NO NOTICIÁRIO SOBRE AMAZÔNIA, FALTA EXPLICAR COMO AS PESSOAS PODEM AJUDAR
ÉPOCA – 30/08/2019
PEDRO BURGOS
Tem sido comum ver na cobertura internacional sobre as queimadas um tipo de reportagem rara no Brasil: que responde à pergunta “o que você pode fazer para ajudar?”. Nos Estados Unidos há vários exemplos dessas matérias, seja em redes grandes como CBS , CNN e CNBC até em sites de nicho como Mental Floss e C/Net .
As dicas vão desde como entrar em contato com um membro do Congresso para pressionar no Brasil, passando por quais hábitos de consumo impactam a floresta até listas de ONGs que fazem um trabalho consistente na região. Há bastante informação para o cidadão que se sentiu tocado com a dimensão do problema das queimadas e quer fazer sua parte.
Isso é bastante comum por lá, especialmente — mas não só — em época de desastres. Tanto que a CNN tem uma área chamada “Impact your world” (Impacte seu mundo). Em seu site, a rede americana usa os serviços da Public Good , empresa que promete “tornar o jornalismo mais acionável”.
Na maior parte do tempo, as únicas “ações” que leitores de sites de notícias podem tomar após ler uma reportagem é compartilhar em outras redes ou comentar. A ideia da Public Good é canalizar o interesse/raiva/paixão de leitores sobre determinados temas para além do textão no Facebook. Usando algo como o Public Good, as empresas de mídia ganham mais informações sobre os assuntos que mobilizam seus leitores e ONGs que trabalham em determinadas causas se conectam com gente que quer ajudar.
No Brasil, até o momento que escrevo, a melhor iniciativa que encontrei nessa linha foi a do projeto InfoAmazonia, que listou as principais ONGs que atuam na área , com um breve perfil de cada uma. Foi por lá que encontrei uma organização para doar. Mas é pouco, e não acontece de maneira sistêmica.
É claro que há alguns motivos para vermos mais reportagens com chamados à ação nos EUA do que aqui no Brasil, mesmo quando a causa é local. O primeiro é que há uma longa tradição de filantropia entre os americanos. Pessoas físicas e jurídicas e fundações doam cerca de 2% do PIB dos EUA todo ano — dez vezes mais do que o Departamento de Estado dos EUA doa para outras nações. Não à toa, celebridades como Leonardo DiCaprio, Mark Ruffalo, Madonna e Kris Jenner conclamaram seus fãs a fazerem sua parte, e não é difícil imaginar que o valor arrecadado por eles será superior ao que o G7 prometeu.
Além da predisposição em doar dinheiro, há uma confiança maior nas organizações que recebem a doação. Há um escrutínio maior sobre a atividade das ONGs, com organizações como a Charity Watch e a Charity Navigator, que investigam e atribuem notas para o trabalho de cada uma. Há iniciativas no Brasil, como o Instituto Doar , que buscam fazer o mesmo, mas ainda são tímidas.
Parênteses: é claro que clicar em um botão de doação não resolve o problema de centenas de milhares de hectares de florestas sumindo. Essa cultura filantrópica americana recebe críticas lá mesmo por esconder a complexidade dos problemas.
O outro grande motivo para não termos guias de “como ajudar” em mais veículos de mídia durante a crise na Amazônia é que, reforçando o assunto que tratei em outra coluna , jornalistas muitas vezes não querem ser vistos como ativistas — especialmente quando certas causas são vistas como partidarizadas no Brasil. É um medo até certo ponto justificado, já que ativismo pode ser confundido com partidarismo e falta de transparência. Mas talvez seja a hora de rever essa posição. De acordo com pesquisa recente do Reuters Institute , ligado à Universidade de Oxford, há um crescente contingente de pessoas — um terço do público pesquisado no Reino Unido — que ativamente evita ler notícias. Elas fazem isso pincipalmente por dois motivos: o efeito que o noticiário pode ter no humor e a sensação de que o cidadão comum não tem poder para fazer qualquer coisa sobre os problemas reportados.
A verdade é que parte enorme do noticiário hoje poderia ser classificado como “entretenimento político”. Não digo que não há valor nisso — são assuntos interessantíssimos com personagens complexos (por vezes bizarros), mas que, como no jornalismo esportivo, a única interação permitida ao público é vaiar o volante do outro time e fazer troça do torcedor adversário. Espaço para ação do público, só de quatro em quatro anos.
Se o jornalismo desse mais ferramentas que permitissem ao cidadão agir para ajudar a resolver problemas, talvez ficasse mais próximo de cumprir seu papel na democracia. Parece algo grandioso e abstrato demais, mas pensava sobre isso outro dia, enquanto lia páginas de Facebook com notícias hiperlocais, como o Grajaú Tem , em São Paulo. Alguns dos posts de “notícias” com mais engajamento eram aqueles com fotos de parentes ou bichos de estimação desaparecidos. Porque quando o leitor ali clica em “compartilhar”, ele está ativamente ajudando a resolver o problema, já que aciona a sua rede de amigos para ajudar na busca. Precisamos, como jornalistas, fazer mais disso, em escala maior.