10 boas práticas para o jornalismo ambiental cobrir melhor a crise da mudança climática
MEDIA TALKS – 04/03/2021
A cobertura da mudança climática não é simples e esbarra em obstáculos, como o interesse do público, o excesso de termos técnicos e o risco de dar espaço a opiniões sem base científica. A organização Covering Climate Now (da qual o MediaTalks by J&Cia faz parte) preparou um guia com 10 boas práticas que podem levar a uma cobertura melhor e mais precisa da emergência ambiental.
1. Diga sim à ciência
Não existem dois lados de um fato. Durante muito tempo, especialmente nos Estados Unidos, a imprensa comparou a ciência do clima − uma questão de consenso global esmagador − com o ceticismo e a negação do clima, raramente mais do que proteções veladas da indústria de combustíveis fósseis.
O resultado da ideia de que essas posições são iguais, ou de que um julgamento final de alguma forma ainda está fora de questão, é em grande parte responsável pelo desinteresse do público e pela paralisia política no enfrentamento da crise climática até agora.
Como jornalistas, devemos escrever sobre as mudanças climáticas com a mesma clareza da dos cientistas que vêm fazendo alertas há décadas. Dar voz aos detratores desses cientistas em um esforço para “equilibrar” nossas matérias não apenas induz o público a erro, mas também é impreciso. Onde a negação do clima não pode ser evitada − quando vem dos mais altos escalões do governo, por exemplo − o enfoque jornalístico responsável é deixar claro que tal posição não é baseada em fatos, ainda que não tenha sido fruto de má-fé.
2. A crise climática engloba diversas editorias
Em sua essência, a pauta do clima é uma pauta científica. Mas se você cobre negócios , saúde , habitação , educação , alimentação , esportes , segurança nacional , entretenimento ou qualquer outra coisa é sempre possível abordar um ponto de vista “climático”. Estes são alguns exemplos de como a pauta do clima entra em outras editorias além da de ciência.
Nas palavras do renomado autor do clima Bill McKibben, a mudança climática é “uma história emocionante, cheia de drama e conflitos. É para isso que o jornalismo foi feito”.
E o clima não precisa ser o foco central de uma matéria para merecer menção. Seja em uma coletiva de imprensa de rotina de uma empresa de tecnologia ou em uma entrevista com uma autoridade, o tema mudança climática pode fazer parte da conversa. Em matérias sobre a recuperação econômica depois da Covid-19, por exemplo, a conexão com o clima é uma obrigação.
3. Enfatize as experiências − e ativismo − dos menos favorecidos, das minorias raciais e de povos indígenas
A justiça ambiental éfundamental para a cobertura do clima. Os menos favorecidos, as minorias raciais e os indígenas sofrem primeiro e mais com as ondas de calor, inundações e outros impactos climáticos. No entanto, suas vozes e histórias são frequentemente omitidasda cobertura jornalística.
As boas matérias sobre o clima não apenas destacam a situação dessas pessoas, mas também são as que reconhecem que elas frequentemente lideram os inovadores movimentos da luta pelo clima. Uma cobertura que se concentra predominantemente em comunidades ricas e apresenta apenas vozes brancas está simplesmente deixando de lado o mais importante da história.
4. Afaste-se da “politicagem”
Há, é claro, muitas matérias urgentes sobre o clima a serem contadas com base nas conversas em corredores do governo. Mas quando abordamos a questão climática sob a ótica da luta política, engajamos a narrativa na mesma polarização desprezível que tanto compromete o jornalismo político (Um lado quer agir. O outro não. Parece que nada pode ser feito).
Ao destacar o partidarismo em nossa cobertura climática, também corremos o risco de perder grandes faixas de público, que provavelmente veem essas matérias como mais cobertura política. E, diante dos leitores, espectadores e ouvintes cujas visões políticas estão arraigadas em um campo ou outro, abrimos mão das oportunidades de questionar suas convicções.
5. Evite “desgraça e melancolia”
Podemos e devemos compreender as consequências históricas das mudanças climáticas. Entretanto, se nossa cobertura for sempre negativa, ela “deixa o público com uma sensação geral de impotência”, nas palavras da ex-repórter da NPRElizabeth Arnold.
