‘A CENSURA É UM RISCO REAL E PRECISAMOS REAGIR’, DIZ PRESIDENTE DO SINDICATO DOS EDITORES

'A CENSURA É UM RISCO REAL E PRECISAMOS REAGIR', DIZ PRESIDENTE DO SINDICATO DOS EDITORES

11 de setembro de 2019
Última atualização: 11 de setembro de 2019
Helio Gama Neto

ÉPOCA – 10/09/2019

Para Marcos da Veiga Pereira, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) e sócio da Sextante, a mobilização popular e a vitória judicial contra a tentativa do prefeito carioca Marcelo Crivella (PRB) de censurar livros LGBT na Bienal do Rio foram só o começo. Apesar de crer na força das instituições democráticas brasileiras, Pereira afirma que a ameaça da censura é real e deve ser combatida com rapidez e contundência.

Numa rápida conversa com ÉPOCA, Pereira disse que o sucesso da Bienal — mais de quatro milhões de livros vendidos e 600 mil visitantes — trazem alento ao combalido mercado editorial brasileiro.

Que balanço você faz dessa edição da Bienal do Livro do Rio?

A Bienal colocou o livro no mais alto lugar de importância. Nessa Bienal, desde o começo, queríamos dar protagonismo ao livro e àquilo que ele traz de melhor para sociedade, que é oportunidade de discutir assuntos e contar histórias. Toda a programação da Bienal tinha esse objetivo. Os eventos de tentativa de censura e a reação só realçaram isso. Foi emocionante. No sábado (7), tivemos 102 mil visitantes. Estava difícil de andar nos corredores. As pessoas enfrentavam filas de mais de uma hora para tirar uma fotografia, conseguir um autógrafo de um autor e, em alguns casos, para comprar livros. Havia famílias, estudantes, adolescentes. A abertura das portas eram verdadeiros happenings: as pessoas saíam correndo, gritando, querendo chegar logo nos estandes e pegar senha para um autógrafo. A Bienal reafirmou para nós, editores, o sentido do nosso trabalho.

Marcos da Veiga Pereira em 2016 Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo
Marcos da Veiga Pereira em 2016 Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo
Crivella tentou recolher livros na Bienal, mas o resultado foi o aumento da vendas e repúdio à censura. O tiro saiu pela culatra?

Crivella deu superexposição para o evento. Esperávamos umas 80 mil pessoas no último sábado (7) e apareceram 102 mil. Esse público foi atrás de tudo, não só de livros LGBT. A manifestação do prefeito foi muito infeliz. Ele não prestigiou o evento. Não esteve lá. A única participação efetiva dele foi mandar recolher livros. Não sei o que o prefeito esperava, a que público ele se dirigia. Imagino que ele encontre algum eco no público que o elegeu. Mas, ao mesmo tempo, ele conseguiu criar uma reação contrária muito forte em parte da sociedade. As manifestações contra a censura, especialmente as judiciais, foram muito importantes.

Nós, primeiro, conseguimos um mandado de segurança para suspender o recolhimento dos livros ainda na sexta-feira. Depois, o presidente o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) caçou esse mandado, o que me causou muita surpresa, porque algo assim só aconteceria em casos de muita gravidade. Entramos com um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) e acordamos no domingo com a petição da Procuradoria-Geral da República (PGR) pela suspensão da apreensão dos livros, o que foi absolutamente espontâneo.

A PGR percebeu que se produzia no Rio de Janeiro um ato de ilegalidade que precisava ser interrompido. O ministro Dias Toffoli [presidente do STF] imediatamente aceitou o pedido da PGR e caçou a decisão do TJRJ. Foi um alento, um alívio, que nos confirmou que as instituições brasileiras são fortes e que podemos ter esperança na democracia.

Os leitores se mobilizaram rapidamente contra a censura e em defesa dos livros. Qual será o legado dessa mobilização?

Esse movimento reafirmou a existência de uma sociedade que quer discutir, que quer um mundo melhor. O Rio de Janeiro tem questões tão graves, tão importantes, mas o prefeito preferiu discutir o beijo gay de uma história em quadrinhos. No fim, a discussão pode até ser válida, mas a censura não é.

A censura é hoje um risco real?

Sem dúvida. Nós precisamos reagir com rapidez e contundência.

Envolvida em tentativa de censura por parte do prefeito Marcelo Crivella, Bienal do Rio acabou batendo recordes de vendas Foto: Leo Martins / O Globo
Envolvida em tentativa de censura por parte do prefeito Marcelo Crivella, Bienal do Rio acabou batendo recordes de vendas Foto: Leo Martins / O Globo
Como reagir?

Essa entrevista é um exemplo. Outro foi a manifestação do ministro do STF Celso de Mello, que enviou à imprensa uma nota muito contundente e contrária ao que estava acontecendo, a esse movimento retrógrado, às trevas. Nós precisamos ter voz. Precisamos reagir.

O youtuber Felipe Neto comprou 14 mil livros com temática LGBT para serem distribuídos na Bienal para desafiar as ordem de Crivella. Quão importante foi essa iniciativa?

O Felipe, como ativista, detonou uma operação de guerra. Imagine que entre quinta-feira e sábado ele abordou as editoras, abriu os estoques, combinou com a Bienal como faria para distribuir 14 mil livros. Foi um movimento de resistência, que chamou a atenção para a censura, para uma tentativa de tolher a sociedade.

O mercado editorial brasileiro vive uma crise severa há alguns anos. Essa movimentação em defesa do livro traz algum alento às editoras em dificuldade?

Traz, sim. Ainda temos muito desafios na cadeia de comercialização do livro. Não está fácil e as coisas não estão resolvidas. Mas temos que aproveitar esses momentos para manter a chama acesa. A Bienal terminou domingo, mas a vida continua. E nós continuamos publicando livros e buscando leitores. Nosso desafio de reverter um quadro difícil e voltar a crescer também continua.


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Helio Gama Neto