Inteligência emocional vira habilidade-chave para lideranças
PROPMARK – 05/02/2020
Jéssica Oliveira
Avanços exponenciais na tecnologia, pandemia, incertezas e distância dos times exigem um líder que exercite habilidades comportamentais.
A pandemia acelerou a consciência das pessoas e organizações sobre a importância da inteligência emocional e criou um maior senso de urgência para o seu desenvolvimento. A opinião é de Carlos Aldan, CEO do Grupo Kronberg, consultoria focada em programas customizados para liderança, linha de frente e vendas, tendo como base a ciência da inteligência emocional, ciência da positividade e neurociência do aprendizado.
O executivo explica que com o crescimento exponencial da tecnologia, avanços e inovações, também cresce o desconforto emocional, assumindo proporções como ansiedade e estresse, até burnout, que, segundo ele, já atingia 70% da população no ambiente de trabalho antes da pandemia, além de depressão e suicídio. “As previsões são de que pelo menos 14% da força de trabalho global (World Economic Forum, 2020), algo em torno de 400 milhões de pessoas, terão de mudar de profissão ou adquirir novas habilidades até 2030 por causa da inteligência artificial e automação. Essas transformações, com impacto financeiro e existencial, já geravam medo, ansiedade, preocupação, incerteza, angústia e tristeza antes do novo coronavírus. Estas emoções são os principais determinantes de conflitos interiores, no trabalho, em casa e na sociedade. E a maioria das pessoas não tem ferramentas que as ajudem a lidar com conflitos nesta velocidade. Em decorrência dessa aceleração, a mudança assume características nunca experimentadas, ao mesmo tempo e com tanta intensidade, que se torna pervasiva, permanente e exponencial”, observa.
Segundo ele, a IE possui ferramentas eficazes para aumentar a tolerância às incertezas e mudanças, lidar com conflitos, proteger a saúde mental, adaptar e prosperar em ambientes “implacavelmente incertos, desconhecidos e ambíguos”.
David Braga é CEO da Prime Talent, empresa de busca e seleção de executivos de média e alta gestão. Ele também pontua a singularidade dos tempos atuais e como isso evidencia ainda mais a necessidade de IE. “Estamos numa época em que os níveis de estresse, pressão e competitividade são cada vez maiores e saber lidar com as emoções diante das adversidades, evitando perder o controle, é um diferencial fundamental de pessoas bem-sucedidas. Saber gerir e entender o significado das emoções é muito importante, além de compreender como elas podem afetar o seu desempenho e o de outras pessoas. Carisma, força de vontade, persuasão, facilidade de ouvir, organização, entusiasmo, decisão, paciência e empatia são algumas características que denotam um nível mais elevado de IE”, diz.
HABILIDADE-CHAVE
Para diversos profissionais de gestão, RH e psicologia, ter IE hoje ganhou muito mais peso entre líderes e seus efeitos reverberam na organização. Um dos desafios que comprovam isso é o home office e a liderança a distância. Aldan comenta que mesmo com as vantagens do menor tempo de deslocamento, maior tempo com a família e autonomia para a força de trabalho, há a piora do desengajamento. “Engajar a distância exige competências emocionais e interrelacionais que muitos líderes não possuem”, diz. Empatia, confiança e um foco no autocuidado no bem-estar e apoio emocional para a força de trabalho seriam os marcadores de sucesso de liderança atualmente. “Pesquisas feitas pela Kronberg com 11.600 pessoas, de maio a dezembro de 2020, indicam que as principais emoções experimentadas têm sido ansiedade, incerteza, medo, angústia, tristeza e saudade. Estilo de liderança focado na empatia e apoio emocional serão continuadamente esperados pela maioria dos trabalhadores”, diz. Porém, ele frisa que essas habilidades não são mutuamente excludentes com produtividade e desempenho no trabalho. “Quanto mais cuidamos do lado humano e saudável das organizações, melhores resultados geramos. IE não se correlaciona com leniência, baixa performance e mau comportamento. Habilidades de IE não encobrem erros técnicos.”
AÇÕES QUE REVERBERAM
Isabella Zakzuk, diretora sênior das marcas de beleza da P&G, avalia que as lideranças que souberam aplicar IE na pandemia ganharam destaque e foram fundamentais para atravessar tudo isso. Para ela, o primeiro passo demandado foi a capacidade de, na impossibilidade de aplicar fórmulas do passado, se colocar na posição de aprender a como gerenciar um futuro menos previsível. “Até as lideranças mais experientes e com maior repertório se colocaram em um momento de aprender, e não sozinhos, mas junto com seus times, colegas e parceiros. As habilidades de aprender, gerenciar a própria vulnerabilidade, ser flexível e aplicar uma gestão mais humana fizeram a diferença na liderança dessa crise”, diz.
