ÉPOCA – 01/08/2019
Luccas Oliveira
Há duas semanas, em sua edição comemorativa de 10 anos, a VidCon — conferência realizada anualmente no sul da Califórnia para celebrar influenciadores e criadores de conteúdo digital — pareceu ter testemunhado o início de uma revolução. Tratados como superestrelas do evento, com direito a segurança reforçada e contato quase impossível com os fãs, os youtubers passaram a ter de dividir atenções e idolatria com uma rede de criadores praticamente desconhecida até o começo deste ano: os tiktokers. Adolescentes ou jovens adultos cujos vídeos de até 15 segundos acumulam milhões de visualizações eram tratados como astros do rock em meio à multidão juvenil que tomou a cidade de Anaheim. Acessíveis, eles distribuíram autógrafos, fizeram selfies e gravaram conteúdo com os fãs — e podem ganhar até US$ 1 milhão por publicação.
É bem provável que você desconheça a existência de uma plataforma chamada TikTok — apesar de o aplicativo ter sido o terceiro mais baixado do mundo no primeiro quadrimestre de 2019, o primeiro, se considerarmos apenas redes sociais —, mas isso é questão de tempo. Tente perguntar para um adolescente conhecido e terá uma resposta, provavelmente confusa, sobre de que se trata.
Grosso modo, o TikTok é um aplicativo baseado na criação e no compartilhamento de vídeos curtos. Ele nasceu a partir de outra plataforma, o Musical.ly, que era voltado à produção de lip syncs (dublagem performática de uma música, como um playback) e virou um fenômeno teen. Criado em 2014, o Musical.ly foi vendido para a startup chinesa ByteDance num negócio estimado em US$ 1 bilhão em novembro passado. A nova dona juntou a base de dados da aquisição com a do Douyin, nome em chinês do TikTok, e tornou global a rede social.
Hoje, o TikTok está disponível em mais de 150 países, em 75 idiomas, e conta com mais de dez escritórios espalhados pelo mundo (incluindo um em São Paulo), tendo base em Pequim. Apesar de não divulgar números oficiais, estima-se que a plataforma tenha 1,2 bilhão de usuários mensais, superando o Instagram (que afirmou ter 1 bilhão em 2018) e ficando atrás apenas do YouTube (1,9 bilhão) e Facebook (mais de 2 bilhões).
Mas, afinal, o que diferencia o TikTok de outros sistemas baseados em vídeos curtos, como o Snapchat e os stories do Instagram?
“É um lugar de vídeos curtos e autênticos. Rápidos, de pessoas reais para pessoas reais. O grande diferencial também é a narrativa que você consegue construir com as ferramentas de trilha sonora, filtros, efeitos e até mesmo usando os cortes ao gravar”, explicou Bruno Carvente, formado em sistemas de informação na Universidade de São Paulo (USP). Na rede social, onde é especializado em vídeos com efeitos especiais (fruto de um intercâmbio em Nova York), Carvente atende pelo nome de @iBugou e é um dos
Presente em mais de 150 países, em 75 idiomas, o TikTok tem cerca de 1,2 bilhão de usuários mensais, o que o coloca atrás apenas do YouTube (1,9 bilhão) e do Facebook (mais de 2 bilhões) principais tiktokers do Brasil, com 2,4 milhões de seguidores.
O TikTok disponibiliza toda uma gama de efeitos de edição rápidos e intuitivos dentro do aplicativo, além de filtros especiais e a possibilidade de procurar sons e músicas para usar como trilhas dos vídeos.
Os usuários ainda são fortemente incentivados a interagir com outros, mesmo aqueles que não estão em sua lista de seguidores — outro diferencial em relação às demais plataformas. Tanto é que, quando o usuário abre o aplicativo, a primeira coisa que vê não é um feed de publicações de amigos, mas uma página chamada “Para você”. Ela é criada por meio de um algoritmo baseado nos vídeos com os quais o usuário interagiu ou aos quais acabou de assistir. O material é interminável. A prioridade ali não é necessariamente saber o que seus amigos estão fazendo, mas estimular a criação de conteúdo a partir de vídeos que você parece ter demonstrado querer assistir. A partir deles, o usuário pode fazer vídeos de “resposta” ou criar “duetos” — duplicando um vídeo famoso e adicionando seu próprio conteúdo. Ou participar de um dos muitos desafios de hashtags (de dança, canto, esportes, memes ou o que quer que seja) propostos pelo próprio aplicativo ou por outros usuários.
“Lá podemos ser plurais: fiéis a nosso conteúdo, mas não limitados a ele”, explicou Letícia Gomes (@leticiafgomes), cujo perfil tem 1,1 milhão de seguidores. Na plataforma, ela é especialista em vídeos de transformação — seu conteúdo mais famoso, visto mais de 12 milhões de vezes, é um vídeo de 15 segundos em que, usando maquiagem e criatividade, ela se “transforma” em Michael Jackson. “Outra vantagem é que podemos postar um vídeo a qualquer momento, sem horário específico, diferente das outras redes, que possuem várias métricas. Um vídeo que você postou há uma semana, por exemplo, continua sendo entregue para as pessoas, e os números crescem cada vez mais.”
