Editoras repudiam ordem de Crivella para recolher livro na Bienal
G1 – 06/09/2019
Prefeito considerou história em quadrinhos com cena de beijo gay imprópria para jovens e mandou fiscais apreenderem a obra. Para o mercado editorial, houve tentativa de censura.
Empresas e entidades do mercado editorial repudiaram, nesta sexta-feira (6), a ordem dada pelo prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, para recolher a edição de “Vingadores – A cruzada das crianças” dos estandes da Bienal do Livro. Para o setor, houve uma tentativa de censura.
A obra de história em quadrinhos mostra uma cena em que dois homens se beijam. Crivella diz que o conteúdo é impróprio para menores e pediu, na quinta-feira (5), que a Bienal recolhesse os volumes.
A organização do evento se negou a guardar os livros, e nesta sexta fiscais da prefeitura foram até lá para apreendê-los. Foi a primeira vez em quase 40 anos que esse tipo de ação ocorreu.
Porém, nada foi levado porque todos já haviam sido vendidos. As críticas de Crivella tiveram o efeito contrário, e a obra se esgotou 40 minutos depois de a Bienal abrir as portas, de manhã.
À noite, a Justiça proibiu Crivella de mandar apreender obras na Bienal por causa de seu conteúdo, em especial os de temática LGBT.
Críticas das editoras
O Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), que organiza a Bienal, manifestou “indignação” com a atitude do prefeito e disse repudiar “toda e qualquer forma de censura e restrições à livre manifestação cultural”.
“Para haver democracia é imprescindível o diálogo, a tolerância e o respeito à produção intelectual dos editores e autores em nosso país”, diz a nota do SNEL.
A editora Harpercollins também afirmou que repudia a censura.”Temos orgulho da nossa equipe e das nossas histórias. Vamos continuar publicando livros em que acreditamos. Não toleramos qualquer tentativa de silenciar pessoas, editoras, autores, livros”, diz a editora.
O coro contra a censura foi reforçado em nota pela Editora Planeta: “Temos muito orgulho. Orgulho dos livros que publicamos, da pluralidade de vozes dos nossos autores e leitores”.
A Zahar divulgou comunicado em que defende a “programação dentro do espírito da bienal: plural e onde todos são bem-vindos e estão representados”.
O Grupo Autêntica afirmou que “apoia a diversidade”. Segundo a editora, a atuação da prefeitura é contrária às lutas da empresa: “a construção de um mundo livre, sem preconceitos, no qual cada pessoa tenha o direito de amar quem quiser”.
A editora Globo Livros disse, em nota, que “acredita na cultura e na diversidade e repudia qualquer tipo de censura”. E acrescentou que “todas as obras com este tema continuarão à venda, à vista de todos”.
A Companhia das Letras informou estar orgulhosa do posicionamento da organização da Bienal e disse que “posturas como a do prefeito Marcelo Crivella e do governador João Doria tentam colocar a sociedade brasileira em tempos medievais”. Recentemente, Doria mandou recolher uma apostila escolar que falava sobre diversidade sexual.
“Eles [Doria e Crivella] desprezam valores fundamentais da sociedade e tentam impedir o acesso à informação séria, que habilita os jovens a entrar na fase adulta mais preparados para uma vida feliz. Essas medidas, mais a suspensão do edital que daria apoio à produção de filmes LGBTQ+ por parte do governo federal, indicam uma perigosa ascensão do clima de censura no país – flagrantemente inconstitucional – e que traz a marca de um indesejável sentimento de intolerância discriminatória”, opinou Luiz Schwarcz, CEO e fundador da Companhia das Letras.
A Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner), da qual a editora Panini faz parte, condenou “toda e qualquer iniciativa que vise intimidar a livre expressão e a liberdade de publicação em clara ação de censura”.
“A ideia que sustenta a ação de censura remete o país a um tempo de intolerância e incivilidade que superamos há muitos anos e que a maioria dos brasileiros não deseja que volte a nos assombrar”, criticou a Aner.