MEIO&MENSAGEM – 25/06/2019
Mauro Silva
O que uma doação bilionária para um fundo de caridade pode ensinar para quem trabalha com comunicação criativa?
Recentemente, um fato curioso chamou a atenção. Um bilionário inglês doou metade da sua fortuna para uma entidade que atua em assuntos de interesse de pessoas do futuro distante. Ele direcionou uma quantidade enorme de recursos para projetos que beneficiarão pessoas que ainda vão nascer daqui a centenas de anos. E colocou no foco central da sua doação o desafio de criar pensamento que defenda os interesses dessas gerações futuras. Ele preocupa-se que, hoje, essas pessoas não estão bem representadas no palco das grandes decisões. Afinal, por não terem nascido, elas não votam e não fazem lobby.
O bilionário se chama Ben Delo e é fundador de uma criptocurrency chamada BitMEX. Ele foi inspirado por uma fundação chamada Effective Altruism, liderada por um cara chamado Will MacAskill, que encabeça o movimento que busca pensar em formas de a humanidade fazer o maior bem possível com os recursos que tem. O dinheiro de Ben será distribuído para diferentes iniciativas que avaliam e buscam soluções para problemas que nem são considerados problemas ainda. E, com esse investimento, pretende construir conhecimento capaz de influenciar decisões tomadas hoje e que terão impacto no futuro distante. Um dos temas é a adoção massiva da inteligência artificial e soma-se a outros como alterações climáticas, pandemias e crise nuclear. Os bilhões que Ben oferece para estudos e iniciativas altruístas fortalecem a visão de que as evoluções que estão acontecendo precisam andar em consonância com a busca por compreender e mitigar os impactos que somente serão sentidos no longo prazo.
O ponto de vista de atuar em problemas que ainda nem existem é interessante. E visionário. Muito tem se falado que a tecnologia está avançando em uma velocidade maior do que a capacidade da humanidade aprender a lidar com ela de forma razoável. Alguns já começam a culpar a internet pela polarização de opiniões que eleva a ignorância em vez de ampliar a qualidade da discussão. A humanidade talvez não esteja sabendo lidar com a tecnologia que ofereceu hiperconexão, assim como poderá ter dificuldades de lidar com outros avanços de outras tecnologias e seus eventuais efeitos colaterais.
O caso narrado aqui provoca para pensar o futuro distante. Pensar de forma extrema e até exagerada sobre as transformações que irão ocorrer no mundo. E sobre como vão afetar as nossas vidas. E também o mercado publicitário.
Os desafios da indústria da comunicação não são pequenos. As mudanças são muito grandes e rápidas. A necessidade dos clientes é tão diversa e específica que novos modelos são necessários para dar conta dos desafios. E a indústria se transforma em múltiplos novos modelos. Há uma grande influência de metodologias ágeis, mais valor em menos tempo. A criatividade não está mais restrita ao criativo de agência. E nem restrita à agência. Criação passa a ser solucionar problemas. A diversidade de novos agentes criativos é grande, maravilhosa e crescente. Há absoluta influência dos dados. Há expectativa por profissionais generalistas que também têm capacidades de especialistas. Há novos jeitos de contratar talentos e novos negócios nascendo disso. Há agências se unindo com consultorias. E há competição entre todas. Clientes contratando criativos tradicionais de agência. Plataformas horizontais, verticais e uma infinidade de tipos geniais de geradores de conteúdo. A inteligência artificial (e o vislumbre da computação quântica) entrando em campos que antes pareciam exclusividade da inteligência humana. Assim como esses fatos que já acontecem hoje, certamente terei esquecido outros importantes que já estão transformando o mercado.
Ninguém sabe o que será do amanhã. Mas dá para adivinhar que criatividade será importante. É através dela que problemas são resolvidos, inclusive os que ainda não existem. Ela tem o poder de quebrar padrões e transformar. E nós, que trabalhamos com comunicação criativa, temos um poder extraordinário que outras indústrias importantes não têm, que é o de catalisar transformações nas pessoas que transformam o amanhã e talvez o futuro distante.
Sócio e vice-presidente de criação e planejamento da LiveAD