar espaços digitais mais seguros, onde imaginação e curiosidade não competem com algoritmos? Precisamos oferecer ambientes onde as crianças e os jovens possam descobrir, errar, aprender e crescer, sem correrem riscos.

O ATTACHED apresentou histórias que trazem verdades, nas palavras dos jovens. Ouvir é o primeiro passo. Agir com responsabilidade, o segundo. Mas a juventude e a infância não merecem nada menos do que isso.

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Lulu Skantze
Editor
Lulu Skantze é fundadora e diretora criativa da Storytime, uma das maiores revistas infantis do Reino Unido. Publicada em cinco países e distribuída em mais de 60, a revista também está em plataformas digitais e audiobooks.Baseada em Amsterdã, Lulu trabalhou em agências de publicidade no Brasil e na Alemanha, além de grandes editoras europeias, dirigindo projetos para marcas como Disney, Mattel e Playstation.Palestrante e consultora em licenciamento, ela também colabora com artigos sobre empreendedorismo e tendências editoriais.Saiba mais em www.storytimemagazine.com e www.storytimehub.com