Como exemplo ela cita o histórico na P&G, de rápido reconhecimento da crise junto com a capacidade de internalizar a necessidade de ajustes para competir no novo cenário. “A Juliana Azevedo, presidente da P&G Brasil, foi rápida em nos conectar e fazer um exercício para entender que atividades e projetos nós iríamos parar, quais iríamos continuar fazendo e quais pausar para retomar depois. Isso fez com que o time logo internalizasse que não dava para manter as coisas da mesma forma, que seria necessário gerenciar a quantidade de atividades em andamento, criar novas prioridades, desapegar de muitas coisas que funcionariam em outro contexto, mas não nesse. Além de ajudar os times para fazer essa curva de forma mais rápida para que o negócio reagisse, também ajudou a todos a enxergar e conectar com nosso senso de propósito. Ampliamos doações para ajudar grupos em situação de maior vulnerabilidade; e pausamos determinados projetos, mas ativamos outros de maior importância no contexto”, diz. A Aceleradora P&G Social foi criada para receber projetos de microempreendores com boas ideias, mas não necessariamente recursos para executá-los. Esse projeto deu um grande senso de propósito e se tornou perene na P&G. “Uma ação sem inteligência emocional seria fazer negar a crise e não internalizar que ajustes são necessários. Os impactos seriam alienação dos colaboradores, questionamento sobre propósito e perda de vantagem competitiva. Sem inteligência emocional, poderíamos ter feito as nossas marcas esfriarem na mente e no coração do consumidor, deixado de ativamente buscar um impacto positivo, perdido um espaço importante por não entender a responsabilidade que, como líderes, temos na crise, e perdido a oportunidade de nos tornarmos melhores”, completa.
Na VR Benefícios, João Altman, diretor-executivo de pessoas e cultura, comenta que foram feitas rodas de conversa virtuais com os funcionários, com uma consultoria especializada, sobre temas como saúde emocional e trabalho, ansiedade e saúde emocional e família. Além disso, os consultores de RH acompanharam os líderes para ajudá-los a lidar com as próprias questões emocionais e com as questões trazidas pelos times. Empatia, colaboração, cocriação, incertezas e estafa emocional por confinamento foram pontos mencionados. “Realizamos também um assessment dedicado à liderança, onde a capacidade de tomada de decisão e IE são abordados nesta análise para que planos de ação sejam traçados no desenvolvimento do líder. Um exemplo de ação realizada com IE foi a decisão da empresa em não retornar ao escritório presencialmente. Isso foi baseado em dados, análises do cenário e em pesquisa interna com os colaboradores. A pandemia humanizou pessoas e a empatia foi elevada”, diz.
Diante de tudo isso, Ricardo Martins, CEO e principal estrategista da TRIWI, consultoria em marketing digital, chama a atenção para um novo líder: que sabe engajar, motivar e cobrar da forma correta os projetos sem que esteja fisicamente presente. “Ele precisa entender este novo formato e proporcionar a sua equipe as ferramentas necessárias e a motivação para desenvolverem seus projetos. Precisa entender de comportamento humano e avaliar cada indivíduo de forma única. Reuniões de alinhamento e entendimento com a equipe são necessárias para entender e mitigar problemas comportamentais que possam surgir. A relação entre líderes e equipe precisa ser de colaboração e compromissos dos dois lados.
Tendo a IE como forma de monitorar e compreender sentimentos de si mesmo e do outro, Grazi Piva, diretora de desenvolvimento de RH e pessoas da EDC Group, ressalta o papel do líder de inspirar e influenciar pela empatia.
Segundo ela, lidar com essa nova rotina foi um ponto em destaque para trabalhar a resiliência e a empatia, já que é uma problemática de caráter global, que afeta muito mais do que cada indivíduo vê. “As empresas conseguem avaliar isso por meio do desempenho dos colaboradores. Com um líder exercendo sua capacidade emocional, as empresas podem ter resultados efetivos por meio de funcionários muito mais motivados”, afirma.
COMO SER ESTE LÍDER?
Na avaliação dos profissionais, a IE é uma habilidade que pode e deve ser desenvolvida: é como um músculo que se não treina, atrofia, mas, com treino, cresce e se fortalece. “Muitas vezes a inteligência emocional é vista como um rótulo ou uma característica que você tem ou não tem, mas, na verdade, a IE é, assim como qualquer habilidade, uma prática de todos os dias”, diz Isabella.
A partir dessa visão, há uma série de coisas que podem ser feitas, tanto do lado da empresa quanto do profissional. Priscila Monaco, diretora-executiva de RH da Visa do Brasil, destaca a atenção especial aos sentimentos e buscar por mais autoconhecimento para executar tarefas e contribuir com a saúde mental dos times, transmitindo confiança, autocontrole, equilíbrio e empatia. Há três anos a Visa faz treinamentos de negociação e IE com empresas de consultoria especializadas em desenvolvimento humano. “Também promovemos cursos de mindfulness com técnicas de meditação para atingir atenção plena e foco no presente. Oferecemos workshops em parceria com a Casa do Saber e, na pandemia, reforçamos atividades nesse sentido. Tem feito a diferença e acrescentado esse olhar mais humano às nossas relações diárias.” Do outro lado, ela pontua que há a responsabilidade da pessoa que pretende alcançar a liderança em “ver a IE como uma aliada”.
