Coronavírus: esporte perde bilhões – e nem games estão salvos

Coronavírus: esporte perde bilhões – e nem games estão salvos

20 de março de 2020
Última atualização: 20 de março de 2020
Helio Gama Neto

EXAME – 20/03/2020

Carolina Riveira

Com campeonatos suspensos, a indústria de mais 700 bilhões de dólares que movimenta o esporte mundial tem receitas incertas para os próximos meses.

O estádio Atanasio Girardot em Medellín, na Colômbia, deveria ter estado a todo vapor na noite desta quinta-feira, 19. O local sediaria a disputa entre o dono da casa, o Independiente Medellín, e o clube de futebol carioca Flamengo, pela fase de grupos da Copa Libertadores da América. O jogo foi cancelado. Assim como os duelos da quarta-feira, 18, quando o paulista Palmeiras enfrentaria o Bolívar em La Paz, capital boliviana.

A Libertadores é só uma das dezenas de competições esportivas pelo mundo que tiveram jogos suspensos em virtude do novo coronavírus. O vírus Corona afetou muitos eventos no mundo, como esportes, para saber mais, visite apostasesportivasbonus.com e saiba como é grave o efeito do vírus. Os campeonatos de futebol na Europa, que se tornou o epicentro do coronavírus, estão parados ou a portas fechadas há semanas. A Eurocopa, competição entre seleções europeias que acontece a cada quatro anos, já foi adiada para 2021. O mesmo pode acontecer com a Copa América ou os Jogos Olímpicos de Tóquio. A Fórmula 1 foi interrompida, assim como a principal liga de basquete do mundo, a americana NBA.

Assim como acontece com outros setores, a bilionária receita da indústria esportiva também não passará ilesa ao novo coronavírus. São perdas ainda incalculáveis. Sozinho, o esporte profissional responde por cerca de um terço dos 750 bilhões de dólares de receita da indústria esportiva, segundo a consultoria especializada em marketing esportivo Sports Value. Mas é ele que faz o resto da roda girar, alimentando segmentos como o varejo esportivo, com venda de camisas e outros itens (278 bilhões de dólares ao ano), e de infraestrutura, comida, bebida e apostas (200 bilhões de dólares).

Para cada 1 dólar gasto com ligas esportivas, a receita gerada pode ser de 2,5 dólares, calcula o consultor Amir Somoggi, da Sports Value. No mundo, só com estádios e arenas, são ganhos 50 bilhões de dólares, ou 200 milhões de dólares no Brasil. Outros 49 bilhões de dólares vêm em direitos de transmissão.

Os prejuízos já começaram: só com uma partida das oitavas de final da Champions League a portas fechadas na semana passada, o PSG teve prejuízo estimado de 5 milhões de euros em receita. “A competição esportiva tem uma receita indireta muito grande. O cara pega o trem, consome no bar da frente, mesmo quem não vai ao estádio assiste ao jogo e compra camisa”, diz Somoggi. “É uma indústria que perdeu seu principal combustível, que é o espetáculo ao vivo.”

No Brasil, foi somente neste domingo, 15, que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) suspendeu seus campeonatos, levando boa parte das federações estaduais a fazer o mesmo. Até esta quinta-feira, 20 dos 27 estaduais estavam parados ou com jogos a portas fechadas.

Mesmo antes da decisão da CBF, alguns estaduais de futebol já estavam acontecendo sem torcida. Mas com algumas exceções perigosas: enquanto a cidade de São Paulo proibia aglomerações, milhares de torcedores da capital se deslocaram para o interior rumo ao jogo entre Palmeiras e Inter de Limeira, disputado em estádio com capacidade para 18.000 pessoas – no domingo, 15, data do jogo, o Brasil já tinha mais de 100 casos de coronavírus confirmados.

A demora para suspender os campeonatos gerou protestos de jogadores, que se sentiram em risco continuando a jogar em meio à pandemia (os jogadores de Vasco da Gama e Fluminense entraram em campo tampando a boca no fim de semana, enquanto o Grêmio e o Botafogo entraram usando máscaras).

A paralisação dos campeonatos vai afetar em cheio a indústria do futebol no Brasil. A receita da modalidade no país é estimada em mais de 6,5 bilhões de reais, segundo a Sports Value. Os 20 maiores clubes de futebol respondem por quase 90% desse montante, com metade do dinheiro vindo de ações de patrocínios (10% da receita) e direitos de televisão (38%).

