Tudo por assinatura, o mantra da economia da recorrência

Tudo por assinatura, o mantra da economia da recorrência

1 de agosto de 2019
Última atualização: 1 de agosto de 2019
Helio Gama Neto

EXAME – 01/08/2019

David Cohen

Nunca é um toque de varinha mágica, nunca é uma única ação que responde pelo sucesso de uma empresa. Mas, quando uma estratégia está presente em tantos casos de negócios extraordinários dos últimos tempos, pode-se inferir que, se não for a fórmula vencedora, pelo menos ela contém uma boa dose dos ingredientes necessários. Esse parece ser o caso da estratégia que desempenhou um papel fundamental na grande virada da Microsoft, durante anos tida como ultrapassada e agora novamente a empresa mais valiosa do mundo. Ela também ajuda a explicar a expansão fantástica da Amazon, o sucesso da Netflix, a multiplicação por 7 do valor de mercado da empresa de softwares Adobe. Ou, no Brasil, a disseminação dos softwares de gestão da Totvs entre pequenas e médias empresas. Ou, ainda, a transformação de uma pequena loja de Vitória, a Wine, no segundo maior importador de vinhos do país, atrás apenas do Grupo Pão de Açúcar.

Trata-se da economia da assinatura; ou da recorrência; ou da associação (membership, em inglês) — o fenômeno é tão novo que ainda suscita confusões semânticas. O que é bom: significa que não está tarde para aderir a ele. Mas tampouco está cedo. De acordo com a consultoria McKinsey, o mercado de comércio eletrônico por assinatura tem crescido mais de 100% ao ano nos Estados Unidos nos últimos anos. Ainda é uma modalidade de nicho, com algo entre 1,5% e 2% das vendas digitais, segundo Igor Goulenko, sócio da consultoria especializado em varejo. “Esse tipo de consumo subiu de 57 milhões de dólares, em 2011, para 2,5 bilhões, em 2016”, diz Tracy Francis, sócia sênior da McKinsey. “Está longe de ser mainstream, mas é um crescimento explosivo.” No Brasil, um estudo da ABComm, associação das empresas de comércio eletrônico, identificou um crescimento de 167% no número de clubes de assinatura em quatro anos, de 300, em 2014 para mais de 800, em 2018, com faturamento somado de 1 bilhão de reais.

Essas contas são conservadoras. Tomam o fenômeno em seu sentido estrito. Não levam em consideração, por exemplo, os mais de 101 milhões de assinantes do serviço Prime da Amazon, responsáveis por boa parte (analistas acreditam em mais de 60%) da receita de quase 142 bilhões de dólares em produtos no ano passado. Tampouco consideram os mais de 33 milhões de assinantes dos produtos Office da Microsoft — revigorados depois que a empresa aderiu à computação em nuvem com o modelo de assinatura. Ou as assinaturas de música do Spotify, de filmes da Netflix e congêneres, até de games (a Microsoft já tem e o Google acabou de lançar seu serviço de jogos por streaming). De acordo com a consultoria de tecnologia Gartner, em 2020 mais de 80% dos provedores de softwares terão mudado para sistemas baseados em assinaturas, e metade das maiores companhias do mundo vai depender de produtos, serviços e experiências aprimorados digitalmente — e portanto passíveis de assinatura.

