Tratamento ao assinante: o que precisamos melhorar

Tratamento ao assinante: o que precisamos melhorar

30 de abril de 2020
Última atualização: 30 de abril de 2020
Helio Gama Neto

ORBIS MEDIA REVIEW – 29/04/2020

ANA BRAMBILLA

– O jornal que vocês fazem até que é bom, mas todos os dias vocês entregam o meu exemplar pro vizinho e eu fico sem jornal! Daí não tem motivo pra eu continuar assinando.

Foi assim que ouvi minha Mãe cancelar a assinatura de um jornal impresso no comecinho dos anos 2000. A ligação definitiva foi feita após muitas promessas de que a entrega seria acompanhada e regularizada. Demos várias chances; todas foram em vão.

Histórias como essa, de descaso com o assinante, se multiplicam ainda hoje. Ocorre que a situação dos veículos já não é mais a mesma de 20 anos atrás e os assinantes se tornaram protagonistas de uma operação editorial. Ao menos, assim deveria ser.

Quanto mais a verba publicitária encolhe, mais o reader revenue se projeta como um caminho crucial à sobrevivência das empresas jornalísticas. E para a conta fechar, não basta investir em conversão. Manter o assinante pode sair mais barato do que conquistar novos. Este é um trabalho que não está apenas nas mãos do Comercial, do Marketing nem mesmo do SAC. É a redação, por meio dos seres humanos que dão alma ao produto editorial, quem se torna cada dia mais responsável por manter um relacionamento humano e próximo com o público – principalmente com o assinante.

Circulação e assinaturas
Os números referentes a assinaturas e circulação de publicações no Brasil são cheios de ressalvas. Por exemplo, ao longo de 2019, a circulação impressa dos principais jornais do país caiu 10% enquanto o digital crescia 11%. Quase empate, certo? Errado, porque a rentabilização da assinatura digital é muito inferior à impressa e insuficiente para sustentar a operação de um veículo.

Outro detalhe nos números do IVC é que a circulação paga de jornais digitais passou a ser contabilizada de forma diferente em outubro de 2018. Isso desenhou uma curva impressionantemente positiva nas assinaturas. Nela, passaram a contar assinantes que pagam até 60% de desconto sobre o preço de capa de jornais e até 90% de desconto nas revistas.

No começo de 2020, o IVC divulgava uma média de crescimento anual entre 6% e 7% para Folha e O Globo, enquanto Estadão e ZH caíam. No acumulado, o Estadão registrava aumento de assinaturas digitais e ZH ponderava que os dados do IVC não consideravam seu produto de maior circulação.

Uma peculiaridade mais, que independe do IVC, é que assinaturas de canais all news fazem parte de pacotes de TVs a cabo, composto por muito mais opções de entretenimento do que noticiosas. Por isso é tão difícil medir o grau de satisfação de um assinante que assista a Globo News, a CNN, a BandNewsTV ou a Record News isoladamente.

Mas vejamos o copo meio cheio: apesar da baixa receita que geram a veículos impressos e online, os assinantes chegam e é isso o que importa! Uma vez convertidos e bem antes de pagar preços mais altos, estes assinantes precisam e merecem um tratamento digno, capaz de fazê-los renovarem seus contratos muitas e muitas vezes.

Assinou! E agora?
O histórico da nossa indústria, no entanto, não fala bem da forma como nos relacionamos com assinantes ao longo das últimas décadas. Só nos últimos dois anos, problemas na assinatura corresponderam a 72% das reclamações recebidas por veículos nacionais em 2018 e a 65% em 2019. Os dados levantados pelo Reclame Aqui a pedido do Orbis Media Review se referem a 21 empresas jornalísticas brasileiras de mídia legada e digital.

No comparativo do primeiro quadrimestre dos três últimos anos (gráfico ao lado), a proporção de reclamações por assinaturas diante do total recebido pelos veículos se mantém, embora a tendência mostre que o setor vem reagindo ao problema.

Dificuldade no cancelamento é a principal insatisfação dos usuários, seguida por irregularidades na entrega e golpes sofridos em nome da empresa jornalística. Cobranças indevidas, acesso digital, ligações de spam e reembolso são outros motivos apresentados, mas em escala bem inferior ao três primeiros.

O assinante visto a longo prazo
Criar dificuldades para cancelar uma assinatura reforça a velha cultura em que a empresa vence o consumidor insatisfeito pelo cansaço e o leva a desistir do cancelamento. O jornalismo não é o único setor que sofre deste mal, marcado pela cultura do curto prazo e pela antipatia que se gera em torno da marca. Ao privilegiar um relacionamento de longo prazo com o usuário, o veículo precisa adotar métodos frictionless tanto na contratação quanto no cancelamento de assinaturas.

