Como fugir do controle das redes sociais? Mantenha seus pensamentos e desejos em segredo, diz Andrew Keen

Como fugir do controle das redes sociais? Mantenha seus pensamentos e desejos em segredo, diz Andrew Keen

20 de dezembro de 2019
Última atualização: 20 de dezembro de 2019
Helio Gama Neto

ÉPOCA NEGÓCIOS – 20/12/2019

MARIA CLARA DIAS

Em entrevista exclusiva, crítico da revolução digital explica que ainda há muito a se fazer para conter os monopólios digitais.

No final da década de 1990, as novas aplicações da internet eram consideradas revolucionárias. O Vale do Silício ganhava notoriedade e seus grandiosos lançamentos encantavam o mundo, que aos poucos se tornaria cada vez mais digital. As novidades pareciam deslumbrar a todos — menos Andrew Keen, expatriado da revolução tecnológica.

Nas últimas duas décadas, o escritor norte-americano dedicou sua carreira aos estudos sobre os malefícios da internet 2.0. Keen é autor dos livros The Internet is not the Future e o sucessor, How To Fix The Future. Crítico conhecido do fenômeno da conectividade, Keen fala dos malefícios da internet nos quatro cantos do mundo. Suas ácidas críticas lhe atribuíram o apelido de “anticristo do Vale do Silício’’.

Para ele, a internet foi de um adereço revolucionário e democrático para um monopólio industrial sem precedentes. “Acreditávamos que a internet nos traria para mais perto da democratização econômica da sociedade e nos transformaria em seres empoderados”, diz. “O que vimos, no entanto, foi a criação de monopólios e domínio empresarial e político”, disse o estudioso em uma palestra durante a Conferência Anual de Startups e Empreendedorismo (CASE), que aconteceu na cidade de São Paulo.

Keen também não poupou comentários a respeito de temas como privacidade, distribuição de renda e democracia. “A única maneira de tornar uma população mais democrática é manter seus pensamentos e desejos em segredo. Quanto mais informações eles [empresas de tecnologia] têm, mais poderosos são”, disse.

Durante o evento, Andrew Keen falou com exclusividade à Época NEGÓCIOS sobre dominância econômica, futuro da informação e da produção cultural e das relações sociais. Veja os principais trechos da entrevista.

Você já afirmou que as redes sociais, assim como o Facebook, estão destruindo a economia mundial. Qual sua visão sobre os esforços do Facebook para lançar uma moeda própria, a libra?
O que me preocupa nisso é que estão usando a mesma justificativa que sempre usam. Eles dizem “bem, a libra vai empoderar pessoas que não possuem contas bancárias e a população mais pobre”, mas a verdadeira razão é, antes de tudo, tornar o Facebook mais poderoso. Em segundo lugar, vejo isso como uma solução para melhorar a imagem da empresa. Sou muito suspeito, pois acredito que é apenas mais uma vez em que Zuckerberg aparece dizendo que fará do mundo um lugar melhor, quando na verdade está causando muitos danos. O primeiro deles está relacionado à utilização de criptomoedas, que por si só já representam um desafio aos Bancos Centrais, além do impacto delas na sociedade.

E é bem provável que, se bem-sucedida, essa fórmula seja copiada por outras companhias.
Sim. Mas o que acho mais interessante sobre o Facebook é que eles criaram esse ambiente social entre companhias como PayPal, empresas de cartão de crédito e bancos, afirmando que elas seriam beneficiadas. Mas na verdade, elas serviriam apenas para aumentar o seu poder. Assim que libra for lançada, serão claros os danos a outras companhias. Paypal já abandonou o projeto. Se o PayPal não confia no Facebook, por que nós deveríamos?

Do ponto de vista informativo, qual seria a melhor solução para a crise na imprensa? Como diferentes veículos podem se manter relevantes no contexto da produção de conteúdo generalizada?
A solução é perceber que o conteúdo livre não funciona. Você percebe que já há um novo jeito de manter jornais de sucesso, como The New York Times e o Washington Post: eles criaram ‘paywalls’ para acesso ao conteúdo. Há algum tempo, não existia estrutura e ninguém possuía a tecnologia necessária para esse sistema, mas os jornais que persistiram hoje são exemplos nesse novo contexto.

Essa também é a realidade após a chegada do streaming?
Sim. E podemos ver que o mesmo acontece na indústria musical. Nos últimos 2 ou 3 anos, a crise nesta indústria tem crescido lentamente por duas razões: a primeira delas é a percepção da geração mais jovem de que pagar apenas US$ 10 por toda a música do mundo é de fato um negócio vantajoso. O outro, é que as companhias musicais mais rentáveis encontraram a resposta filtrando seu público. Os mais jovens estão dispostos a pagar por uma experiência de alta qualidade. Por isso o streaming e os serviços por assinatura já são grandes oportunidade. As pequenas e médias empresas de mídia precisam entender que a oferta desses serviços está diretamente ligada ao sucesso, pois esse é o segredo das empresas bem-sucedidas.

Como você percebe o cenário da produção midiática no Brasil?
Acredito que a principal dificuldade para os jornais brasileiros avançarem, sobretudo nas questões de ‘paywall’ é a grande quantidade de acadêmicos, intelectuais e executivos envolvidos nas produções de grandes empresas de mídia. A grande maioria deles lê NYT e o Washington Post, e isso os coloca em contato direto com essa dominância global que já existe. Isso não significa que o país não irá prosperar. Torço para que consiga.

O Brasil enfrentou recentemente uma onda de notícias falsas circulando em larga escala, principalmente em redes sociais. De acordo com o seu livro, isso está relacionado ao fato de que todos podemos ser produtores de informação na chamada web 2.0. Como filtrar com exatidão a informação em que devemos confiar?
Antes de tudo, devemos agir agressivamente nas questões regulatórias. Empresas como Facebook atuam com força para que as fake news sejam filtradas e os responsáveis por sua publicação sejam punidas. Isso deve continuar e seguir para punições financeiras. Mas há uma controvérsia. Queremos mais privacidade na internet, mas continuamos a lutar para que pessoas não usem do anonimato digital para se manterem impunes. Precisamos repensar o anonimato.

As questões regulatórias que estão sendo discutidas em todo o mundo, principalmente na União Europeia, são uma solução para o problema?
Elas servem de auxílio. Acredito que veremos cada vez mais regulamentos daqui para frente. Não apenas para o Facebook. O problema da internet não é o Facebook, prefiro dizer que o fato do Google — uma empresa muito maior e mais valiosa — saber tudo sobre nós é bem mais perigoso.

As pessoas passaram a se preocupar com sua privacidade e o uso de seus dados. Além, é claro, de mostrar uma nova preocupação com questões ambientais e apoio a empresas comprometidas com a causa. Nesse contexto, qual é o futuro do Vale do Silício?
Primeiramente, temos que dizer que o Vale do Silício já perdeu seu monopólio graças à ascensão da China. Isso é uma grande oportunidade para o Vale, já que a China tem um maior controle estatal. Estamos diante de uma geração eticamente responsável, que entende os perigosos impactos da tecnologia na sociedade. Isso faz com que o Vale do Silício mude lentamente. Além disso, há outros centros de inovação aparecendo para desafiá-lo, como Nova York, Berlim e Londres. Nesses lugares, as preocupações da nova geração estão sendo exploradas, então o Vale do Silício também deve.


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Helio Gama Neto