Com a primeira parte nós já nos acostumamos: músicas, vídeos, softwares tornaram-se majoritariamente dominados pelo modelo de assinatura. A Netflix derrubou a Blockbuster, então dominante nas locações de vídeo baseada nesse modelo. E com o mesmo modelo virou uma ameaça aos produtores de conteúdo — que estão todos aderindo à assinatura, Disney e Apple incluídas. Quanto à economia tradicional, estamos vendo os primeiros passos do que poderá ser uma grande mudança, com startups oferecendo de tudo por assinatura. O mais óbvio são os produtos de reposição: flores, fraldas, cosméticos, lâminas de barbear. Uma das pioneiras disso, a Diapers.com, criada em 2005, foi vendida à Amazon por 545 milhões de dólares cinco anos depois. Mas não para por aí. Há assinaturas de meias, refeições, lanches, acessórios para gamers. Há um crescente mercado de roupas de aluguel: nos Estados Unidos, a Rent the Runway já é um unicórnio, avaliada em 1  bilhão de dólares. Uma das principais varejistas de moda americanas, a Urban Outfitters, anunciou em maio o lançamento de um serviço de assinatura que permite pegar emprestados seis itens de suas marcas próprias e de parceiros por 88 dólares ao mês. No Brasil, uma dezena de marcas oferece assinaturas a quem não quer repetir as roupas ou deseja sair com roupas mais caras sem desembolsar o valor completo. Livros infantis são outro exemplo: o Leiturinha, fundado em 2014 por Guilherme Martins e Rodolfo Reis, é hoje o maior clube de livros do Brasil, com 150 000 assinantes — que recebem mensalmente um kit com livros infantis, divididos em seis faixas etárias. A editora Tag, de Porto Alegre, faz o mesmo com literatura para adultos.

Para além das entregas de produtos, também cresce o número de empresas testando o modelo de assinatura. Nos Estados Unidos, a Ngenic, fabricante de termostatos, permite que se compre o aparelho num combo com uma fornecedora de energia, possibilitando uma conta menor pelo monitoramento dos gastos na casa. A Metromile, de seguros, cobra prêmios por quilômetro rodado (a verificação é feita por um aparelho instalado no carro): quem roda menos paga menos. A centenária fabricante de filtros Donaldson lançou neste ano um serviço para monitorar a poeira e a fumaça em seus coletores.

De forma geral, a economia caminha dos produtos para os serviços. E  tudo que pode migrar para serviços pode ser vendido com recorrência. Tudo? Tudo. O primeiro passo é o reposicionamento. “A gente não vende geladeira”, diz João Carlos Brega, presidente para América Latina da Whirlpool, dona das marcas Brastemp e Cônsul. “A gente ajuda a preservar a comida.” Do mesmo modo, segundo ele, a empresa não vende fogão, ajuda a preparar alimentos. Convencer as pessoas dessa mudança é difícil. Mais difícil ainda é o passo seguinte: vender-lhes o verbo, em vez do substantivo. “Se o modelo de assinatura pode chegar à preservação da comida ou aos cuidados com a roupa? Claro que pode”, diz Brega. “Agora, se for aluguel, aí é uma questão que vai variar de produto para produto.” Por enquanto, a Whirlpool aposta apenas nos líquidos. O modelo de filtro de água por assinatura, criado em 2002, ganhou no ano passado a companhia de uma máquina que faz sucos, chás, cafés e até refrigerantes, vendida em parceria com a Ambev. O serviço de água “não cresceu na taxa que a gente gostaria, como o país também não cresceu”, diz Brega. “Mas o negócio continua muito interessante para nós.”

A estratégia das assinaturas não é exatamente nova. Ela já foi responsável, por exemplo, pelo sucesso da máquina de costura Singer, lançada em 1856. A primeira máquina havia sido inventada dez anos antes, e diversos fabricantes desenvolveram melhorias para as quais exigiam direitos, no que foi chamado, então, de “guerra das máquinas de costura”, só resolvida quando nove deles chegaram a um acordo de patentes. Eram todas basicamente iguais, portanto. O que fez a empresa de Isaac Singer prosperar não foi Isaac Singer, mas um grupo de executivos que tomou conta da companhia e criou um plano de aluguel para o equipamento. Os clientes podiam depositar 5 dólares como garantia e pagar 3 dólares por mês, com opção de compra. A mesma turma contratada para recolher os pagamentos funcionava como força de venda aos vizinhos. E a Singer dominou o mercado.

Muito antes disso, o modelo de assinatura já havia sido fundamental para as grandes navegações do século 16. Na época, os fazedores de mapas convidavam os clientes a fazer assinaturas para receber as futuras edições, que mudavam ao ritmo das descobertas e conquistas de terras. No século seguinte, o mesmo modelo foi aplicado aos primeiros jornais e revistas da Europa, uma prática mantida até hoje (como prova a própria EXAME).

