ÉPOCA e TTT fazem parceria para promover discussão dos dilemas éticos na ciência

ÉPOCA e TTT fazem parceria para promover discussão dos dilemas éticos na ciência

30 de maio de 2019
Última atualização: 30 de maio de 2019
Helio Gama Neto

ÉPOCA – 29/05/2019

Daniel Salgado

A partir desta quarta-feira, ÉPOCA inicia uma parceria com o Tech Top Ten , portal desenvolvido pela pesquisadora da ética na ciência e doutora em História e Filosofia da Ciência, Jessica Baron. Mantido desde 2012, o portal publica listas anuais sobre as dez tendências e dilemas que devem ocupar o mundo das ciências pelos próximos 12 meses. Os temas vão de impressoras 3D aos úteros artificiais, do policiamento preventivo à tradução autônoma de línguas. ÉPOCA irá publicá-las com exclusividade em português, trazendo esse debate para seus leitores.

Com mais de 500 mil acessos, o TTT é um dos maiores recursos para entender o que podemos esperar para a inovação tecnológica no futuro próximo e, mais do que isso, quais serão as perguntas que a sociedade precisará responder em conjunto para que esses avanços sejam benéficos para todos. Para Baron, é essencial que possamos acompanhar ativamente essas tendências, tomando postura ativa mediante os dilemas que prometem mudar o mundo nos próximos anos. “Se esperarmos até o momento que as coisas afetem as nossas vidas, pode ser tarde demais”, explica Baron. Confira mais sobre o TTT e Baron na entrevista abaixo:

Quando você decidiu criar o Tech Top Ten?

Comecei a fazer a lista quando consegui meu primeiro emprego trabalhando no centro de ciência e ética de uma universidade, em 2012. Planejamos começar um programa de divulgação científica e percebi que listas de top 10 eram muito populares. Percebi alguma resistência entre os outros acadêmicos, que consideravam o formato um artifício barato. Mas, no fim das contas, convenci os meus colegas de que o mais importante era fazer com que as pessoas clicassem no link, e depois seria nossa responsabilidade entregar informação de qualidade quando entrassem no site.

Como você elabora a lista? Quais os parâmetros para incluir algum item?

Desde a primeira lista, sempre tive palavra final sobre o que entrava nela. Leio diariamente sobre a ética na ciência e tecnologia, então sinto que estou bastante qualificada para montar uma lista que seja significativa. No começo, pedíamos a estudantes e funcionários da universidade para que mandassem suas ideias para a lista. Então escrevíamos a partir das sugestões. Em 2017, lecionei uma disciplina em que os alunos de graduação me ajudavam a pensar nos tópicos da lista.

Os itens seguem uma série de parâmetros: devem ser dilemas reais que estão sendo estudados e desenvolvidos (ou seja, não valem especulações de ficção científica); devem levantar questões importantes e que valham a pena ser discutidas; e precisam ser questões com material escrito sobre, de maneira que eu possa recomendar aos meus leitores que queiram aprender mais sobre esses assuntos.

Alguma das previsões se tornou ainda mais importante do que você imaginava?

É bem recorrente que um item se torne mais importante conforme o tempo passa. Temas das primeiras listas, como policiamento preventivo, coleta de dados e privacidade, por exemplo, se tornaram questões muito relevantes e que vemos diariamente no noticiário. A lista desse ano incluiu biometria de comportamento e o projeto de cidade inteligente em Toronto, feito pela Sidewalk Labs. Ambos já tiveram muita cobertura midiática.

Com a velocidade das mudanças tecnológicas, qual é a importância de as escolher anualmente e não em outros momentos?

Eu com certeza poderia fazer uma lista nova mensalmente com as tecnologias que são lançadas e trazem dilemas éticos interessantes. Mas acho que seria maçante e eu evito fazer com que as pessoas sintam que vivemos num mundo em que precisamos ficar constantemente com medo da inovação.

Ao fazer uma lista por ano, isso rende questões específicas para que as pessoas foquem. Mas é claro que todo ano a lista tem uma ou duas escolhas “estranhas” (como transplante de cabeça e uma máquina de suicídio), que são principalmente para mostrar às pessoas questões que parecem ser de ficção científica mas que estão sendo desenvolvidas por aí.

Você acha que essas questões têm alcance global? Ou pertencem a realidades muito específicas?

Me esforço para escolher temas que sejam relevantes para leitores de todo o mundo. Na nossa época digital e interconectada, todas as ideias ultrapassam fronteiras em algum nível. Mesmo a escolha desse ano de Toronto como cidade inteligente tem implicações globais, já que o projeto testado lá provavelmente será adotado em outras cidades do mundo.

Assuntos como a mudança climática , a desigualdade e acesso à saúde são importantes para todos nós, claro, mas tomam formas diferentes pelo mundo. Por exemplo, quem vive em áreas litorâneas ou sofre com climas intensos encara desafios mais imediatos conforme nosso planeta se aquece.

Alguma das previsões para 2019 já está causando mais impactos que as demais?

