Lulu Skantze na FIPP: É possível criar uma empresa de notícias “realmente” global?

Lulu Skantze na FIPP: É possível criar uma empresa de notícias “realmente” global?

18 de novembro de 2025
Última atualização: 18 de novembro de 2025
6min
Semafor capa mostra revista eletronica que trabalha com curadoria e notícias combinadas. Artigo de Lulu Skantze
Lulu Skantze

Uma das sessões mais instigantes pra mim do FIPP World Media Congress, em Madrid, foi com Justin B. Smith, fundador da Semafor. Com apenas três anos de existência, a Semafor nasceu com o objetivo de enfrentar três grandes problemas do jornalismo atual: a visão ocidentalizada das coberturas (já que os canais mais famosos/consumidos são criados e enraizados no eixo EUA/Europa), o viés e a polarização, e a sobrecarga de informação. A ambição deles sempre foi construir desde o primeiro dia uma marca de notícias realmente global, e não apenas mais um veículo americano com newsroom no exterior.

O modelo é incomum, especialmente quando comparado a veículos como CNN ou BBC. A diversidade do time é o ponto de partida da expansão deles. A princípio, parece estar funcionando. A Semafor levantou entre US$ 40 e 44 milhões em duas rodadas de investimento iniciais e tornou-se lucrativa já no primeiro ano.

Hoje, conta com uma redação de mais de 50 jornalistas em nove escritórios, com edições próprias na África e no Golfo, além de planos de expansão para China (em 2026), Europa e América Latina. Ao falar sobre seu público e assinantes, Smith comentou que 475 dos 500 maiores CEOs do mundo recebem seus briefings diretos por e-mail. A empresa já acumula cerca de um milhão de assinaturas, sendo 30% delas da alta liderança corporativa. Uma estatística invejável em três anos de vida.

Durante o painel, o crachá ao lado do seu nome dizia “Semafor/US”, mas ele fez questão de corrigir isso pois disse que não gosta de usar essa designação. “Começamos nos Estados Unidos, mas não somos uma empresa americana de notícias.” É possível criar essa distinção?

Menos duplicação de informação e mais utilidade para o público

O diferencial da Semafor, segundo ele, não está apenas na presença internacional, mas na forma de pensar o produto. Eles criam reportagens originais combinadas com curadoria inteligente das melhores matérias de outras fontes, na intenção de servir melhor ao leitor. Menos duplicação e mais utilidade, num esforço para reduzir o ruído, reforçar a confiança e encontrar uma linguagem jornalística concisa, clara e relevante para um público que tem cada vez menos tempo às notícias.

Muitas das palestras no FIPP reforçaram essa busca por achar uma linguagem jornalística nova e ela parece estar bem entre uma curadoria, um resumo mas sem ser resumido demais, uma maneira de criar notícia importante, digerível e confiável. A Roca News também falou sobre isso. Para a Geração Z, vídeo e autenticidade parecem ser a resposta. Para a Semafor, o perfil de seus leitores, e mostrar que estão colhendo dados de todos os grandes jornais e investigando suas fontes e resumindo bem, parece ser o canal.

Eventos como fonte de renda

O motor do negócio é o modelo “events-first, journalism-powered”, ou seja, eventos no centro e jornalismo como força propulsora. No primeiro ano, foram cerca de 50 eventos; no segundo, 75; e neste ano devem ultrapassar 100. Mais da metade da receita atual vem de eventos, algo que também foi apontado por vários palestrantes do FIPP como uma das melhores fontes de diversificação de renda de vários publishers.

No caso da Semafor, esses eventos são lucrativos e fortalecem o jornalismo que eles fazem, também pelo perfil que eles conseguem atrair e isso, por sua vez alimenta os eventos. Um círculo virtuoso e lucrativo. Ele citou que estão inclusive planejando um “COP” em Washington, D.C., na intenção de ser uma alternativa credível ao Fórum de Davos, para atrair mais da metade das empresas da Fortune 500 como publico alvo.

Há, no entanto, um pouco de realismo por trás do otimismo e eu gostei de ouvir isso porque soa sempre mais autêntico. Criar um veículo de notícias independente e relevante não é simples mesmo com um bom investimento por trás, e Justin reconheceu que nem tudo dá certo (eles reduziram investimentos iniciais em vídeo, por exemplo) e que estão crescendo aos poucos, região por região, dando uma freada na expansão global.

Confiança, solução de problemas e projeção de notícias global

Imagino que conquistar credibilidade e confiança em novos mercados, sem depender de parceiros locais, e ao mesmo tempo afirmar que não são um canal americano de notícias, demandará tempo e consistência.

Mas eles seguem firmes no propósito e na fórmula: contratar localmente, resolver problemas reais dos leitores e desenvolver produtos para um mundo onde atenção é escassa e confiança é premium.

Sempre defendi que o ser “global” não pode se limitar ao mapa de distribuição, é uma qualidade que precisa estar na liderança, no talento, nos incentivos e no próprio produto muito mais profundamente. Há uma mudança de mentalidade essencial, e acredito que o topo da pirâmide numa empresa dessas precisa ser verdadeiramente global para que essa visão se concretize.

A Semafor parece entender isso e está tentando construir algo novo, de baixo para cima. Se sua voz se tornará realmente global ainda veremos… mas a intenção e a ambição já são difíceis de ignorar.

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Lulu Skantze
Editor
Lulu Skantze é fundadora e diretora criativa da Storytime, uma das maiores revistas infantis do Reino Unido. Publicada em cinco países e distribuída em mais de 60, a revista também está em plataformas digitais e audiobooks.Baseada em Amsterdã, Lulu trabalhou em agências de publicidade no Brasil e na Alemanha, além de grandes editoras europeias, dirigindo projetos para marcas como Disney, Mattel e Playstation.Palestrante e consultora em licenciamento, ela também colabora com artigos sobre empreendedorismo e tendências editoriais.Saiba mais em www.storytimemagazine.com e www.storytimehub.com