Por que um modelo tão velho está sendo apresentado como uma novidade tão onipresente? Justamente porque tudo hoje é mais efêmero. Tudo é fluido. Por um lado, pode-se dizer que vivemos a tendência oposta ao DIY (do it yourself): em vez de “faça você mesmo”, vende-se um “deixe que eu faço por você”. Não à toa, a empresa sueca Ikea, que tanto prosperou com o DIY, lançou no início do ano um piloto de assinatura de móveis na Suíça. Quer trocar a cara de sua cozinha? A empresa traz mobília nova, recolhe e recondiciona a velha. A ideia é ajudar a diminuir a pegada de carbono da empresa e aumentar as pegadas dos clientes rumo à própria Ikea.

De outro lado, trata-se da ditadura da inovação: num mundo em que os produtos sofrem melhorias constantes ou rupturas (ou, se você for do time dos mais cínicos, uma obsolescência programada), a troca tem de ser feita com tanta frequência que faz sentido torná-la contínua. O processo se intensificou com a invenção do software como serviço (SaaS, na sigla em inglês). A ideia é tão poderosa que deu à Amazon o domínio do mercado de armazenamento de dados. Sua inovação foi vender capacidade de processamento não como hardware — que exige um enorme investimento prévio e uma equipe dedicada à manutenção e ao gerenciamento — mas como uma utilidade, do mesmo jeito que energia e água encanada. A Amazon Web Services tem diversos modelos de cobrança, mas a linha geral é pagar à medida que se usa. Isso transformou a indústria. Todos tiveram de seguir o mesmo caminho. Paradoxalmente, foi uma bênção para a Microsoft, que acoplou seus poderosos softwares (já dominantes no mercado corporativo) aos serviços de nuvem e hoje avança mais célere do que a Amazon.

Da mesma forma, a empresa de softwares de gestão Salesforce passou a prestar serviços, em vez de cobrar por licenças. De novo, a licença exigia especialistas internos, um enorme custo para trilhar a curva de aprendizado do sistema e muito desenvolvimento próprio para personalizar o serviço. O SaaS resolvia tudo isso. E, mais uma vez, transformou o mercado. “Nós decidimos fazer a transição para o modelo de assinatura em 2015”, afirma Juliano Tubino, vice-presidente de negócios da Totvs, que havia três décadas vendia no modelo de licenciamento. “Agora as receitas com assinatura são 74% do negócio.”

O fenômeno do SaaS logo se espraiou. “Hoje o mundo todo funciona como um serviço”, diz Tien Tzuo, fundador da Zuora, que vende sistemas para administrar negócios como um serviço, em seu livro Subscribed (“Assinado”, numa tradução livre), escrito em parceria com Gabe Weisert, também da Zuora. Há transporte como serviço, educação como serviço, saúde como serviço, comércio, indústria…

Em grande parte, isso se deve à mudança no processo de consumo. De acordo com a consultoria Forrester Research, vivemos hoje a Era do Cliente, caracterizada pela expectativa de que qualquer informação ou serviço esteja disponível, em qualquer aparelho compatível, no momento em que se precisar dele. Compare-se isso ao modelo de Henry Ford, do início da industrialização, quando os clientes podiam escolher qualquer cor para seu carro, desde que fosse preta.

Vivíamos então a ditadura dos produtos. Durante todo o século 20, o modelo mental para vender algo era pensar no produto, em seguida nos canais de vendas mais adequados, para chegar ao objetivo final, o consumidor. O novo modelo é diferente: o consumidor está no centro e, para ele, pensam-se experiências, que ensejam serviços, que são oferecidos por meio de canais. Isso se tornou possível graças à digitalização da economia. “Companhias como a Amazon e a Salesforce não têm segmentos de consumidores, mas assinantes individuais”, diz Tzuo em seu livro. Cada um desses assinantes tem a própria página, seu histórico de atividades, seus sinais de advertência, suas sugestões organizadas por algoritmos, suas experiências únicas. É por causa desse novo contexto de digitalização que Tzuo adverte: “Se você não descobrir quem são seus clientes nos próximos cinco a dez anos, vai fracassar; pequenas startups estão derrubando companhias enormes porque elas sabem para quem estão vendendo. Todos os 80 trilhões de dólares da economia mundial estão em disputa”.

