Notas da FIPP World Media Congress: os aprendizados da Revista TIME

“It’s not what society is doing to us; it’s what we do to ourselves”.
Essa frase abriu o primeiro painel do Congresso do FIPP World Media Congress deste ano e definiu o tom: menos vitimismo, mais protagonismo.
A sessão com Mark Howard, Chief Operating Officer da TIME (que substituiu a CEO Jessica Sibley, chamada de última hora a Washington por causa da capa recente com o Trump!), foi uma aula sobre como uma marca de 102 anos pode se reinventar sem perder sua essência.
O que Jessica chama de TIME 3.0 é mais ou menos isso:
“Faça da confiança o seu produto principal e construa o negócio ao redor desse valor”.
Derrubar o paywall e atrair mais os jovens
Mark contou sobre uma das decisões mais ousadas (e polêmicas na época): remover o paywall. Enquanto a maioria dos publishers estava apertando os medidores, a TIME fez o oposto. A ideia não era “dar de graça por dar”, mas reforçar o propósito de confiança na marca,
Eles se posicionaram como a fonte mais confiável de notícias, e perceberam que confiança também significa acessibilidade. Em tempos de desinformação e eleições acirradas nos EUA, queriam garantir que todos pudessem acessar seu conteúdo, inclusive quem não podia pagar. Principalmente os jovens que não tinham o hábito de pagar pelas news.
Essa missão abriu o caminho para um novo modelo para eles: parcerias de longo prazo com marcas e uma engine de eventos que ganhou mais espaço na programação. A receita publicitária subiu, os eventos cresceram e a TIME hoje tem a audiência mais jovem de sua história. O maior alcance serviu à confiança, que por sua vez, serviu à receita.
Qual é o seu verdadeiro produto?
Se é confiança e influência, então otimize para acesso e hábito e monetize o relacionamento em outros lugares (eventos, franquias, propriedade intelectual).
Mark contou que a Jessica costuma dizer para o time:
“Não deixe a IA acontecer com você. Deixe que ela aconteça para você.”
A TIME se viu diante de um cruzamento logo de cara com IA: litigar, negociar ou apenas observar o que estava acontecendo. E escolheu negociar, por razões práticas de tempo e custo.
A revista foi uma das principais mídias a fazer contratos e acordos com a OpenAI.
Colocou seu acervo de IP “on-chain”, rastreou o comportamento de bots e firmou uma série de acordos distintos de conteúdo e ferramentas.
A TIME também estabeleceu alguns pilares inegociáveis:
- Proteger a propriedade intelectual,
- Controlar a voz da marca,
- Exigir citação e link corretos,
- Entender o uso final da tecnologia.
Usar a IA para beneficiar o leitor
É difícil saber onde isso vai chegar – e mais fácil quando se tem acesso às big techs, como eles tiveram. Mas, ainda assim, a IA tem trazido experiências interessantes para os leitores da TIME. A revista lançou recursos úteis, como uma barra de ferramentas com IA generativa, que permite resumir, traduzir, ouvir e interagir com o conteúdo.
Mark mencionou que o próximo passo será oferecer briefings em áudio sob demanda, com base em um arquivo de 102 anos totalmente indexado.
Expandir sem perder a alma (e a calma)
Outro foco da Revista TIME é crescer globalmente como marca, algo essencial para a sobrevivência de qualquer empresa de mídia e que apareceu em quase todas as palestras do evento. Mas como expandir uma marca tão americana?
TIME África e TIME França são os primeiros parceiros, lançados em formato digital-first, com eventos paralelos e redações locais lideradas por jornalistas de cada país. O critério deles para novos parceiros é ter alinhamento editorial com a missão da TIME e expertise real de mercado. Será interessante ver se a marca funcionará localmente. A Harpers Bazaar conseguiu fazer isso quando lançou sua edição Francesa, recentemente.
Mark reforçou que a intenção não é fazer parcerias superficiais de “logotipos no mapa”, mas encontrar aliados que compartilhem seus valores e tom de voz. No entanto, cada edição deverá ser culturalmente autêntica.
Marcas como a TIME podem emprestar padrões editoriais e formatos, mas a essência tem que vir de uma equipe local, que consiga traduzir o tom da marca com autenticidade.
A força das capas e da confiança cultural
Nos últimos anos as capas da TIME voltaram a ser grandes símbolos culturais. O “Person of the Year” – virou “Kid of the Year”, “Woman of the Year” e quanto mais capas, melhor para eles!
Hoje, todo ícone pop quer (ou precisa) estar numa capa da revista de peso, e a TIME ocupa esse lugar.
A capa com Bad Bunny, por exemplo, foi uma das mais reproduzidas durante o Congresso e continua a provar que boas capas ainda são o “santo graal” do publishing.
A história por trás dessa capa é ainda melhor: foi mais que um sucesso viral, foi um case de confiança da marca.
A produção teve uma equipe criativa 100% hispânica, o texto foi escrito em espanhol e depois traduzido, e essa foi a primeira vez que algo assim aconteceu na mídia americana. Tudo exigência do artista mais “hype” do momento por lá. Mark acredita que eles tiveram acesso porque o Bad Bunny acreditava que a TIME contaria sua história da forma certa. Prova disso é que apenas duas revistas conseguiram entrevistá-lo: Billboard e TIME.
E quando a cultura popular confia em você, a distribuição se encarrega do resto. E assim é possível alcançar novos públicos naturalmente (aliás esse parece ser um dos principais focos para a TIME: conquistar jovens leitores para a marca).
O princípio operacional: seja a melhor versão de si mesmo
Mark Howard encerrou sua participação no palco do FIPP World Media Congress dizendo que “A TIME não quer ser a próxima plataforma da moda nem copiar o modelo econômico de ninguém. Nosso objetivo é ser a melhor versão da TIME, todos os dias.”
Num momento de mudanças exponenciais, essa bússola interna deles parece ser o que tem mantido a marca em um caminho de crescimento sólido. Muitos cases interessantes e uma transformação inspiradora, sem dúvida.
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