JORNALISTA PODE PUBLICAR CONTEÚDO ROUBADO DO CELULAR DE AUTORIDADE?

JORNALISTA PODE PUBLICAR CONTEÚDO ROUBADO DO CELULAR DE AUTORIDADE?

14 de agosto de 2019
Última atualização: 14 de agosto de 2019
Helio Gama Neto

ÉPOCA – 13/08/2019

THIAGO HERDY

A publicação de reportagens pelo site The Intercept Brasil e por veículos brasileiros sobre as mensagens privadas do procurador Deltan Dallagnol ainda suscita debate sobre o alcance do direito de obter e publicar informações proveniente de fontes confidenciais. Assegurado ao jornalista pelo próprio sistema jurídico (está na Constituição de 1988), é esse direito que garante a liberdade de imprensa e o atendimento ao direito do público de receber informações de seu interesse.

Nas conversas privadas com centenas de interlocutores Dallagnol tratou de assuntos relacionados a seu trabalho — ali estão dados e informações que são, portanto, de interesse público e histórico. Mas elas foram roubadas de seu celular por um hacker de Araraquara que se aproveitou de uma brecha do aplicativo de mensagens Telegram. Preso , ele confessou o crime. Para se saber mais detalhes do roubo, ainda se aguarda a conclusão das investigações.

A ética do jornalismo permite que se publique informações obtidas nessa condição, ainda que sejam de interesse público? Existe algum limite à publicação desse tipo de material? A coluna quis saber o que três jornalistas que são referência na profissão pensam sobre o assunto, e como têm pautado sua conduta profissional.

Marcelo Beraba, fundador da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e ex-diretor de O Estado de S. Paulo:

Se o jornalista não tiver cometido crime para obter as informações — foram enviadas para a redação anonimamente, por exemplo, ou deixadas em algum lugar, como o caso das fitas do BNDES — em minha opinião, checada a integridade das informações e se forem de interesse público, podem ser publicadas. Conforme o interesse, devem. Mas se a empresa ou o jornalista patrocinaram o roubo, considero imoral.

(Nota: em setembro de 1998, jornais publicaram conversas gravadas ilegalmente na sede do BNDES, que tratavam dos bastidores da privatização do Sistema Telebras. Entre os grampeados estava o presidente Fernando Henrique Cardoso)

Elio Gaspari, colunista de O Globo e da Folha de S.Paulo:

Os Pentagon Papers foram roubados por Daniel Ellsberg, que era da equipe que os coletou. Os documentos do FBI foram roubados de uma agência do Bureau. Lidando com um caso de grampo ilegal, sem dar à decisão âmbito de repercussão geral, a Corte Suprema americana decidiu que a divulgação é lisa se: 1) O jornalista não participou do grampo. 2) A essência do grampo envolve questão de interesse público. 3) A divulgação do grampo evita a prática de um crime. Os procuradores da Lava Jato criaram outro patamar para o debate, negando a autenticidade, pela suspeita de edição. Essa chave exigiria uma peritagem.

(Nota: em junho de 1971, o The New York Times publicou investigação ultrassecreta do Departamento de Defesa que mostrava que a Casa Branca vinha mentindo ao povo americano durante anos sobre a Guerra do Vietnã) .

Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP

A ética do jornalismo permite que se publiquem informações obtidas nessa condição, mas há limites.

Um jornalista age corretamente quando publica uma informação de alto interesse público, mesmo nos casos em que pairem suspeitas sobre o modo como essa informação foi obtida pela fonte (que a repassa ao jornalista). Muitas vezes, a informação vem de um funcionário público que não tinha autorização para passá-la a um jornalista e que, portanto, cometeu uma falta funcional. Outras vezes, a informação foi obtida por alguém que furtou um documento que estava em cima da mesa de um ministro, ou que obteve o conteúdo de uma escuta clandestina, ilegal.

Mesmo assim, o dever da imprensa é compartilhar com a sociedade a informação que seja de interesse público. Essa conduta jornalística é perfeitamente abrigada pela ética profissional. E, se avaliarmos a história da imprensa, vamos encontrar inúmeros casos referendando esse entendimento. Os documentos do Pentágono (Pentagon Papers) chegaram à imprensa americana por meio de um vazamento indevido. Na apuração do caso de Watergate, a fonte, como se revelou mais tarde, era um alto funcionário do FBI, que desobedeceu regras de conduta ao falar o que falou para os repórteres. Isso é algo normal na prática jornalística.

Mas, claro que há, também, vários limites. Vou citar dois. O primeiro é que o jornalista não pode se associar à prática de nenhum ilícito. O jornalista pode, sim, receber a informação e checá-la rigorosamente para publicar. Ele não pode se associar a roubos, escutas ilegais, nada disso. Os ilícitos cometidos terão de ser apurados por autoridades policiais e levados à Justiça. Os culpados de crimes devem ser punidos. Mas o jornalista, ao receber uma informação de boa-fé, ao investigar sua veracidade e ao publicá-la apenas cumpre seu dever.

O segundo limite: jornalista não pode devassar aspectos da vida íntima dos envolvidos na reportagem. Deve guardar a intimidade alheia com rigor total e divulgar apenas as informações de interesse público. Nada mais.


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Helio Gama Neto