O fenômeno vale para qualquer setor, até os mais pesados. Tome-se o exemplo da Caterpillar, uma empresa de tratores e outros equipamentos agrícolas pesados. Para resolver o histórico problema da manutenção, que costuma sair muito cara para os clientes, ela criou o serviço Cat Connect Solutions, que usa os sensores dos equipamentos para monitorá-los e encontrar padrões de uso que possam indicar a necessidade de manutenção. A capacidade de prevenir os problemas torna o serviço muito mais barato. Mas isso ainda é pouco. “Por que a Caterpillar é nossa cliente?”, diz Tzuo. “Nós os estamos ajudando a mudar a pergunta de ‘quantos tratores eu posso lhe vender?’ para ‘quanta sujeira você precisa remover?’  ”

É algo semelhante ao que a empresa de pneus Michelin faz desde o início da década. Em alguns contratos, em vez de vender pneus de caminhão às mineradoras, ela vende peso de carga transportada por quilômetro. Ou, em vez de vender pneus para avião, vende um número de aterrissagens. Isso é possível porque a tecnologia avançou a ponto de colocar sensores nos pneus, os quais permitem monitorar o desempenho do produto. E assim pode provar que um pneu mais caro vale mais a pena para o cliente porque dura mais ou presta um serviço mais eficiente.

Nessa mesma linha tem andado a Solinftec, empresa brasileira de equipamentos agrários fundada por seis sócios cubanos e que está ampliando a atuação por Estados Unidos, América Latina e Leste Europeu. Ela aderiu a uma espécie de “plantio como serviço”. “No final de 2016, trouxemos o TGP, um fundo de investimento americano, justamente para mudar o modelo de negócios”, diz Daniel Padrão, chefe de operações da Solinftec. Especializada em equipamentos para agricultura de precisão, a Solinftec tem hoje cerca de 30 000 máquinas conectadas. Antes, a empresa vendia a licença, vendia o hardware e prestava o serviço de implantação. Mudou para um modelo de SaaS. Em menos de dois anos, quase 90% das vendas já são na forma de prestação de serviço. Com computadores de bordo instalados nas máquinas e ligações com estações meteorológicas, a empresa diz acompanhar todo o ciclo agrícola, do preparo do solo à colheita. “Pelos nossos algoritmos, eu consigo ver se a máquina está operando dentro das condições requeridas”, diz Padrão.

O modelo de assinatura ajuda no desenvolvimento de tecnologias. Para a Solinftec, é importante que o cliente esteja sempre atualizado. Assim não há o problema de ter uma solução que dependa de o produtor mudar uma infraestrutura ou comprar outro hardware. Outro motivo, não menos importante, é comercial. “O mercado agrícola gosta de comprar tecnologia, mas é um mercado cético”, diz Padrão. “Você precisa se provar. E o modelo de assinatura facilita isso, o produtor não tem de investir muito de antemão.” O modelo está ajudando a Solinftec a crescer nos Estados Unidos, onde firmou um acordo de cooperação tecnológica com a Universidade Purdue. O plano original era fechar 15 projetos-piloto por lá até o fim do ano. Já há 40 fechados.

OITO MOTIVOS

Há oito razões para o modelo de assinatura ser melhor do que o de clientela, segundo o empreendedor e consultor americano John Warrilow, autor de The Automatic Customer (“O cliente automático”, numa tradução livre). A primeira é o valor da empresa. Como a venda futura já está em grande parte contratada, os investidores se sentem muito mais seguros com as projeções e costumam empregar fatores de multiplicação maiores ao trazer o fluxo para o valor presente.