No mesmo raciocínio, Vanessa Gebrim, psicóloga especialista em psicologia clínica pela PUC de SP, sugere o caminho da terapia para que o líder perceba suas emoções, saiba nomeá-las e entenda seus gatilhos, além de estar preparado para imprevistos. “Isso é visto como o fator mais importante da IE nos tempos atuais. A terapia é um caminho poderoso para ajudar nesse processo. A pessoa vai percebendo que tem mais jogo de cintura, que se tornou mais leve, otimista, que resolver problemas não é mais um fardo e se adaptar às mudanças faz parte da sua evolução”, explica.
André Franco, CEO do Dialog, aplicativo de comunicação interna para o colaborador, acredita que essa jornada vai desde a pessoa ter um psicólogo, para se entender melhor e se conhecer bem para saber onde deve melhorar, a buscar coach de treinamentos de lideranças e cursos online, entre outros conteúdos. Sempre exercitando essa habilidade. “Gestores estão acostumados a um maior controle. Agora no home office é preciso mudar para uma gestão focada para resultados e menos para controle. Isso exige maior trabalho de IE”, afirma.
Poliana Abreu, diretora de marketing, conteúdo e parcerias na HSM e na SingularityU Brazil, também fala do autoconhecimento e defende que o mesmo esforço que os líderes colocam para entregar resultado deveriam colocar para conhecer suas forças, seus desafios internos, sua vulnerabilidade e coragem. “As habilidades comportamentais são tão importantes quanto as técnicas. Quando um líder conhece a si mesmo, ele lidera pela sua essência, pela sua força e não pelo poder. Gosto do conceito de ‘liderança consciente’: líder capaz de reconhecer e gerenciar a reatividade, reconfigurar como lida com o estresse e dúvidas pessoais.”
Pamela Mariano, diretora de branding e marketing da MOB, avalia que na maioria das vezes as pessoas são contratadas por suas habilidades e demitidas por seus comportamentos. “Os profissionais deveriam investir em autoconhecimento e IE da mesma forma que se desenvolvem e aprendem sobre finanças, novas tecnologias e modelos de negócios, por exemplo”, diz. Do lado da empresa, ela elenca ações como instigar no líder a capacidade de adaptação e acompanhar de perto. “Apoio dado é apoio recebido.”
Já Juliana Gonçalves, diretora de recursos humanos da Royal Canin, chama a atenção para IE como algo a ser desenvolvido por todos os profissionais, independentemente da atuação. “Um dos aspectos é o fato de as pessoas terem mais controle do próprio tempo, da própria jornada e de todo processo emocional. Sabemos da necessidade de ter uma motivação diferente trabalhando de casa, sem estar próximo dos colegas, tendo contato do dia a dia. Nesse cenário, a inteligência emocional faz uma diferença bastante grande”, diz.
A empresa tem uma prática chamada “70, 20, 10”: 70 é porcentagem de tempo que o funcionário passa realizando suas atividades, projetos etc., 20% ele está aprendendo e se desenvolvendo com líderes e pares, e 10% com treinamentos. “A combinação de tudo isso ajuda muito no desenvolvimento. Dentro da Mars – grupo do qual a Royal Canin faz parte – temos treinamentos focados para isso, como a Mars University, que está 100% virtual e com muitos cursos que foram incluídos com foco em saúde e bem-estar, mostrando, por exemplo, a importância de engajar o time em tempos de mudança. Nesse ambiente sugerimos aos líderes para trocarem experiências entre si, que líderes e equipes se encontrem (online) para conversarem e manterem a convivência. É uma troca benéfica.”
Braga, da Prime Talent, reflete que, de nada vale cursar a melhor universidade, se o profissional não tem empatia, não se comunica bem, trata seus liderados de forma agressiva ou perde o controle emocional quando contrariado. “Organizações buscam modelos mais humanizados e lideranças capazes de lidar com equipes diversas em pensamentos, idades e personalidades. Investir em autoconhecimento, ter ciência das competências e habilidades que se destacam e do que ainda é preciso melhorar como pessoa e profissional são pontos até mais importantes do que qualquer mestrado que se pense em fazer. Conhecimento técnico é adquirido. Por isso, empresas estão até mesmo dispostas a contratar um colaborador mediano em conhecimento técnico, mas que tenha habilidades e competências como resiliência, gestão do tempo, sensibilidade ao outro, que transite bem em variados níveis hierárquicos.”