“Chega a um ponto em que as pessoas sentem-se desesperadas e oprimidas”, disse Arnoldao Journalist’s Resource em 2018. “E quando nos sentimos assim, dizem os psicólogos, tendemos a apenas evitar e negar, e desligar.”
Na verdade, para cada incêndio florestal ou negação da crise climática pelos poderosos, há multidões de inovadores e ativistas apresentando soluções criativas. Ao destacar essas histórias, mostramos que a mudança climática não é um problema grande demais para ser compreendido e enfrentado.
6. Vá devagar com o jargão
Este é um princípio testado e comprovado do jornalismo em geral, mas aplica-se ao jornalismo ambiental com perfeição. A pauta do clima está repleta de verborragia interna − partes por milhão de dióxido de carbono, microgramas de material particulado e frações de graus centígrados.
O significado e as implicações desses termos podem ser familiares para aqueles que cobrem o setor, mas podem ser desconhecidos para aqueles que estão lendo ou assistindo. Imagine sempre que seu público-alvo não é formado por cientistas ou colegas jornalistas do clima e pergunte-se: como posso ajudar alguém não familiarizado a entender o problema com facilidade e precisão?
Sempre que possível, evite o excesso de termos técnicos. E, ao quantificar as mudanças climáticas, tente empregar analogias simples. Por exemplo: ao explicar como o aquecimento global contribuiu para o recorde de incêndios florestais na Austrália, John Nielsen-Gammon, climatologista do estado do Texas, fez uma comparação com os esteróides no beisebol: um grande rebatedor acertará muitos home runs, mas o que toma esteróides vai bater mais.
7. Cuidado com a “lavagem verde”
Empresas em todo o mundo estão despertando para as demandas públicas por práticas de negócios ecologicamente corretas. As promessas de “tornar-se verde”, no entanto, muitas vezes equivalem a pouco mais do que campanhas de marketing que obscurecem as pegadas de carbono não mitigadas.
Portanto, lance um olhar cético sobre as grandes promessas de emissões líquidas de zero ou carbono negativo, especialmente de empresasde grande nomeque historicamente têm sido uma grande parte do problema e não de sua solução.
8. Matérias sobre eventos meteorológicos extremos são matérias sobre a crise climática
O noticiário tem sido dominado por matérias sobre furacões, inundações, queda de neve em volumes incomuns, ondas recordes de calor e secas. Nem todos esses eventos devem-se às mudanças climáticas. Mas o aumento da frequência e da intensidade desse clima extremo certamente é.
Mesmo assim, muitas notícias fazem pouca ou nenhuma menção à conexão climática, deixando o público sem contexto e sem saber que a humanidade já está passando por uma mudança climática.
Pior ainda, algumas coberturas acolhem essas más notícias com alegria. Uma onda de calor alarmantemente fora de época, por exemplo, é “uma pausa muito bem-vinda para o frio”. A conexão climática não precisa dominar a cobertura, nem desviar a atenção das informações vitais de que o público precisa em face de condições meteorológicas de emergência. Mas mencioná-la é obrigatório.
9. Abandone a ideia ultrapassada de que a cobertura climática não dá audiência ou dinheiro
As matérias sobre meio ambiente têm má reputação como assassinas de tráfego. Isso pode ter sido verdade no passado, mas as mudanças demográficas e a crescente conscientização do público aumentaram as demandas por uma cobertura climática inteligente e criativa − especialmente do público jovem, para quem o tema costuma ser prioridade. Há boas evidências de que uma boa cobertura climática pode impulsionar os resultados financeiros de um meio de comunicação.
10. Pelo amor de Deus, não dê destaque para negacionistas do clima
Entendemos tão bem quanto qualquer pessoa que as páginas de opinião ocasionalmente precisam forçar a barra com opiniões impopulares. Mas não há mais nenhum argumento de boa fé contra a ciência do clima − e se alguém aceita a ciência, também aceita o imperativo de ação rápida e enérgica.
Artigos de opinião que prejudicam o consenso científico ou ridicularizam o ativismo climático não podem estar em um meio de comunicação sério.
Foto: Markus Spiske/Unsplash