Toda essa receita fica menos certa a partir de agora. Mas para Bruno Maia, fundador da agência de marketing e conteúdo 14 e ex-executivo de marketing do Vasco da Gama, de nada adianta manter os jogos a portas fechadas para salvar o faturamento da indústria. “Ao comprar um patrocínio, a marca também quer se conectar com a emoção da torcida nas competições, o clima positivo, coisas que são passadas na transmissão mesmo para quem não está no local”, diz. “Para uma marca, um jogo a portas fechadas vale muito pouco.”

flamengolibertadores1 Flamengo em campo: indústria de mais de 6 bilhões de reais do futebol brasileiro fica à mercê do coronavírus

O que fazer sem os jogos ao vivo?
Além de impactar a receita dos clubes e ligas, o mundo sem esportes também mexeu com o modelo de negócio das principais emissoras esportivas do país. Sem jogos para exibir, os canais correm para reestruturar a programação para as próximas semanas.

O SporTV, parte do Grupo Globo e dono de três canais na TV fechada, começou nesta semana a fazer enquetes com seu público na internet para decidir qual partida de futebol será reprisada no horário da tarde. À noite, estreou um novo programa para comentar atualidades do esporte — que, nos últimos dias, se resumem ao próprio coronavírus e aos cancelamentos mundo afora. No fim da noite, mais exibição de jogos clássicos, desta vez por tema, como os principais jogos da vida de astros como Neymar e Romário. Nos canais SporTV 2 e 3, novas reprises, mas de esportes olímpicos e lutas, respectivamente.

No canal TNT, da americana Turner, jogos históricos europeus também serão exibidos. Programas de debate passaram a ser realizados virtualmente, para reduzir o deslocamento da equipe. A TNT herdou do antigo Esporte Interativo (cujo canal na TV foi encerrado pela Turner há dois anos) os direitos de transmissão da Champions League e de alguns clubes brasileiros que debandaram da Globo. A americana ESPN, do grupo Disney — e que transmite os principais campeonatos europeus e esportes americanos, como a NBA –, concedeu home office a boa parte da equipe e reduziu seus programas ao vivo. Reprises de jogos históricos também farão parte da programação.

Uma paralisação tão longa quanto a que se desenha agora é sem precedentes na história esportiva recente, segundo fontes ouvidas pela EXAME. E apesar do malabarismo para manter a programação, o desafio da indústria esportiva não acabará quando os campeonatos voltarem. Passado o coronavírus, um dos grandes obstáculos será renegociar contratos de transmissão e patrocínio.

“Parte da renegociação vai depender, primeiro, de quando esses eventos vão acontecer, se vai ser possível apertar tudo no calendário ainda esse ano”, diz Maia, da 14. Na Europa, o site The Athletic publicou que a Uefa, associação de futebol europeia, quer que as seleções paguem caso a Euro seja adiada para 2021.

Questionadas, as emissoras não responderam sobre quanto a audiência pode cair com a paralisação e nem como planejam renegociar com os clubes e ligas os pagamentos pelos direitos de transmissão. “Eventuais cancelamentos de eventos esportivos serão tratados de forma negociada com seus realizadores, assim como com nossos patrocinadores, segundo as condições contratuais das respectivas negociações”, disse a Globo, em nota.

A Turner disse apenas que seguirá “acompanhando a situação dentro e fora do país e faremos o que for necessário caso alguma situação se apresente.” A ESPN não respondeu aos questionamentos sobre eventuais prejuízos e renegociações de direitos e se limitou a comentar as mudanças na programação.

“Se o assunto se agravar de forma a ficar fora de controle e o Brasileirão não puder ser realizado, Turner e Globo pagarão aos clubes os valores previstos nos contratos?”, questiona Eduardo Carlezzo, do escritório Carlezzo Advogados e especializado em negócios do esporte. O tempo de paralisação vai afetar também outros dois aspectos no futebol: a janela de transferências, no meio do ano, e o dinheiro que os times podem deixar de receber das ligas pela participação nos campeonatos.

Só as transferências respondem por mais de 1,3 bilhão de reais em faturamento, ou 25% do que ganham os 20 maiores clubes do Brasil, segundo a Sports Value. A falta desse dinheiro pode levar os times brasileiros, a maioria com as finanças já em frangalhos, a uma “inadimplência em massa”, diz Carlezzo. “Presenciamos um momento bastante sensível para a economia mundial, e certamente empresas de diversos setores vão quebrar. O futebol não está indiferente a isso”, afirma o advogado.

