TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO E A NOVA EXTREMA-DIREITA

TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO E A NOVA EXTREMA-DIREITA

3 de dezembro de 2019
Última atualização: 3 de dezembro de 2019
Helio Gama Neto

ÉPOCA – 02/12/2019

MICHEL GHERMAN

Na semana passada foi publicada uma matéria de autoria da jornalista Patricia Campos Mello no jornal Folha de S.Paulo acerca do crescimento do antissemitismo no Brasil.

Na verdade, como bem indica a jornalista, a pesquisa avalia o crescimento do antissemitismo em 18 países no mundo inteiro.

A situação no Brasil parece, segundo a pesquisa, ter se agravado no último ano. Se em 2014 apenas 15% dos brasileiros tinham uma percepção negativa sobre os judeus, em 2019 esse número cresce bastante.

Hoje, cerca de 25% acionam preconceitos negativos quando questionados sobre o que pensam dos judeus. Chega a impressionar o salto. Um quarto dos entrevistados pode ser identificado com perspectivas antissemitas

O Brasil era reconhecido como um exemplo mundial de baixos níveis de antissemitismo. De fato, há uma tradição de pesquisa sociológica que aponta, até a primeira década dos anos 2000, a identidade judaica como sendo um elemento facilitador de sociabilidade.

Ser judeu, ao menos em setores amplos da sociedade brasileira, ajudava mais do que atrapalhava. Os estigmas, quando existiam, eram mais positivos do que negativos, estavam vinculados ao sucesso profissional, valores familiares, integração ao pais e valorização dos estudo e da tradição intelectual.

Assim, como mostram os trabalhos de Monica Grin, Bernardo Sorj e Bila Sorj, para citar alguns, o antissemitismo, quando havia, estava restrito a periferias sociais brasileiras, sejam os ultraconservadores religiosos ou a setores hiperideologizados ativos em uma esquerda periférica tão antissionista que flertava de maneira clara com perspectivas conspiracionistas e de antissemitismo.

A pesquisa mostra que o quadro não é mais esse. O salto no sentimento antissemita aponta que os estigmas não estão mais concentrados em setores excêntricos dos brasileiros. Ele está se deslocando para o centro social.

A pesquisa mostra mais, mostra o crescimento continuo na ignorância com relação a temas como Holocausto (22% não sabiam do que se tratava) e aponta um certo “desconforto” em relação a uma “fala excessiva” dos judeus sobre o tema do genocídio ocorrido na Segunda Guerra Mundial (63%).

Além disso, a pesquisa mostra que uma enorme percentagem (70%) crê que os judeus são mais fiéis a Israel do que ao Brasil.

Em paralelo a isso, em uma aparente contradição, há dois dados importantes. Em conjunto com os estereótipos negativos aos judeus, há o crescimento de um “sentimento geral e positivo” em relação ao judaísmo e aos próprios judeus (73%), além disso, há o aumento da simpatia em relação ao Estado de Israel (57%).

Para entender essa suposta contradição na pesquisa, é importante olhar outros dados trazidos por ela. Por exemplo, é interessante notar que dois dos três países com maior grau de antissemitismo na Europa são hoje dirigidos por partidos de extrema-direita (Polônia, Hungria), sendo estes aliados de Israel nos cenários de política internacional.

Nesse contexto, pode-se notar que há um descolamento profundo entre apoio a Israel e simpatia aos judeus. Em outras palavras, a pesquisa mostra que o apoio a Israel não garante aproximação com termas caros aos judeus, como combate ao antissemitismo e a memória do Holocausto.

Sobre o Holocausto, aliás, os dados no Brasil parecem caminhar em direção aos da Polônia e da Hungria. Aos menos é a percepção que temos a respeito desses dois países.

Polônia e Hungria têm tido uma relação, por assim dizer, complexa com a memória do Holocausto.

Na Hungria, o governo Orbán apoiou a construção de um museu do Holocausto considerado negacionista pela comunidade judaica local. Na Polônia, o governo chegou a promulgar uma lei que punia historiadores que “acusassem” poloneses de terem colaborado com os nazistas durante a II Guerra Mundial.

No Brasil, não custa lembrar, o atual presidente também andou tendo opiniões “polêmicas” sobre Holocausto e o nazismo.

Sobre o primeiro, ele disse que era “necessário perdoar e não esquecer”; sobre o nazismo, há uma certa “opinião oficial” do governo, de que se trata de um movimento de esquerda, contrariando inclusive estudos de historiadores do Museu do Holocausto de Israel.

Enfim, a pesquisa da ADL aponta para uma relação inversamente proporcional entre percepção dos judeus, apoio a Israel e ao judaísmo.

Brasil, Polônia e Hungria são aliados políticos e contam com governos de semelhante linha ideológica. E os três baseiam muitas de suas estratégicas comunicativas em perspectivas conspirativas.

Na Polônia, como já dito, os historiadores são vítimas de denúncias de conspiração, na Hungria, terra natal de George Soros, há uma sensação de que o bilionário liberal (sobrevivente do Holocausto) é responsável por todos os males do país, da Europa e do mundo inteiro.

No Brasil, bom, no Brasil depende da semana. Já tivemos desde ONGS queimando a Amazônia até marxismo cultural nas escolas.

O fato é que, historicamente, há um vínculo poderoso entre teses conspirativas e conspiracionistas e antissemitismo. Os judeus são vistos como responsáveis históricos por conspirações e, ao que tudo indica, estamos vendo esses efeitos nos três países com representantes da nova extrema-direita no poder.

Mas e Israel? Como explicar que justamente países com governos aliados do atual governo de Israel tenham um aumento significativo nos caso de antissemitismo? Ora, ao que tudo indica, judeus e Israel imaginários são bem-vindos nesses governos.

A lógica do Reino de David, de uma suposta civilização judaico cristã, é sacralizada e serve como um fortalecimento ideológico desses regimes.

O problema são os judeus reais. Aqueles que falam sobre Holocausto, direitos humanos e que os são produtos mais bem acabados da expansão dos direitos na modernidade, esses, esses são malvistos.


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Helio Gama Neto