Um exemplo clássico é a Adobe. Em 2011, sua receita alcançava 3,4 bilhões de dólares no modelo de licenciamento. Mas as vendas estavam estancadas. O lucro só subia pelo aumento de preço ou por fazer os clientes existentes gastar mais. No ano seguinte, a companhia iniciou o processo de mudança. Um ano depois, parou de vender por licenciamento. Quer dizer, em vez de coletar até 2 500 dólares por um produto, passou a receber de 10 a 50 dólares ao mês, por assinatura. Parece uma troca ruim, mas deu um senhor resultado. Desde o início do processo até hoje, o lucro por ação da Adobe mais que triplicou. E, por ter muito mais clareza para os investidores, seu valor de mercado é hoje sete vezes maior. De 19 bilhões de dólares, em 2012, a Adobe hoje está avaliada em quase 140 bilhões.

A segunda razão é o aumento das vendas. “Cada vez que eu vou a uma loja comprar, o fabricante ou comerciante corre o risco de me perder”, diz Tracy, da McKinsey. “Um concorrente pode estar com oferta ou eu posso simplesmente mudar de ideia no caminho.” O modelo de assinatura reduz esse problema. Não é à toa que muita gente se refere a ele como “economia da recorrência”. Um exemplo já clássico é o Dollar Shave Club, criado em 2011 por dois rapazes para oferecer reposição de lâminas de barbear. Em 2016, a empresa foi comprada pela Unilever por 1 bilhão de dólares.

Para não ter de comprar um serviço parecido de alguma startup no futuro, a indústria de alimentos BRF lançou em 2017 a entrega por recorrência de sua marca Gud.pet, de ração premium. “As vendas por assinatura já representam 50% do total e têm crescido, em média, 20% ao mês”, diz André Romeiro, gerente de inovação e marketing da unidade de pets da BRF. Para os clientes, a vantagem é a comodidade, além de um desconto de 20% nos três primeiros pedidos e alguns mimos, como o saco de ração vir com o nome do bicho impresso. Para a empresa, o melhor resultado é tirar da cabeça do cliente a noção de que ele precisa comprar ração. Uma vez formado o hábito, ganha-se um freguês por muitos anos.

Há exemplos muito mais dramáticos. A fabricante de guitarras Fender sempre teve o problema de abandono de clientes porque… bem, porque tocar guitarra é difícil e a maioria das pessoas desiste depois de pouco tempo. Ao desistir, os clientes deixam de comprar instrumentos mais avançados e acessórios. Em 2016, a empresa lançou o aplicativo Fender Tune, de graça, e em seguida o serviço Play, com aulas do instrumento pela internet. Com eles, a empresa acompanha o progresso dos usuários, o tempo de treino, o tipo de música etc. “O executivo-chefe da Fender, Andy Mooney, diz que, apenas diminuindo a taxa de abandono em 10%, ele pode dobrar o tamanho de seu mercado”, escreveu Tzuo em seu livro.

A terceira razão citada por Warrilow é a suavização da demanda. Em outras palavras, a previsibilidade. “Depois de alguns meses, a gente começa a entender a frequência das compras”, diz Fábio Rodas Branco, presidente do supermercado online Shopper, que fundou em 2015 junto com Bruna Vaz. “E pode planejar melhor. Isso nos permite ter um estoque muito reduzido.” O Shopper faz entregas em 500 bairros da capital paulista e nas cidades de Barueri e Santana de Parnaíba usando um centro de distribuição de apenas 2.300 metros quadrados. A empresa não revela quantos clientes tem, apenas informa que em seu site há cerca de 90.000 cadastrados — e que seu faturamento cresce a uma média de 20% a 25% ao mês.

Além da economia no estoque, a previsibilidade permite racionalizar a logística, sempre um desafio, em especial num país grande e deficiente de infraestrutura como o Brasil. O sistema pré-agenda uma entrega de compras por mês, mas “ele é totalmente flexível para ajustar prazos, suspender ou reagendar a entrega”, diz Bruna. A ideia do Shopper surgiu em 2014. Durante uma palestra na faculdade Insper, o empresário Jorge Paulo Lemann lhes disse que, se fosse começar hoje, não criaria o banco Garantia. Em vez disso, veria o que está funcionando no Vale do Silício e adaptaria para o Brasil. “Foi o que a gente fez”, diz Branco. O que mais chamou sua atenção foi o sistema Subscribe & Save (assine e economize), da Amazon, cujo nome explica tudo: descontos em troca de recorrência. O Shop-per tem hoje cerca de 2 000 produtos disponíveis e testa um piloto para incluir frutas. Recentemente, recebeu investimentos de 10 milhões de reais em uma rodada liderada pelo fundo do executivo José Galló, ex-presidente da varejista Renner, e pelo fundo Canary, para expandir sua área de atuação.