Em um artigo intitulado “O TikTok vai mudar a maneira como suas redes sociais funcionam — mesmo que você o esteja evitando”, o jornal The New York Times explica que a plataforma “responde assertivamente à pergunta ‘O que eu devo ver?’ com uma inundação de conteúdo. Da mesma forma, fornece muitas respostas para a paralisante dúvida ‘O que devo postar?’”. O resultado é um leque enorme de possibilidades que os jovens — 60% dos usuários ativos têm entre 16 e 24 anos, de acordo com pesquisa da consultoria Mediakix — não teriam capacidade de inventar sem um empurrãozinho.
Com um volume tão grande e diverso de conteúdo sendo criado, e a formação de influenciadores próprios, seguidos por milhões de usuários, o TikTok passou a pautar outras redes sociais e até a “vida real”. “Hoje o público do aplicativo está ficando mais velho, e o motivo para ter mais adultos e adolescentes são os memes, os trends e os virais criados por lá”, reforçou Yurgen Maas, outro influencer brasileiro, cujo vídeo mais famoso, em que limpa seu teclado, de onde caem farelos, moedas, canetas e até um gato de verdade, passou pelas mais diferentes redes, por fóruns de humor, por um programa da RedeTV! e até mesmo por um canal de televisão chinês. Outro exemplo é o baiano Kaique Brito, de apenas 14 anos, que fez sucesso no Twitter e no WhatsApp com um vídeo ironizando discursos sobre “racismo reverso”.
Mas talvez o mais famoso caso de meme do TikTok que ganhou o mundo esteja na música. Na última segunda-feira 22, a música “Old town road”, do rapper Lil Nas X com o cantor country Billy Ray Cyrus, igualou o recorde histórico de “Despacito” (de Luis Fonsi e Daddy Yankee) e “One sweet day” (de Mariah Carey) como canção a ocupar por mais tempo a liderança das paradas americanas — são 16 semanas consecutivas. Isso só foi possível depois de a música — lançada de forma independente pelo americano de 20 anos, que comprou a melodia de um produtor holandês pelo YouTube — ter atingido o tiktoker Michael Pelchat (@nicemichael). Com traje de caubói, ele gravou um vídeo engraçado de 15 segundos e postou para seus 123 mil seguidores na plataforma em fevereiro. O clipe inocente inesperadamente viralizou e gerou uma série de versões de outros usuários. A partir daí, Lil Nas X assinou com gravadora, lançou um EP, apresentou-se em grandes festivais, como o inglês Glastonbury, saiu da casa dos pais e vem acumulando recordes.
O TikTok não revela quantos usuários brasileiros estão em seu banco de dados, mas confirma que tem planos de expansão no país. “O Brasil é um mercado importante para o TikTok e, por ter a maior população do continente, há um potencial enorme para mais brasileiros mostrarem seu talento e criatividade. Estamos trabalhando com marcas e também com superstars brasileiros”, afirmou em nota a empresa, que não trabalha com porta-vozes.
Recentemente, a cantora Anitta fez uma parceria com a plataforma para lançar o álbum Kisses, com desafios de coreografias voltados para diferentes países. O mesmo aconteceu com o DJ Alok, cujo single Pray também foi foco de uma ação no TikTok, que premiou o melhor vídeo com um iPhone X. Segundo a revista The Atlantic, só em 2018, a ByteDance gastou mais de US$ 1 bilhão em propaganda, chegando a pagar US$ 1 milhão para um vídeo de 15 segundos. Tudo isso para expandir sua atuação e não ser só mais uma rede social passageira.
Todos os influencers procurados pela reportagem confirmam que já receberam para criar conteúdos para marcas (os famosos publieditoriais), citando empresas como Sony Pictures, Warner Music, Disney e Amaro como contratantes. “Ao contrário de outras plataformas estabelecidas, como Facebook, Twitter e Instagram, o TikTok não tem seus formatos de mídia estabelecidos. Isso pode parecer uma desvantagem para o anunciante, mas é uma vantagem do ponto de vista criativo”, defendeu Larissa Magrisso, vice-presidente de criação e conteúdo na W3haus, agência pioneira na comunicação e publicidade digital.
“A linguagem do TikTok é muito contemporânea: são vídeos curtos, com uma linguagem pop, com música, os principais territórios são humor e música, mas ele também é usado para fazer tutoriais supercriativos de maquiagem, de receitas… E as possibilidades do aplicativo, como missões, desafios de dança, humor e lip sync, permitem, do ponto de vista da publicidade, ser mais criativo que na concorrência”, afirmou Magrisso.