Panini disputa o mercado de licenciamento
VALOR – 06/08/2020
João Luiz Rosa
Atrair grandes marcas sempre foi tarefa vital na Panini, a editora italiana de quadrinhos e álbuns de figurinha. A companhia nasceu como um braço da americana Marvel – dona de heróis como Thor e Homem de Ferro – e desde que se tornou independente, em 1999, acrescentou outras marcas ao portfólio. No Brasil, além da Marvel, detém os direitos de publicação da Turma da Mônica, de parte da coleção da Disney, de mangás japoneses e até da DC – proprietária de Superman e Batman e arquirrival da ex-controladora. Agora, a Panini prepara seu ingresso no mercado brasileiro de licenciamento, onde vai experimentar o outro lado do balcão. Em vez de usar personagens de terceiros em suas publicações, pretende oferecer sua própria marca a fabricantes de produtos como tênis, roupas e brinquedos.
A estratégia será conduzida pela agência Vertical Licensing, de São Paulo, que atende desde marcas da era digital como PlayStation e os jogos “God of War” até o octogenário marinheiro Popeye. “Na Europa, onde já licenciamos produtos, essa linha de negócio vem crescendo bastante em mercados como Itália, Inglaterra e Espanha”, diz José Martins, diretor-presidente da Panini no Brasil. “A expectativa é repetir o sucesso no país.”
Esportes são um campo de atuação natural para a empresa, responsável pelos álbuns de figurinhas dos principais campeonatos de futebol do mundo, incluindo a Copa do Mundo da Fifa. A companhia também tem acordos com a NBA, a liga profissional de basquete dos Estados Unidos, e a NFL, de futebol americano, para fazer “cards”. “Nos EUA, lançamos quase 100 coleções de ‘cards’ por ano”, diz Martins.
A companhia quer explorar a familiaridade da marca entre os colecionadores para vender produtos que levam sua logomarca ou fazem referência a suas coleções. No exterior, os exemplos incluem uma linha de tênis da Adidas com imagens de figurinhas e outra da Puma com a frase “Got, got, need” – ou “tenho, tenho, falta”, como costumam repetir os colecionadores na hora de trocar figurinhas. A previsão é que os primeiros produtos sejam lançados no Brasil em 2021, quando a companhia completará 60 anos. Ainda não há estimativa de faturamento, diz Martins.
O mercado brasileiro de licenciamento é o sexto maior do mundo, atrás de Estados Unidos, Japão, Inglaterra, México e Canadá. No ano passado, movimentou R$ 20 bilhões em pagamentos de direitos de uso, com crescimento de 6% em relação a 2019, segundo dados da Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e Personagens (Abral). A entrada da Panini no mercado de licenciamento é mais um movimento da empresa em meio às mudanças pelas quais o setor tem passado nos últimos anos. De um produto barato, disponível em banca de jornal e publicado sob intervalos curtos, os quadrinhos se converteram em livros com capa dura, vendidos em livrarias e com preço bem mais alto. São essas publicações, batizadas de “graphic novels”, que têm liderado o crescimento do setor.
Nos EUA e no Canadá – onde o mercado de quadrinhos movimentou US$ 1,21 bilhão em 2019, com crescimento de 11% frente ao ano anterior, as “graphic novels” já respondem 63% do total, ou US$ 765 milhões. As vendas de revistinhas comuns ou gibis somaram US$ 355 milhões e as versões puramente digitais, US$ 90 milhões, segundo levantamento dos sites ICv2 e Comichron. “O mercado evoluiu”, diz Martins. Quando a Panini começou a procurar livrarias para vender “graphic novels” no Brasil, os profissionais dessas empresas queriam que as publicações fossem exibidas exclusivamente nas seções de revistas, diz Martins. Só mais tarde passaram a encará-las como livros ilustrados.
As “graphic novels” trouxeram variedade ao mercado ao permitir a entrada de editoras especializadas menores, não necessariamente ligadas ao universo dos super-heróis ou personagens infantis de massa. É o caso de empresas como Figura, Veneta e Pipoca & Nanquim. Grandes editoras de livros também têm investido no segmento: a Globo Livros vende quadrinhos sob o selo Globinho, de obras infantis, e a Companhia das Letras criou a Quadrinhos na Cia. As editoras Intrínseca e Darkside Books também atuam na área.
Em 2017, a Panini encerrou o acordo de distribuição que manteve durante anos com a Total Express (ex-Dinap). A empresa montou uma rede própria de parceiros e passou a distribuir seus produtos em pontos como livrarias, papelarias, lojas de departamentos e de brinquedos. Nos últimos meses, a pandemia acelerou as vendas on-line. Com as lojas físicas fechadas, o comércio eletrônico cresceu 70% entre janeiro e junho, com vendas por sites como Amazon e Magazine Luiza, diz Martins. A demanda aumentou tanto em quadrinhos como nas coleções de figurinhas.
Diariamente, a Panini empacota 9 milhões de envelopes de figurinhas em sua fábrica em Barueri, na Grande São Paulo. Por ano, são lançadas de 30 a 40 coleções. Na Copa do Mundo de 2018, a produção ultrapassou 650 milhões de envelopes. Os álbuns, que antes levavam meses para ser concluídos, agora podem ser preenchidos mais depressa porque os colecionadores conseguem encomendar, on-line, as imagens que faltam. É a internet substituindo o velho jogo de bafo, pelo qual se conquistava, com uma batida de mão, as figurinhas do oponente.