O quarto motivo para adotar um modelo de assinatura é obter pesquisas de mercado de graça. Por definição, você conhece os clientes e coleta seus dados. Isso não apenas ajuda nos negócios como também pode virar um negócio em si. É o caso da B4A, criada em 2017 com a compra e junção de duas startups de cosméticos, a Glambox e a Men’s Market. Quando o empreendedor Jan Riehle (um alemão que não se considera alemão por ter vivido em muitos lugares) as comprou, elas já funcionavam no modelo de assinatura. Mas eram dois modelos diferentes. A Glambox reunia produtos de beleza em uma caixa surpresa para mais de 20.000 assinantes a cada mês. Já na Men’s Market os cerca de 3.000 clientes sabiam previamente a composição da caixa e podiam escolher uma entre oito opções.

Riehle unificou os sistemas, adotando o da Glambox, de surpresa. Mas, seguindo o modelo da americana Ipsy, aumentou o desconto para seus clientes: o valor total dos produtos avulsos, que antes ficava entre 1,5 e duas vezes o preço da mensalidade, agora oscila entre duas e três vezes, podendo chegar a seis. E de onde vem a capacidade para aumentar os descontos? Dos serviços prestados às empresas.

O arranjo original é conseguir desconto pela escala. As cerca de 200 fornecedoras cobram preços convidativos porque as hoje 25 000 assinantes da B4A vão experimentar seus produtos. Mas isso é só o início. A Glambox tem um clube de lealdade, e as clientes que respondem às pesquisas, assim como quem apresenta outras clientes, ganham pontos que viram descontos na mensalidade ou ingressos para eventos que a empresa organiza. As pesquisas são oferecidas aos fabricantes de cosméticos. “Todo o nosso dinheiro vem do consumidor”, diz Riehle. “A indústria nos dá descontos.” Descontos que fazem as mensalidades ficar entre 60 e 80 reais mensais. Além disso, a Glambox estimula o marketing orgânico (com fotos no Instagram, por exemplo) dos produtos.

Riehle, que empreende no Brasil há oito anos, afirma que seu negócio une duas oportunidades. A primeira é o mercado de cosméticos brasileiro, “o terceiro maior do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China, com margens de lucro do produto altíssimas, de 85% a 90%”, diz ele. A segunda é o modelo de assinatura. “Temos 28 000 clientes, somando as duas marcas. Nos Estados Unidos, a Ipsy tem cerca de 3 milhões. E outras cinco concorrentes têm números não muito longe disso. O mercado potencial é enorme.”

Uma quinta vantagem das assinaturas é que a empresa recebe o dinheiro automaticamente. Há menos risco de calote e muito menos burocracia para conferir boletos ou, pior, emitir cobranças. A sexta, decorrente desta, é que o modelo faz com que os clientes “grudem”. Como diz Marcelo D’Arienzo, presidente da loja de vinhos online Wine: “É um casamento; nosso sócio costuma ficar muito tempo na base”. Criadora do primeiro clube de vinhos no Brasil, em 2010, a Wine, inicialmente apenas uma loja de Vitória, no Espírito Santo, gerencia 140.000 assinaturas em quatro modalidades, da Essenciais, para iniciantes, até a Singulares, de vinhos especiais, além de clubes de rosés e de espumantes. Consegue a proeza de manter os clientes num padrão francês de consumo (43 litros por ano, ante a média nacional de só 1,6 litro).

Desde a fundação, segundo D’Arienzo, a loja cresceu dois dígitos todo ano. Manter a clientela (como manter um casamento) exige uma boa medida de compreensão. “Se o cliente não gostar da seleção de vinhos do mês, ele pode pular aquele período.” Exige, também, certo sacrifício: duas pessoas têm a penosa incumbência de viajar o mundo para conhecer vinhos. Junto com três sommeliers da Wine, elas montam as 72 coleções anuais (seis clubes, 12 meses).