Uma alternativa é oferecer pausas no contrato, para que o usuário impossibilitado de pagar possa recuperar a assinatura sem um rompimento traumático de relações com a empresa. Quando o cancelamento se torna um empecilho além do normal, as chances de o assinante voltar são sempre inferiores. Nos últimos dois anos, embora 79% dos casos tenham sido resolvidos, 58% dos ex-assinantes disseram que não voltariam a fazer negócios com aquela empresa.

“É preciso ter paciência com este assinante”
Eduardo Tessler, jornalista e consultor na MidiaMundo, analisava a saúde dos veículos pós-Coronavírus durante um webinar promovido pela ANJ e ANER no último 16 de abril, quando fez jornalistas de várias redações colocarem o dedo na consciência: “A gente tratou o assinante muito mal, de uma forma muito errada”, cutucou.

Este não era o foco do webinar, mas a fala de Tessler deixou a sensação de que esta é uma reflexão não apenas necessária, mas urgente em qualquer redação.

Ex-correspondente internacional e diretor de redação foram alguns dos cargos ocupados por Tessler em vários veículos da mídia brasileira. Como consultor, ancorou a  integração de redações e transformações de empresas de mídia à era digital.

Desde episódios como um jornal que recusava o pagamento do assinante até pedido de provas de que a edição não havia sido entregue, as histórias de Tessler mostram que já é hora de aprendermos com nossos erros e de surpreendermos nossas audiências com um tratamento próximo e significativo para ambas as partes.

Orbis Media Review – Quando você diz que tratamos o assinante de uma forma muito errada, a que você se refere? O que fizemos de errado?

Eduardo Tessler – O leitor é o objetivo maior de um meio impresso. Sem leitores, você invariavelmente não terá anunciantes (que pretendem chegar àqueles leitores). Uma publicação sem leitores é um veículo “clandestino”, ninguém sabe que ele existe. Não repercute. Não ecoa. Não precisa existir. Aí você faz tão bem o seu trabalho que o leitor resolve antecipar o pagamento dos futuros exemplares e, em troca, apenas quer receber em casa em um horário estabelecido. Pois bem, está selada a relação de confiança extrema.

A partir deste momento começam os erros. Este cidadão não chegou ao final de sua relação, mas apenas ao começo. Só que a empresa considera essa pessoa “na carteira” e não se cuida em mantê-la nessa mesma carteira. O assinante quer apenas receber seu produto na hora marcada. E muitas vezes o impresso não chega. Aí ele precisa telefonar para reclamar (quando não avisam que reclamações são aceitas apenas por aplicativo… sendo que o assinante pode ter 80 anos!). Telefona e reza para que alguém atenda. “Aperte 1 para elogiar, aperte 2 para comprar outra assinatura, aperte 3 para indicar a gente a um amigo,….”). E começa o martírio.

Eu já vi cenas absolutamente surreais. Em uma cidade do interior paulista um senhor chega com o boleto mensal e o dinheiro para pagar e a recepção avisa que não pode receber. Que o assinante deve ir a um banco. Como? Ele não quer nada de graça, trouxe o dinheiro, e a empresa manda ele ir a um banco? Também vi um “call center” pedindo “provas” de que o exemplar não foi entregue: “o senhor tem certeza que um vizinho não roubou?”. Assinante precisa ser tratado com respeito, com dignidade.

Assinante deveria ter linha aberta com o editor-chefe, para comentar o produto, sugerir temas. Assinante deveria ser convidado para eventos, para promoções. Assinante deveria ter um eficiente sistema de call center à disposição (hoje a maioria das empresas têm um call center minúsculo para atuais assinantes e operações gigantes para buscar por novos assinantes. Estamos loucos?). Lamentavelmente tratamos muito mal nossos parceiros assinantes. E só depois a gente se dá conta que o esforço para buscar um novo assinante é enorme, mas é muito fácil perdermos assinantes. Depois, é quase impossível reconquistá-los.

Orbis – As razões pelas quais alguém assinava um jornal impresso são as mesmas de um assinante digital? O que cada um deles costuma demandar, se é que é possível fazer uma generalização?

Tessler – Em princípio a motivação é parecida: busca de conteúdo. Só que com o tempo as motivações foram se transformando e assumiram um perfil bastante peculiar. Há uma grande quantidade de jornais no Brasil, na Argentina e na Colômbia que não vendem o veículo impresso, mas um poderoso clube de fidelização. O assinante se dá conta de que, ao pagar aquele valor, poderá receber em troca tantos descontos em comércio e serviços que valem a pena, como investimento. E nem se preocupam se, ao mesmo tempo, recebem aquelas folhas de papel com tinta, que podem servir ao cachorro e ao gato. O negócio principal virou problema. Pior, isso acaba inchando os números de circulação; servem para convencer o anunciante da quantidade de leitores. Mas na loja do anunciante o telefone não toca. Pudera, o gato ainda não sabe telefonar.