Streaming e e-sports também sofrem
Na outra ponta, uma das apostas para o período sabático dos esportes e eventos ao vivo é um crescimento tanto dos serviços de streaming quanto dos jogos de videogame, o que poderia incluir os esportes eletrônicos. Na prática, contudo, estes dois segmentos também encontram barreiras impostas pelo coronavírus.

Apesar de eletrônicos, os campeonatos de e-sports têm gigantescas plateias e são organizados presencialmente. A Riot, dona do jogo League of Legends e organizadora de competições com o game, suspendeu na semana passada a realização do tradicional CBLoL, campeonato brasileiro do jogo.

Não sobreviveu nem mesmo o Circuito Desafiante, evento de LoL que já acontece de forma remota. A Riot esclareceu em nota que “essa operação ainda envolveria a reunião presencial de profissionais de transmissão e operação, além das equipes envolvidas nas atividades dos times profissionais em seus locais de trabalho”.

No mundo todo, é longa a lista de eventos de e-sports cancelados, incluindo de jogos como Dota 2, Counter-Strike, Free Fire, Pokémon e Fifa. Prejuízo para um mercado que faturou 1,1 bilhão de dólares em 2019, segundo dados da Newzoo, agência de marketing especializada em games. O Brasil é o terceiro maior mercado de esportes eletrônicos no mundo, com 9,2 milhões de entusiastas.

De fato, as pessoas devem ter mais tempo livre para jogar videogame com as quarentenas forçadas geradas pelo coronavírus. Mas não em esportes de alto nível. “Neste momento, a indústria profissional de e-sports sofre tanto quanto a dos esportes ‘tradicionais’”, diz Maia, da 14.

O mesmo drama vale para o streaming esportivo. Como até hoje a indústria do setor se baseou majoritariamente em eventos ao vivo, não haverá uma grande gama de conteúdo de esporte para ofertar em plataformas de streaming, nem mesmo para empresas que já têm um braço de vídeo online, como SporTV e ESPN. E não será possível gravar novo material, já que sets serão impactados pelas quarentenas — a impossibilidade de gravar levará a TV Globo a começar a reprisar novelas a partir deste fim de semana, por exemplo.

Até mesmo o britânico Dazn, que atua 100% no streaming, pode ter problemas nesta temporada. O Dazn gravou algumas séries documentais, como contando a história de torcidas, mas sua operação ainda é majoritariamente focada na transmissão de campeonatos ao vivo. Procurado, o Dazn também não quis se manifestar sobre o tema.

Para além das emissoras, os próprios clubes e ligas esportivas terão o desafio de usar a quarentena para se aproximar do público de outra forma. “É uma transformação digital feita na marra para os clubes e para as ligas, que muitas vezes acabaram não tratando o digital como prioridade”, diz Bruno Pessoa, presidente da startup Tero, que conecta atletas de futebol a treinadores e peneiras de clubes. Com as peneiras paralisadas diante do coronavírus, o próprio Pessoa precisou reestruturar rapidamente o modelo da Tero e passou a oferecer vídeos gravados pelos treinadores para que os atletas possam treinar em casa.

Resta a dúvida se os times conseguirão fazer algo parecido. “O público estará carente de conteúdo neste momento, e consumirá conteúdo digital como nunca antes. Quem tiver material sai na frente”, diz Pessoa.

Um exemplo de como é possível manter parte da presença mesmo com as competições paralisadas vem da Fórmula 1. Na competição de carros mais cara do mundo, o anúncio da suspensão da corrida de estreia da temporada, na Austrália, praticamente coincidiu com o lançamento na plataforma de streaming Netflix da segunda temporada da série documental “Drive to Survive”.

A primeira temporada da série, que conta os bastidores da Fórmula 1, foi vista por mais de 1 milhão de residências no Reino Unido, um dos países mais fortes da modalidade, só nos primeiros 28 dias no ar, segundo levantamento da agência Digital-1. Para a F1, que tem mais de 470 milhões de fãs, mas só 14% deles abaixo dos 25 anos, a parceria com a Netflix pode ser essencial para atrair uma nova audiência. “Embora o acordo com a Netflix não tenha sido tão lucrativo para nós, foi fantástico para a Fórmula 1 em termos de maior alcance”, disse o diretor da F1, Ross Brawn, citado pelo site ‘Motorsport-Total’.

Nada que se compare aos 500 milhões de dólares que a F1 fatura com ingressos por corrida e que deixará de ganhar com o coronavírus. Mas a quarentena forçada do esporte mundial pode também trazer algumas lições para o futuro.


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Helio Gama Neto