A Wine é ainda um bom exemplo do sétimo argumento em prol das assinaturas: os clientes acabam comprando mais. Claro, recebem uma ajuda para isso: têm desconto de 15% nos produtos da loja e frete grátis. “O clube de vinhos sozinho responde por 40% a 45% de nosso faturamento”, diz D’Arienzo. “E mais de 35% das vendas vêm dos vinhos à la carte comprados por assinantes.” Nisso a Wine se parece com a Amazon, a mãe de todos os clubes de assinatura modernos. “Em nosso serviço de Kindle Unlimited, você tem mais de 1 milhão de livros, e 50.000 são em português”, diz Alex Szapiro, presidente da Amazon no Brasil. “Pode ler quantos quiser por 19,90 reais por mês.” Esse pacote básico acaba atraindo mais negócios. “Quase metade dos clientes do Unlimited, num curto período, passa a consumir livros à la carte também.”

Não é o Kindle, porém, que torna a estratégia de assinaturas da Amazon um exemplo acachapante. É o Prime. Inicialmente um plano para isentar os associados do pagamento de frete nas compras online, o clube hoje inclui assinatura grátis de vídeo sob demanda (o Prime Vídeo), livros gratuitos, armazenamento ilimitado para fotos na nuvem, devolução de 5% do valor das compras feitas com um cartão Visa na Amazon e um evento anual de descontos tão grande quanto a Black Friday. São tantas ofertas que seis em cada dez consumidores americanos fazem parte do clube. A mensalidade nos Estados Unidos hoje é de 119 dólares. Multiplicado por 100 milhões… “Mas nunca foi pela mensalidade”, disse Vijay Ravindran, membro do grupo que em 2005 lançou o Prime, à revista BusinessWeek. “Era sobre mudar a mentalidade das pessoas para que elas não fossem comprar em outros lugares.” Esse serviço ainda não existe no Brasil. Szapiro, sem desobedecer à regra dourada da empresa de jamais falar sobre planos, praticamente anuncia sua chegada: “O que eu posso dizer é que o Prime está disponível em 17 países; e a Amazon está em 18 ou 19 países”.

O último argumento da lista de Warrilow é que o modelo de assinatura protege o negócio contra recessões. Basicamente, porque, em vez de depender de grandes contratos, a empresa passa a contar com um fluxo menos intenso, porém contínuo, de capital. Esse ponto não é tão fácil de acreditar. Mas há um motivo aparentado, que valeu para a Singer, vale para a Solinftec e vale para a Totvs: uma receita diluída ao longo do tempo atrai novos tipos de consumidor. No caso da Totvs, em 2015 praticamente todas as grandes empresas já tinham implantado sistemas de gestão. O mercado caminhava para as médias e pequenas. Para essas, no entanto, o custo era quase proibitivo. O SaaS resolveu o problema. Claro, ele envolve um risco: se o cliente não ficar em sua base um bom tempo, a empresa perderá dinheiro. A Totvs lida bem com essa questão. “Nosso nível de retenção de clientes é de 98,2%”, diz Tubino.

Com tantas vantagens, não é de espantar que o modelo avance tão rapidamente: ou bem as empresas enxergam a oportunidade ou são arrastadas para ela porque algum concorrente a adotou. Além disso, o fenômeno das assinaturas casa bem com uma suposta tendência das gerações mais jovens de dar preferência ao acesso, em vez da posse. Seja porque a multiplicação de objetos implica custos de manutenção e organização, seja apenas porque usufruir sem possuir sai mais barato (ou é a única opção), o avanço é sensível. Uma pesquisa com 13 000 adultos no mundo, feita pela Zuora, apontou que 71% das pessoas têm serviços de assinatura. A taxa era de 53% há cinco anos. “E 74% deles acham que no futuro as pessoas vão assinar mais serviços e ter menos bens”, disse Weisert, da Zuora, a EXAME.

