Entidades se mobilizam contra flexibilização da publicidade infantil

Entidades se mobilizam contra flexibilização da publicidade infantil

13 de fevereiro de 2020
Última atualização: 13 de fevereiro de 2020
Helio Gama Neto

MEIO&MENSAGEM – 12/02/2020

Bárbara Sacchitiello

A proposta da criação de uma portaria sobre publicidade voltada às crianças – anunciada no fim de semana pelo ministro da justiça e segurança pública, Sérgio Moro – foi alvo de críticas de algumas entidades.

Em nota divulgada à imprensa – e assinada por 65 entidades de diversas regiões do País – organizações como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), ACT Promoção de Saúde e Instituto Alana, fizeram um manifesto contra a iniciativa da consulta pública, que está sendo realizada pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacom).

“A publicidade dirigida à criança já é proibida no Brasil. A maioria da população é contrária a essa prática publicitária antiética das empresas e a justiça brasileira, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, reforça a proibição em cada novo caso apresentado, honrando o compromisso do Estado com a proteção da infância”, inicia o texto do manifesto. Embora o comunicado mencione que a publicidade infantil é proibida, na verdade a Constituição Federal estabelece a defesa da infância como prioridade absoluta e, especificamente nas relações de consumo, o Código de Defesa do Consumidor, o Marco Legal da Primeira Infância e a Resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) consideram a publicidade direcionada às crianças como ilegal e abusiva.

Depois de discorrer sobre os perigos de expor crianças a estímulos consumistas, as entidades criticam a ideia de uma nova portaria que poderia flexibilizar as atuais regras do setor. “Nos espanta a Secretaria Nacional do Consumidor – Senacon, órgão máximo do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, vinculado ao Ministério da Justiça, apresentar uma proposta de regulamentação da publicidade infantil que ignora a legislação existente, desconsidera todo acúmulo de pesquisas e estudos conceituados e, ainda, parece querer enfraquecer as regras atuais. O texto abre espaço para que empresas possam, em casos específicos, falar diretamente com a criança, sem a mediação de pais, mães ou responsáveis”, diz a nota.

O ministro Sergio Moro usou seus perfis nas redes sociais para anunciar a abertura da consulta pública a respeito das regras da publicidade infantil. “A Senacom/MJSP está lançando consulta pública sobre novas regras para publicidade em programas infantis na TV e na internet. Proteger é preciso, mas sem inviabilizar. E as regras têm que ser similares na TV e na Internet. Participe”, escreveu Moro, no Twitter, convidando seus seguidores a conhecer a proposta.

O Ministro da Justiça e Segurança Pública já havia mencionado o assunto durante um evento, realizado na semana passada, para debater as regras que envolvem a publicidade direcionada às crianças. Na concepção de Moro, a regulamentação excessiva do setor desestimulou as empresas a investirem suas verbas de marketing na programação infantil, o que, consequentemente, levou a diminuição quase que completa dos programas e atrações voltadas às crianças na TV aberta. Atualmente, apenas SBT e TV Cultura possuem grade fixa com atrações destinadas ao público infantil.

Veja, abaixo, a íntegra da manifestação das entidades contrárias à consulta pública:

“O que é mais importante: proteger nossas crianças ou proteger quem lucra com elas?

A publicidade dirigida à criança já é proibida no Brasil. A maioria da população é contrária a essa prática publicitária antiética das empresas e a justiça brasileira, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, reforça a proibição em cada novo caso apresentado, honrando o compromisso do Estado com a proteção da infância.
Não há dúvidas sobre as consequências desastrosas da comunicação direta entre empresas e crianças por meio da publicidade. Atravessando a relação familiar e a autoridade de pais, mães e responsáveis, algumas marcas se aproveitam da falta de maturidade do público infantil para apresentar, com uso de personagens, distribuição de brindes e outros recursos publicitários, estímulos consumistas que usam as crianças como ferramenta de convencimento dos responsáveis na compra de produtos.
As empresas se aproveitam do fato de que crianças até 12 anos, indivíduos hipervulneráveis, inclusive pelo desenvolvimento cerebral inconcluso, não conseguem discernir os limites entre o conteúdo de entretenimento que acessam e as mensagens publicitárias, nem compreender suas intenções persuasivas. A expectativa, angústia e estresse familiar gerados por essas mensagens, em diferentes espaços de socialização da criança (até mesmo nas escolas) e em diversas mídias (da TV à internet), se somam, muitas vezes, aos danos diretos causados pelos próprios produtos – como no caso de produtos alimentícios de baixo valor nutricional, cujo consumo habitual e excessivo leva à obesidade infantil e doenças crônicas não transmissíveis.
É por isso que nos espanta a Secretaria Nacional do Consumidor – Senacon, órgão máximo do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, vinculado ao Ministério da Justiça, apresentar uma proposta de regulamentação da publicidade infantil que ignora a legislação existente, desconsidera todo acúmulo de pesquisas e estudos conceituados e, ainda, parece querer enfraquecer as regras atuais. O texto abre espaço para que empresas possam, em casos específicos, falar diretamente com a criança, sem a mediação de pais, mães ou responsáveis.
Além de ferir a legislação existente, a proposta desconsidera princípios e boas práticas esperados de um órgão da administração pública voltado à defesa do consumidor: uma participação ampla e aberta de outras instituições especialistas nesse debate e uma redação original e colaborativa, em vez da transcrição de trechos do código de autorregulamentação publicitária.
Iniciativas afoitas levam ao desperdício de recursos e energia explicando o que já deveria estar claro: a publicidade infantil é ilegal e não há justificativa cabível hoje para relativizar isso. Fiscalizar a prática seria garantir que as crianças e suas famílias tenham liberdade para decidir sobre produtos e serviços, sem a influência de práticas notoriamente abusivas. São nossas crianças que precisam de proteção, não as empresas interessadas em lucrar com sua falta de discernimento e maturidade.”


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Helio Gama Neto