Leis de mídia na Austrália geram preocupação; na Índia, mais ainda
PORTAL DOS JORNALISTAS – 03/03/2021
Luciana Gurgel
Os contratos firmados por Google e Facebook com empresas jornalísticas na Austrália nos dias que antecederam a aprovação da lei disciplinando o pagamento de conteúdo de notícias pelas plataformas no país, na semana passada, seguem envoltos em névoa.
Sabe-se que o grupo Seven West Media vai receber US$ 23 milhões por ano do Google. O acordo com Rupert Murdoch, crítico feroz do impacto das gigantes digitais sobre seus negócios, deve ser bem vantajoso, pois estende-se a títulos como Wall Street Journal, nos Estados Unidos, e The Times, no Reino Unido.
Mas nem tudo é calmaria nesse mar de dólares australianos (e de dólares americanos e de libras esterlinas, já que o Facebook havia lançado seu Facebook News nos Estados Unidos e no Reino Unido). A ameaça aos veículos menores é um efeito colateral que preocupa muita gente, de empresários de mídia a acadêmicos.
Um deles é Aron Pilhofer, da Universidade Temple, nos Estados Unidos. Britânico que dirigiu áreas de mídia digital no New York Times e no The Guardian, Pilhofer é um nome respeitado no círculo de jornalistas e acadêmicos que debatem o futuro da mídia.
Em entrevista ao Financial Times, ele disse temer que os grandes players acabassem ficando com toda a bolada, que não é pouco dinheiro. E acha que isso representaria uma extração de ativos por políticos donos de empresas de mídia e por grandes organizações jornalísticas.
A pesquisadora Amy Bins, professora de Jornalismo da Universidade Central Lancashire, concorda que, embora a iniciativa australiana tenha a intenção de mitigar o impacto das gigantes digitais sobre a indústria, o acordo está distorcido em favor de grandes organizações de mídia.
Em um artigo no The Conversation, ela defende a necessidade de dirigir recursos para mídias independentes. A pesquisadora acha que as mídias comunitárias, que fornecem a maioria das notícias de interesse público, provavelmente não serão contempladas por esses grandes acordos.
Há várias pedras nesse caminho. O abismo financeiro ainda maior entre empresas maiores e iniciativas independentes torna para essas últimas um desafio intransponível a adoção de tecnologias que permitam navegar no mundo do jornalismo digital.
Pesquisas em vários países confirmam o poder da imprensa local para mobilizar a sociedade e incentivar a participação política. A falta de uma imprensa de qualidade eleva o risco de a desinformação proliferar, sobretudo nas redes sociais.
Amy Bins lembra que jornalismo local e regional também custa dinheiro, e que isso não pode ser esquecido no momento em que novos padrões no relacionamento das empresas digitais com as de mídia são firmados.
Na índia o alvo é o conteúdo
No mesmo dia em que o Parlamento australiano aprovou sua lei, a India também anunciou um pacote de regras envolvendo a mídia. Mas foi um decreto, baixado sem discussão, contendo normas severas de controle de conteúdo na internet.
Na visão do governo, dinheiro não é o problema do setor. A administração de Narendra Modi mirou no controle total de tudo o que circula na rede, envolvendo não apenas as suspeitas de sempre, as redes sociais, mas também aplicativos de mensagem, plataformas de streaming e jornalismo digital.
A legislação despertou preocupação de ativistas e entidades, que apontam intenções claras de censura e não apenas proteção à sociedade contra atividades e conteúdo ilegal.
Para as plataformas tudo muda. Entre outras exigências, ficam obrigadas a ter escritórios e executivos responsáveis residentes no país e a remover conteúdo em prazos exíguos. Até a criptografia de ponta a ponta pode ser quebrada.
Mas a lei tem o potencial de provocar impacto ainda maiores para a sociedade e para o jornalismo indianos. Na apresentação do pacote, o ministro responsável pela aplicação da lei não se avexou em dizer que “a liberdade de imprensa é absoluta, mas com restrições responsáveis e razoáveis”. Depende sob o ponto de vista de quem.