Oportunidades e esperanças para o jornalismo em meio às más notícias da Covid-19

Oportunidades e esperanças para o jornalismo em meio às más notícias da Covid-19

7 de maio de 2020
Última atualização: 7 de maio de 2020
Helio Gama Neto

ORBIS MEDIA REVIEW – 06/05/2020

DIEGO IRAHETA

A transformação que o mundo atravessa, diante da pandemia do novo coronavírus, está abalando diversas indústrias — inclusive a jornalística. Sem previsão para o fim da crise sanitária e econômica, anunciantes seguram o bolso. Em consequência, cai a verba publicitária que sustenta os veículos de comunicação, sobretudo aqueles que não têm assinatura como uma de suas fontes de receita.

Aqui no Brasil, empresas de mídia começaram a cortar o salário de jornalistas, seguindo a MP 936, que permite a redução de remuneração (em 25%, 50% ou 70%) proporcional à jornada de trabalho. As inevitáveis demissões já se confirmam em grupos como Abril e RBS. Os jornalistas se deparam com um cenário de instabilidade financeira, que parece aprofundar a crise na profissão em suas diversas frentes — de credibilidade, de influência e, claro, de mercado.

A mídia perdeu o monopólio da comunicação, e audiências pulverizadas foram se conectando cada vez mais a perfis pessoais e ideológicos em detrimento de publishers.

Desde a década passada, o jornalismo tem visto sua reputação colocada em xeque ao ser atacado duramente por governantes. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, rotulou a imprensa americana de “fake news media” e “inimiga do povo”. Diferentemente de outras épocas, desta vez o desprestígio contou com expressiva adesão popular; cada vez mais, os americanos confiam menos na mídia.

No Brasil, o boicote do presidente Jair Bolsonaro, fã de Trump, à imprensa tem sido semelhante. Perseguição a jornalistas e relatos de desrespeito e humilhação se tornaram comuns na cobertura do Palácio do Planalto, em Brasília. Só nos três primeiros meses de 2020, foi um ataque a cada três dias, aponta levantamento da ONG Repórteres Sem Fronteiras. Por aqui também, reportagens apuradas e que apresentam pluralidade de versões são tachadas de “fake news” por apoiadores do mandatário.

Além disso, a massificação das redes sociais e a popularização de smartphones permitiram a eclosão de inúmeros canais e formadores de opinião na web. Influenciadores, creators, youtubers, blogs e páginas afiliadas a movimentos sociais ou partidos políticos passaram a disputar com veículos a atenção de leitores e espectadores. A mídia perdeu o monopólio da comunicação, e audiências pulverizadas foram se conectando cada vez mais a perfis pessoais e ideológicos em detrimento de publishers. Como resultado, a influência da imprensa diminui, e a desinformação, muitas vezes fomentada pelos players em ascensão, impera.

Apesar de tanta má notícia para o jornalismo, a pandemia acarretou mudanças na rotina produtiva da notícia e no consumo de informação, que podem ser tanto oportunidades quanto esperanças para nossa profissão.

A constatação de que é possível produzir um bom jornalismo de qualquer lugar, mesmo ao lado de onde você acorda, pode ajudar a salvar o nosso negócio!

Os 5 fatos que listo a seguir podem não ser a solução para o jornalismo, mas seguramente servem de farol para diretores de redação, executivos dos veículos de comunicação e estudiosos que, como eu, buscam o modelo de negócios ideal para produção de conteúdo de qualidade:

1. O zap e o Face estão em baixa na confiança dos brasileiros
A TV e os jornais são os veículos de comunicação em que os brasileiros mais confiam sobre informações do coronavírus. A constatação foi de pesquisa Datafolha publicada em 23 de março. A televisão conta com 61% de confiança; os jornais, 56%; rádio, 50%; e, mais atrás, os sites de notícia, 38%. WhatsApp e Facebook têm apenas 12% de confiança cada um.

