Fotos (velhas) de universitários nus inundam WhatsApp para ‘provar’ a 'balbúrdia' apontada por Weintraub
Quatro dias antes, em 30 de abril, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, tinha dado uma polêmica entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo e anunciado cortes de recursos nas universidades. Havia dito que muitas faculdades do país promoviam “balbúrdia”, ao permitir que suas instalações abrigassem eventos políticos, manifestações partidárias e/ou festas inadequadas. Em seguida, o governo Jair Bolsonaro decretou um corte de cerca de 30% no orçamento de todas as universidades federais do país, aumentando o ruído.
“E bastou que isso acontecesse para que víssemos esse movimento atípico na ferramenta: a entrada de um volume enorme de imagens sobre as universidades públicas do Brasil ganhar destaque”, disse Fabrício Benevenuto, professor do Departamento de Ciência da Computação da UFMG e responsável pelo Monitor do WhatsApp. “Eram dezenas e dezenas de fotos de jovens nus ou seminus em eventos antigos, em protestos antigos, misturados com títulos de teses e dissertações, sobretudo da área da sociologia ou da psicologia, que versavam sobre o comportamento homossexual, sendo tirados de contexto e misturados com muitas notícias falsas sobre gastos feitos no ambiente acadêmico. Foi surpreendente ver que, de repente, a universidade pública, que jamais havia sido um tema dentro do Monitor do WhatsApp, virava assunto, mas da forma mais degradante possível.”
Os fact-checkers acompanharam o movimento e também se abismaram. Não se tratava de um debate sobre a produção universitária, mas de um movimento maciço de distribuição, via WhatsApp, de material crítico às universidades brasileiras. A maior parte dele, antiga.
A Agência Lupa publicou, por exemplo, que era de 2017 a notícia de que a polícia encontrou uma plantação de maconha na Universidade de Brasília (UnB). A postagem estava sendo requentada naquela semana. Também descobriu que era de 2017 a foto de um aluno da Universidade Federal de Goiás (UFG) assistindo a uma aula de artes visuais nu, usando apenas um grande chapéu. Na época, o aluno disse ao G1 que seu objetivo era discutir a arte contemporânea e seu ensino. Ele se mostrou incomodado com o fato de ter sido fotografado — e mais ainda com a ideia de ter viralizado.
Na sexta-feira 3 de maio, todas as imagens mais compartilhadas naquele dia no Monitor do WhatsAppTodas mostravam jovens universitários pelados. Todas eram velhas ou estavam fora de contexto. Foto: Reprodução
Na sexta-feira 3 de maio, todas as imagens mais compartilhadas naquele dia no Monitor do WhatsAppTodas mostravam jovens universitários pelados. Todas eram velhas ou estavam fora de contexto. Foto: Reprodução
O site e-Farsas , que também se dedica a verificações, mergulhou de cabeça no conteúdo sobre as universidades públicas e seus alunos nus. Publicou uma reportagem extensa em que esclareceu a origem de dez das imagens que mais se popularizaram no Monitor do WhatsApp. Ao final do texto, cravou uma conclusão: “As colagens de fotos mostrando a ‘balbúrdia’ que teria tomado conta das universidades públicas do país são reais, mas foram tiradas anos atrás, são irrelevantes e insignificantes estatisticamente e não representam a realidade das universidades!”.
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Benevenuto segue a mesma linha de raciocínio. “As pessoas tentaram mostrar uma parte [da universidade] e caracterizar o todo. Quem nunca foi a uma universidade e recebe essa enxurrada de imagens no celular acha que ela é uma baderna. É um discurso manipulado demais. Eu nunca vi uma pessoa nua na universidade. Trabalho nela há anos. Imagino que o mesmo acontece com muitos outros professores.”
Entre os checadores, chamou a atenção o fato de que não houve onda opositora, de defesa da universidade pública. Ao contrário do que aconteceu no período eleitoral, quando imagens de Fidel Castro e Nicolás Maduro disputavam espaço no Monitor do WhatsApp com fotos de Ernesto Geisel e Emílio Garrastazu Médici, desta vez, na onda sobre as universidades públicas, não houve postagens em favor da academia. Foi um monólogo reto e direto para provar a “balbúrdia” apontada por Weintraub — não um diálogo sobre as opções de futuro da educação pública, que, sem dúvida, precisa evoluir.
Qual a capacidade de o conteúdo ali flagrado ter se alastrado por todo o Brasil? E qual a chance de ter criado verdades — velhas e desatualizadas — sobre a universidade pública? E de estar socavando ou destruindo reputações — de professores e alunos? Quem são, por fim, os responsáveis por isso? Seria uma ação coordenada?
Lançado em agosto de 2018, o Monitor do WhatsApp é, nas palavras de Fabrício Benevenuto, “um olhar pela fresta, um buraco da fechadura.” Permite que fact-checkers profissionais acompanhem o que é dito por cerca de 18 mil pessoas que aceitaram participar de 350 grupos públicos de WhatsApp. Trata-se de uma parte ínfima do gigantesco universo do que é dito e compartilhado todos os dias no aplicativo de mensagens criptografadas que mantém no Brasil mais de 120 milhões de usuários ativos. Mas, mesmo assim, é algo que não pode ser ignorado. E volta a preocupar.
* Fundadora da Agência Lupa e diretora adjunta da International Fact-Checking Network (IFCN)