‘SEMPRE QUE HÁ CONFLITO, O PRIMEIRO A SER ATACADO É O MENSAGEIRO’, DIZ JORNALISTA AMERICANA

'SEMPRE QUE HÁ CONFLITO, O PRIMEIRO A SER ATACADO É O MENSAGEIRO', DIZ JORNALISTA AMERICANA

15 de outubro de 2019
Última atualização: 15 de outubro de 2019
Helio Gama Neto

ÉPOCA – 13/10/2019

Daniel Salgado

Ao longo de sua carreira, a jornalista americana Ana Arana esteve em diversas partes do globo. Em muitas dessas situações, para investigar a segurança de seus colegas: seja na Colômbia, no México, no Brasil ou nos Estados Unidos, a repórter viu em primeira mão a fragilidade do exercício do jornalismo em áreas de conflitos entre o crime organizado, a polícia e os políticos.

Para ela, que já ganhou diversos prêmios, como o Peabody, e é mestre pela Universidade de Columbia, é preciso que os jornalistas passem a se unir cada vez mais para se proteger. Do contrário, eles serão alvos prioritários: “Sempre que há conflito, o primeiro a ser atacado é o jornalista”, conta.

De passagem pelo Brasil a convite do Consulado dos Estados Unidos no Brasil, Arana conversou com ÉPOCA sobre a segurança dos jornalistas do mundo, o crescimento da violência cometida pelo crime organizado e a importância da cooperação internacional e local da imprensa.

Vivemos numa era particularmente ruim para que jornalistas façam seu trabalho?

Eu acho que sempre foi ruim. Sempre que há conflito, o primeiro a ser atacado é o jornalista. É ele que vai metendo o nariz nos lugares, perguntando coisas, tentando apurar e fazer as perguntas que ninguém quer. O ponto é que numa guerra ou conflito, e aqui há um conflito, as pessoas querem atacar o mensageiro. E você é o mensageiro que tenta explorar as coisas e mostrar o que está acontecendo. A questão é que todos os lados de um conflito vão tentar impedir evidências e outras informações de serem reveladas.

E a senhora acha que o clima político colabora para essa insegurança?

Os políticos deveriam proteger os jornalistas. Da maneira que está hoje, e como elas estão extremas, é possível que os jornalistas precisem depender de grupos internacionais. São eles que fazem parte um trabalho.

Há comitês internacionais para a proteção de jornalistas, e alguns atuam aqui, inclusive com reação rápida. Quando vim para o Brasil pela primeira vez, em 1998, estávamos tentando justamente expor a realidade para muitos jornalistas do mundo. Mostramos o caso de um jornalista morto. Lá fora todo mundo considera o Brasil pacífico. Mas, se você vai ao interior, você vê a realidade. A novidade é que agora essa violência está entrando nas grandes cidades.

E por que isso acontece?

Porque vocês não protegem quem trabalha no interior. Eu lembro de falar com algumas pessoas que diziam que eles não eram jornalistas. Mas eles são os jornalistas que estão lá. E na cidade grande essas histórias não são cobertas. É tudo jornalismo. Você não pode dividir. Todo mundo exerce uma função diferente. Especialmente hoje em dia: a grande imprensa não é a dona de tudo. Você tem o celular, WhatsApp, Facebook e o Instagram, que mudam a dinâmica.

Como podemos proteger os repórteres, especialmente os que não tem apoio de uma grande empresa?

Esse é o perigo quando se trabalha para uma empresa menor. Acho que eles precisam agir com cautela quando tratam de certas histórias. Tenho certeza que eles estão investigando os assuntos mais importantes, mas ainda assim é necessário tomar precauções.

Além disso, as organizações de proteção à imprensa precisam agir mais e fazer mais treinamentos. Há vários na Europa e nos EUA, e as contrapartidas brasileiras deveriam se aproximar deles.

Um exemplo é o Dart Center, que todo ano oferece cursos e palestras sobre como cobrir conflitos, inclusive sobre temas específicos como a saúde mental dos repórteres. Isso não se discutia quando eu comecei, mas é uma reação natural do seu estado emocional ao cobrir violência por tanto tempo.

Outro assunto interessante é como cobrir histórias que envolvam crianças, o que tem sido essencial nos Estados Unidos por conta dos problemas na fronteira migratória. Os repórteres precisam aprender isso.

A senhora já esteve em algum lugar onde essa violência contra jornalistas acabou?

Acho que se os jornalistas não agem em conjunto, as coisas podem sair de controle. Pessoas podem morrer. Na Colômbia muitos jornalistas estavam morrendo e eles perceberam que precisavam se unir. Acabou piorando de novo, mas esse processo foi importante. Era necessário se proteger dessa violência causada por diferentes grupos de crime organizado e pelas forças policiais.

O que a senhora observou em comum da violência nos países em que já esteve? Quais são as similaridades?

Há um livro que diz que o próximo grande ciclo de violência será fortemente potencializado pelo crime organizado. O tráfico de armas, drogas e outras atividades ilegais vão impulsionar essas ações e a ruptura com a Lei. E isso está acontecendo por todas as partes. O Brasil, por exemplo, acho que está vivendo um conflito. Mas vale notar: muito já existia está sendo replicado. Isso não é novidade.

No final das contas, não tenho uma resposta. Mas o importante é se proteger. Outra coisa importante é não deixar buracos negros de notícias. Estive no México cobrindo uma história com outros dez jornalistas e vimos como se jornalistas não falam sobre algo, esse fenômeno acontece.

Lá a questão era que os Cartéis estavam decidindo que certas coisas não poderiam ser noticiadas. Então ligavam para os jornalistas e diziam “você pode falar disso e disso e não daquilo”. Vocês ainda não têm isso aqui. Mas precisam pensar nisso o quanto antes, de preferência se unindo.

E onde isso deu certo?

No México melhorou um pouco e depois piorou de novo. A política influencia nisso. Os governos mudam, e um pode entrar mudando completamente as propostas e agora o México está com uma violência extrema por todas as partes. Como se fosse o Rio de Janeiro, mas em diversas partes do país.

Uma saída pode ser falar com correspondentes estrangeiros. Eles querem saber do que está acontecendo. Se não é possível fazer uma colaboração tradicional, eles fazem a história primeiro e depois você repercute. É assim que colombianos fazem.

No auge da piora da violência por lá, quando havia bombas nas redações, e eles fizeram colaboração interna e externa entre jornalistas. Os repórteres estrangeiros têm uma visão diferente e podem ajudar a entender o contexto geral. Vale pensar que os grupos criminosos interagem, e copiam o comportamento uns dos outros em nível internacional.

Como está a situação nos EUA?

Por lá, principalmente, acontece o assédio online por conta do nosso clima político. Mas, ano passado, tivemos o assassinato de cinco jornalistas de uma redação. Só que, no geral, os grandes jornais dos EUA sempre tiveram uma grande segurança. E por lá temos muitas organizações que trabalham ativamente na segurança dos jornalistas.

Para a senhora, que já esteve aqui diversas vezes, qual é a grande questão para a imprensa brasileira no momento?

Acho que vocês precisam escrever mais para o público internacional. Já estive aqui outras vezes e sabia que o PCC existia em São Paulo e que há grupos criminosos aqui. Mas há sempre essa ideia de que está tudo bem no Brasil. É preciso dizer que isso está perigoso. Vocês precisam pedir ajuda. Os jornalistas brasileiros são muito bem vistos lá fora. Precisamos cooperar.


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Helio Gama Neto