Com certeza o 5G está sendo mais controverso do que eu imaginava, especialmente porque muitas reportagens publicadas não explicam exatamente do que se trata a tecnologia, quanto esforço e dinheiro serão necessários para criar essa infraestrutura, nem o fato de que os aparelhos que temos hoje não estão preparados para acessar essa rede. O assunto tem sido uma bagunça e muitas empresas de telecomunicações estão sendo desonestas sobre suas abordagens para a tecnologia.

Ainda assim, creio que a biometria comportamental é o item mais desafiador e importante da lista neste ano. Ainda que tenha sido criada para melhorar a segurança e proteger nossos dados de hackers, ela coleta informações muito detalhadas dos nossos maneirismos e hábitos. Ainda não sabemos como elas serão armazenadas, se terão a segurança devida ou como serão utilizadas. Quanto mais informação tivermos sobre as pessoas, mais você tem que as proteger de quem quer as usar para prejudicar ou explorar os outros.

E você tem alguma previsão que esteja se desenhando para 2020?

Creio que os vários usos da Inteligência Artificial e do reconhecimento facial são um problema em ascensão, ainda que centenas de pesquisadores de ética escrevam sobre o assunto atualmente. E a exportação de métodos de censura da internet da China para países como a Rússia e o continente africano é algo que sinto que deveria ser mais falado.

Também tenho acompanhado de perto a telemedicina e outros avanços tecnológicos da medicina. Acho que alguns têm o potencial de fazer tanto mal quanto ajudar as pessoas.

Qual é a importância de explicar essas tendências para pessoas que não são cientistas, ainda que possa levar anos até que elas impactem suas vidas?

Sinto que as pessoas acham que a tecnologia está sendo desenvolvida em algum lugar além do seu alcance e controle. Escrevo a lista para mostrar os projetos, assim as pessoas têm a chance de ver que sim, eles estão sendo criados. Mas o mais importante é escrever para não-especialistas e dar ideias das perguntas que eles deveriam estar fazendo ou as discussões que elas deveriam propor em reuniões comunitárias ou em conversas com seus políticos locais.

Por exemplo, se pais ficam sabendo que as escolas estão usando softwares de reconhecimento facial ou coletando dados sobre seus filhos que podem ser vendidos para empresas que não estão muito interessadas no bem-estar delas, isso permite que eles vão a uma reunião escolar e digam: “eu me oponho a isso e quero que vocês expliquem o que está acontecendo e como vocês vão proteger essas pessoas inocentes”.

Se esperarmos até o momento que as coisas afetam as nossas vidas, pode ser tarde demais. E não podemos desistir só porque a tecnologia já está por aí — conhecimento é poder e dar as ferramentas necessárias para que as pessoas pensem sobre os dilemas éticos da tecnologia em desenvolvimento permite que elas formem suas próprias opiniões e usem suas vozes para protestar contra o que consideram prejudicial.

Você acha que, como sociedade, estamos levando esses dilemas tão a sério quanto devido?

Creio que alguns, como a privacidade, inteligência artificial e reconhecimento facial estão sendo levados a sério e recebendo muita atenção. Existem dezenas de comitês de ética no mundo tentando estabelecer regras sobre o uso dessas tecnologias.

Acho que a quantidade de repercussão negativa que empresas tão populares como o Facebook têm recebido nos últimos dois anos também ajuda a explicar esses dilemas. As pessoas sabem que tem gente tirando vantagem delas e algumas estão reagindo e protestando contra comportamento antiético.

Ainda assim, o Facebook continua aumentando sua base de usuários, então é um pouco deprimente ver certas pessoas agirem contra seus melhores interesses (e de seus filhos) puramente por entretenimento e conveniência.

Minha esperança é de que as pessoas passem a escrever mais sobre esses assuntos e então mais gente use seu tempo e dinheiro para pressionar as empresas a agir de maneira ética.

Existem algumas tendências que tomaram forma ao longo dos anos e que tenham te surpreendido?

O que mais surpreende é que apesar da enorme quantidade de informação que temos sobre pessoas e empresas sendo antiéticas, elas ainda conseguem agir de maneira que pode prejudicar os outros — é como se fossem invencíveis. A arrogância é incrível. Mas eu acho que, em dado momento, a repercussão vai afetar os rendimentos delas de tal maneira que terão de correr atrás para se desculpar e consertar o sistema inteiro, do contrário indo à falência.

Também me surpreende o quão populares se tornaram os aplicativos de bem-estar e saúde, especialmente já que eles podem ser problemáticos e mostram problemas quando se trata de diagnósticos e têm um histórico ruim sobre as informações que armazenam das pessoas. Claramente, precisamos melhor o acesso à saúde no mundo e o tornar o mais acessível possível, e apps são uma ótima maneira de fazer isso — mas acho que simplesmente não paramos para pensar no quão precisos eles são.

No geral, ainda me surpreende que as pessoas achem que só porque uma tecnologia existe — seja ela utilizada em escolas, sistemas de saúde, forças armadas ou governo — ela foi devidamente testada e considerada segura e confiável. Não é verdade. A única coisa que um cidadão pode fazer é continuar perguntando sobre quem criou o sistema, produto, máquina ou app e como ele pode ser perigoso, além do que pode fazer para nos proteger de seus possíveis riscos. É duro ser um cidadão responsável, mas só nós temos o nosso bem estar em primeiro lugar.


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Helio Gama Neto