Mas o dado que sobressai é o nível de desconfiança nas duas marcas de Mark Zuckerberg em relação aos conteúdos divulgados da Covid-19: 58% não confiam no zap e 50% não confiam no Face. A desconfiança na TV, jornais e rádio não passa dos 12%. Em sites de notícia, 22%. Como jornalista, é um alento saber que a população reconhece no jornalismo profissional a informação mais confiável para basear práticas de prevenção da doença.

2. Audiência do jornalismo cresce na TV e na Internet
A pesquisa Consumo de Informações sobre o Coronavírus no Brasil, do Orbis Media Review, aponta que os sites de notícia e a TV aberta são os principais canais de novidade sobre a Covid-19. Dos 240 entrevistados de 25 de março a 2 de abril, 78% se informam a partir de portais e 54% pela TV.

Em linha com os números do Datafolha e do Orbis Media Review, os resultados positivos de sites de notícia e canais de TV nos últimos meses indicam que os brasileiros estão correndo para o jornalismo profissional para se municiar contra a Covid-19. Maior portal brasileiro, o UOL informou que em março a cobertura da crise do coronavírus levou a “índices sem precedentes de audiência”. Foram quase 1 bilhão de visitas, de acordo com o Google Analytics. Em abril, a Folha atingiu recorde de páginas vistas, embalada também pela crise política.

Na TV aberta, programação especial de coronavírus elevou a audiência da Rede Globo. Na TV paga, o segmento de notícias foi o que mais cresceu durante a quarentena. Apenas de 9 a 22 de março, o aumento no número de aparelhos ligados nos canais all-news foi de 111%.

3. Jornalismo científico e de saúde ganha relevância
Não é surpresa que mais reportagens de saúde e de ciência estejam nas manchetes dos jornais e sites de notícia. Afinal, a curiosidade sobre a doença, as descobertas mais recentes sobre o vírus, as dúvidas sobre os tratamentos potenciais, a expectativa pela vacina, tudo isso está na pauta do dia. O jornalismo cola na ciência, e ambos reafirmam mutuamente sua importância — um dueto mais do que necessário em tempos de negacionismo.

No HuffPost, onde trabalho, temos uma repórter totalmente dedicada à saúde e à ciência. Ela tem conseguido antecipar estudos, como o que relaciona desigualdade social a acesso a testes de Covid-19 no Brasil, e deu furos como o da limitação de confiabilidade dos testes rápidos, que depois virou notícia no Globo.

Segundo a pesquisa do Orbis Media Review, há uma demanda substancial por pesquisas sobre a cura ou vacina do coronavírus (50% dos entrevistados). Como não há horizonte para o fim da crise de saúde e da busca por esse tipo de informação, o jornalismo científico se apresenta como um dos caminhos mais promissores para a imprensa.

4. A “redação distribuída” veio para ficar
Diversas redações de jornais e sites de notícia estão operando integralmente via home office. Se num primeiro momento emergiram as dificuldades de trabalhar de casa e focar individualmente em tarefas que antes se faziam coletivamente, em voz alta e com muito barulho, os jornalistas vão se adaptando ao novo ambiente de trabalho, onde mais uma vez as tecnologias digitais ganham protagonismo inequívoco.

“As infraestruturas digitais implantadas agora devem ser mantidas e desenvolvidas para funcionar paralelamente aos espaços físicos. Ao fazer isso, nós podemos capitalizar em todas as coisas que mantêm o trabalho distribuído tão efetivo.”

Tom Treweinnard
Em entrevista ao Jornalistas&Cia, o editor de Esportes do Estadão, Robson Morelli, conta que todos os profissionais estão trabalhando remotamente. “Nós agora estamos nos contatando via ferramentas de meeting, videoconferências, e o processo fica mais lento, mas funciona. Alguns especialistas dizem que talvez essa situação possa vir a se tornar um legado, pois as pessoas se deram conta de que é possível trabalhar remotamente sem perder a qualidade do que é feito”, opina.