Exemplos já existem, de todos os tipos: desde a empresa de combate a mosquitos Mosquito Squad, na Virgínia, que mantém sua casa livre de insetos mediante um pagamento mensal, até o programa Hassle Free Home Services, que designa um técnico para inspecionar mensalmente 100 itens em sua casa; das empresas que monitoram o site de sua companhia às que vigiam se há alguém falando mal dela por aí nas redes sociais; da Nespresso, que já tem assinatura para suas cápsulas de café, à Apple, que aposta na receita de serviços para equilibrar o estancamento na venda de aparelhos.

E há os carros. Na linha do acesso, a Uber já testa um sistema de assinatura em diversas cidades (os sócios têm descontos em viagens). No lado da posse, marcas de luxo, como BMW, Cadillac, Porsche, Jaguar e Mercedes-Benz, já têm programas de assinatura, pelo menos em testes controlados. Na cidade de Nashville, você pode ter um X5 ou um modelo Série 4 da BMW pagando 1.399 dólares por mês. E um 330i ou um i3 por 1 099 dólares. Em Atlanta, é possível ter um Cayman ou uma Cayenne, da Porsche, por 2.000 dólares mensais. Se sua preferência for, digamos, mais modesta, há serviços como o Canvas, em Los Angeles, que oferece carros usados com uma assinatura que pode sair por 50 dólares mensais. É diferente de leasing: os planos incluem seguro, manutenção e até troca de modelo algumas vezes por ano no decorrer do contrato.

No Brasil, empresas de aluguel de carros já procuram aproveitar essa onda, oferecendo planos de até dois anos de aluguel, os quais estão chamando de assinatura (embora não permitam a troca de carro). Até a aviação já ensaia modelos de assinatura. A companhia americana Surf Air oferece voos ilimitados por 2.000 dólares mensais. Por enquanto, opera apenas na Costa Oeste dos Estados Unidos e na Europa.

Se parece irresistível, a voga das assinaturas está longe de trazer apenas vantagens. “A gente sempre se preocupa em olhar se o produto tem realmente um consumo recorrente”, diz Rodrigo Dantas, presidente da startup Vindi, plataforma de pagamentos ao estilo da Zuora. “E alertamos para ninguém achar que o negócio de assinaturas é mais fácil.” De fato, a mudança implica uma transformação na maneira de enxergar o negócio. Até a contabilidade muda (veja quadro na pág. 23). O time de marketing pode ficar desesperado, pela ausência de um “grande lançamento” anual. O time de vendas tem de se adaptar a um acompanhamento pós-venda.

Mas o maior desafio, disparado, é o que Tzuo, em seu livro, chama de “engolir o peixe”. Durante a adoção do modelo de assinatura, as linhas de receitas e despesas fazem curvas como se desenhassem um peixe — as despesas subindo, as receitas caindo, porque o dinheiro que entrava de uma vez agora passa a vir diferido pelo tempo da assinatura. Esse processo come dinheiro. Muito dinheiro. E muita empresa volta atrás. Ou morre.

Uma dificuldade derivada da barriga do peixe é que, se o ciclo do cliente na empresa não for longo, ele pode nunca chegar a pagar o investimento. “A gente precisa ter perto de um ano de retenção do cliente para começar a ver algum tipo de lucro”, diz Tubino, da Totvs. “Se for comparar com o modelo de licenciamento, o número teria de ser estendido para dois ou três anos, talvez mais. Mas não é uma comparação justa, porque o mercado mudou.” Uma vez conseguindo “engolir o peixe” e controlar a taxa de perda de clientes, vêm as dificuldades de longo prazo. Inovação passa a ser uma obrigação perene.

“Parte do acordo tácito entre a organização e o associado é que a empresa vai modificar as características do pacote para manter o valor para o cliente”, diz a consultora Robbie Baxter, autora do livro The Membership Economy (“A economia da associação”, numa tradução livre). “Senão, quando algum evento requerer a atenção do cliente [como o fim da validade do cartão ou um produto alternativo], ele vai repentinamente reconhecer o abismo entre preço e valor, sentir-se enganado, cancelar o serviço e, às vezes, sair falando mal da empresa.”


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Helio Gama Neto