Steve Blank: se é o fim do Vale do Silício, só o tempo irá dizer. Mas teremos mudanças

Steve Blank: se é o fim do Vale do Silício, só o tempo irá dizer. Mas teremos mudanças

8 de outubro de 2020
Última atualização: 8 de outubro de 2020
Helio Gama Neto

ÉPOCA NEGÓCIOS – 08/10/2020

Precursor do termo lean startup avalia as mudanças trazidas pela pandemia para o ecossistema de inovação mundial.

Muitas empresas não sobreviveram — e não sobreviverão — à crise causada pelo novo coronavírus. Para que a sua empresa não entre na lista de negócios que fecharam as portas, talvez seja necessário experimentar ideias novas. Testar é um dos temas preferidos de Steve Blank. Acadêmico e empreendedor serial, ele é tido como precursor do termo lean startup (foi Eric Ries, seu discípulo, que escreveu o livro A Startup Enxuta, que hoje mora na cabeceira de empreendedores de todo o mundo). Para ele, o modo de pensar das startups é ideal para esse momento. É preciso testar rápido, agir rápido, errar rápido, mudar rápido. E é possível fazer isso mesmo em uma grande empresa.

Durante a pandemia, Steve Blank segue dando aulas remotas para Stanford em sua casa no Vale do Silício. Seus alunos, contudo, espalharam-se pelo mundo. Estão em 24 fusos horários diferentes. A covid-19, diz ele, mostrou ao mundo que as grandes aglomerações físicas talvez não sejam mais necessárias. Também de forma remota, ele participou nesta semana do evento Silicon Valley Web Conference.

A comunicação por Zoom foi capaz de aproximar pessoas que vivem em países diferentes, rompendo fronteiras e evitando longas viagens de avião. Por outro lado, a tecnologia teve o efeito contrário para aqueles que antes dividiam uma mesa de trabalho. Por videoconferência e mensagens de texto, as relações ficam mais frias —  o que não favorece em nada a inovação. Para Steve, só o tempo dirá se o Vale do Silício de fato morre por aqui ou se só vai seguir diferente no futuro.

Em entrevista a Época NEGÓCIOS, Steve Blank fala como superar os obstáculos criados pela pandemia. Confira:

O que o modelo de startup enxuta pode ensinar às empresas nesse período de crise?
O lean startup é simplesmente uma forma de pensar os negócios e agir rapidamente. É sair do escritório e testar. Com as pessoas em isolamento social, é fácil pensar isso não é possível, mas existem formas de fazer encontros virtuais. É fácil conversar com as pessoas. E isso te permite fazer duas coisas importantes durante a pandemia: mudar rapidamente o seu negócio e se adaptar ao novo normal. Também te permite criar outros modelos de negócios, pensando no novo comportamento do consumidor. Em turismo e hospitalidade, tudo mudou dramaticamente. Há oportunidades a serem aproveitadas.

E como as empresas podem identificá-las?
Elas podem criar equipes de inovadores e empreendedores. Qualquer empresa com mais de 100 pessoas tem um grupo de profissionais “loucos” que recebe pouca atenção. Sempre há esses funcionários no porão, e agora é a hora de sentar-se com eles e ouvi-los. Pode ser a hora de colocá-los como responsáveis por descobrir novas oportunidades de negócios. Criar um mínimo produto viável (MVP) não vai custar milhões de dólares. De forma muito barata, é possível experimentar como novos produtos e serviços poderiam ser vendidos.

Como identificar esses intraempreendedores na empresa?
A maioria dessas pessoas está com a mão levantada. Você pode simplesmente pedir voluntários e perguntar se há alguém que conheça a metodologia ágil. A inovação está em qualquer lugar. Não apenas no Vale do Silício ou na China, mas também no Brasil. Se você frequentou uma escola de negócios há mais de 10 anos, qualquer coisa além de contabilidade está obsoleta. Não porque a escola era ruim, mas porque o mundo mudou muito, mesmo antes da pandemia. A internet nos dá muitas possibilidades. É possível experimentar, criar sites, testar, alcançar as pessoas. Pode-se criar uma marca da noite para o dia.

A pandemia nos mostrou que é possível fazer muito remotamente. Como isso muda o cenário de inovação em que vivíamos, onde algumas cidades concentravam capital e profissionais qualificados?
Todos clusters, como o Vale do Silício, Nova York, Pequim e Israel, fecharam. Havia nesses locais uma concentração física não só de empreendedores, mas também de capital, além da presença de grandes universidades, como Stanford e Berkeley. Nós acreditávamos que era preciso ter esses espaços físicos. Mas, na pandemia, a maior parte dos funcionários das empresas de tecnologia do Vale do Silício passou a trabalhar de casa. E, nesse caso, casa pode ser qualquer lugar no mundo. Eu estou dando aula em Stanford, mas meus alunos estão em 24 fusos horários diferentes. A noção de espaço físico mudou para sempre. Não sei se esses centros serão tão densos como antes. Será um bom experimento observar se nascerão mais Vales do Silício, quando os profissionais perceberem que podem trabalhar de onde quiserem e os investidores que não precisam ter todos no mesmo escritório para ouvir um pitch. Pode haver uma explosão de inovação e empreendedorismo no mundo. Ou pode ser uma má ideia. Se é o fim do Vale do Silício, só o tempo irá dizer. Mas teremos mudanças.

Quais são as dificuldades de gerenciar uma equipe remotamente?
Quando falamos por videoconferência, perdemos muitas informações. Não sei se você está em um prédio chique de escritórios no 45º andar ou em um pequeno edifício mal localizado. Se houver muitas pessoas na reunião, não vou saber se elas estão se entreolhando, reagindo ao que estou falando. O contexto se perde. Descobrimos que o Zoom é tão cansativo, porque tentamos preencher todas essas lacunas. E é difícil estabelecer empatia, uma conexão emocional. Isso torna as interações não planejadas muito mais difíceis. Ter uma massa crítica de talentos fisicamente juntos é uma força multiplicadora de inovação — pelo menos essa é teoria. Estamos rodando um grande experimento científico sobre isso agora.

Como podemos maximizar as chances de inovação?
A primeira coisa é comunicar – e muito. A liderança precisa fazer uma reunião semanal sobre a situação da companhia em meio à pandemia.  Manteremos os escritórios? Estamos trabalhando bem ou não? Isso requer empatia. É preciso entender que a maioria dos profissionais não montou suas casas pensando em trabalhar de lá todos os dias. Tenho amigos que fazem reuniões pelo Zoom em seus guarda-roupas, de tanta coisa que está acontecendo na casa. A liderança da empresa precisa ser capaz de comunicar que entende e aprecia que as pessoas estejam trabalhando em circunstâncias tão extraordinárias. Além disso, há a comunicação entre as equipes, que antes se sentavam lado a lado e não precisavam marcar reuniões para discutir algum tópico. A empresa precisa de plataformas que permitam essa comunicação constante entre seus funcionários. Mas essa comunicação precisa ir além do trabalho e se tornar uma comunicação social. É assim que as pessoas se conectam. Por fim, é preciso criar serviços de saúde mental, para que os funcionários que se sentem estressados tenham apoio. Minha hipótese é que as empresas que fizerem bem isso vão conseguir manter boa parte de sua força de trabalho remota depois da pandemia.


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Helio Gama Neto