A observação de Morelli vai ao encontro da tese do cofundador da Fathm, consultoria americana de jornalismo digital, Tom Treweinnard. No artigo A crise do coronavírus vai acabar em algum momento, mas a redação distribuída veio para ficar, publicado pelo NiemanLab, ele lista os benefícios dessa nova dinâmica do jornalismo, que deixou temporariamente os limites espaciais das redações para estar espalhada pelas residências dos jornalistas.

“As infraestruturas digitais implantadas agora devem ser mantidas e desenvolvidas para funcionar paralelamente aos espaços físicos”, escreve Treweinnar. “Ao fazer isso, nós podemos capitalizar em todas as coisas que mantêm o trabalho distribuído tão efetivo.”

O home office seguramente reduz custos de uma redação. Gastos com instalações, manutenção do espaço, seguros, segurança, limpeza: tudo isso pode ser poupado se o local de trabalho dos editores for sua casa. A constatação de que é possível produzir um bom jornalismo de qualquer lugar, mesmo ao lado de onde você acorda, pode ajudar a salvar o nosso negócio!

Treweinnar também relata que este novo cenário tem implicações positivas para acessibilidade e diversidade. Como boa parte dos grandes veículos de comunicação fica em capitais e em bairros centrais, há entraves econômicos, sociais e espaciais para que jornalistas de periferias, oriundos de cidades menores e com deficiência física possam integrar os quadros dessas empresas. A redação distribuída seria mais inclusiva na medida em que o deslocamento para o centro não seria mais pré-requisito para trabalhar no jornal X ou no site Y.

5. Esta é a hora da reconexão com o público
Além do medo do novo coronavírus e dos efeitos econômicos da pandemia, como o desemprego e a pobreza, o próprio isolamento é uma preocupação constante. Como passar o tempo, de que modo enfrentar o tédio, como contornar a ansiedade, a solidão e até a depressão são questões que perpassam pessoas de todas as faixas etárias nesta quarentena.

Esta é uma oportunidade única para o jornalismo fazer-se importante, para além de noticiar sobre o novo coronavírus. Muita gente, aliás, não quer saber de doença. A busca por boas notícias saltou no Google americano, de acordo com o The New York Times. Os Estados Unidos lideram hoje o ranking da Covid-19, com mais de 1,1 milhão de casos confirmados.

A National Geographic criou duas newsletters com fatos positivos para enviar aos leitores durante este período de pandemia. “As pessoas estão buscando uma razão para continuar”, afirmou o editor-executivo de newsletters, David Beard, ao NYT. Uma newsletter é dirigida aos pais e filhos — para “explorações” em família — e a outra, intitulada Your Weekly Escape traz histórias de pessoas e lugares extraordinários, com as belíssimas imagens que são características da publicação. “Eu penso nela [Weekly Escape] como um app de meditação, mas é jornalismo“, resume Beard.

No Brasil, as lives são ferramentas poderosas de informação, comunicação e entretenimento que têm se popularizado ainda mais nesta quarentena. De custo relativamente baixo, se comparado ao aparato de produção de vídeo de TVs e estúdios, a transmissão ao vivo de uma entrevista, um bate-papo sobre um tema de interesse da audiência pode estreitar vínculo com os leitores-seguidores no YouTube, Twitter, Facebook e principalmente Instagram.

No HuffPost, também escolhemos fazer lives de temas que fogem do novo coronavírus. Os seguidores do Instagram são convidados a participar de cineclubes, conversas com estrelas de reality show e debates sobre temas de comportamento da atualidade. As perguntas dos leitores são tão importantes quanto a do jornalista que conduz a entrevista.

Este senso de pertencimento e participação pode contribuir com o resgate da confiança nos veículos de comunicação. Como diz o pesquisador João Arantes, “se a mídia puder dialogar com o público e contribuir com o bom conteúdo que é capaz de produzir, sua função já estará sendo cumprida e o debate público se tornará ainda melhor”.

As opiniões expressas neste artigo não correspondem, necessariamente, ao posicionamento do Orbis Media Review.


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Helio Gama Neto