A assinatura digital é diferente. É a necessidade de se ir mais fundo em algum assunto, a partir da confiança que tenho naquela marca e naquela “griffe” (o autor do texto). O assinante digital não quer ter limites de navegação; quer a liberdade de ir mais e mais longe nos links, no acervo, no conteúdo de qualidade.
Não se pode confundir com o assinante do PDF, que nada mais é do que o velho assinante do papel que não quer mais sujar as mãos e aprendeu a abrir arquivos. Este tem a mesma característica do leitor do impresso. Aceita um fechamento por dia. E para as empresas, trata-se de economia em logística.

Uma grande empresa jornalística do Brasil montou uma operação de guerra para fazer as assinaturas de PDF vingarem: comprou alguns contêineres de tablets da China. E oferecia “grátis” aos novos assinantes de PDF. Inicialmente parecia ter dado certo, tal o número de assinantes. Só que este número não se refletia em “assinantes que abrem o aplicativo para ler o PDF” daquele jornal. Ou seja, os tais assinantes apenas compraram um tablet subsidiado. E tiveram que conviver com aquela “chatice” do ícone do aplicativo da empresa.

Orbis – Num cenário de corte de salários, redução de jornada e completa insegurança econômica causada pela Covid-19, o brasileiro vai ter dinheiro para pagar por conteúdo jornalístico no médio prazo? Isso vai ser suficiente para sustentar as operações editoriais?

Tessler – Ótima pergunta. A resposta é sim, desde que o conteúdo tenha a qualidade que valha a pena. A questão será sempre a mesma: vale a pena? Eu ganho com isso? É um investimento ou um custo? É claro que, com menos dinheiro em circulação, a população escolhe prioridades. E meios de comunicação irrelevantes vão fechar; não há fórmula mágica. Mas veículos importantes, que agregam valor, que tomam posição, que ajudam as pessoas a viver melhor vão sobreviver. O problema maior parece ser a cegueira dos diretores do negócio. Um veículo só será indispensável quando a qualidade for excepcional. Mas quando os inevitáveis cortes na equipe começam pela redação, fica difícil segurar a qualidade.

O futuro se desenha em estruturas jornalísticas pequenas, com alma de startup, com receitas majoritariamente vindas da audiência. Os valores deverão ser dinâmicos, como nos aplicativos de carro. Mas é fundamental cobrar por conteúdo. A ideia de que na Internet “tudo é grátis” é um tremendo suicídio. Matérias “commodities”, que todos têm igual, são grátis. Mas análises precisam ser pagas. E produtos premium, como uma edição em papel, precisam ser muito bem trabalhados e muito bem pagos.

Orbis – Num exercício de olhar para o público ao invés de olhar ao veículo, qual a diferença entre o assinante do NYT e o assinante brasileiro?

Tessler – O assinante do NYT tem condições econômicas melhores que o assinante brasileiro, de modo geral. E ele encontra no NYT um produto de altíssima qualidade, feito inteligentemente por uma redação de 1.700 jornalistas; entre eles, os melhores analistas do mundo. Por isso é fácil entender que eles pagam os US$ 4,25 por mês com prazer (e há ofertas de até US$ 0,25 por semana, acreditando que o assinante vai gostar tanto que, um ano depois, será possível cobrar 10 vezes mais e mantê-lo na carteira).

No Brasil O Globo e Folha de S. Paulo estão no caminho: fazem um bom ensaio para a sustentabilidade digital. Ainda falta muita estrada, mas o modelo é correto – salvo pequenos deslizes. Convencer o interessado em virar assinante é um exercício diário. Mas só com ótimo conteúdo será possível virar essa chave.

Orbis – A Jennifer Brandel, da Hearken consultoria, diz que tratar bem o público depende de uma profunda mudança cultural nas redações. Como você enxerga isso? É por aí? Se for, como promover esta mudança cultural?

Tessler – Concordo 100%. O Winnipeg Free Press, do Canadá, montou um programa para levar seus jornalistas para o café da empresa (aberto ao público). A ocasião era para que os jornalistas conversassem com as pessoas da cidade. Esta é uma iniciativa simples, mas que funciona. As redações de hoje estão contaminadas pela preguiça, pelas entrevistas por WhatsApp. É preciso sair às ruas, ver gente, conversar. É preciso atender o telefone quando for um assinante do outro lado da linha. É preciso ter paciência com esse assinante, responder imediatamente suas dúvidas. Quanto foi o jogo do Flamengo? Como fechou o dólar? Em que cinema está passando tal filme? Que horas tem sessão? Ou seja, questões simples, mas que interessam ao assinante. Ele não quer um produto fechado, mas entende que a empresa de comunicações é uma facilitadora de sua vida, uma boa conexão com a sociedade.

Se os jornalistas começarem a entender que seu trabalho está diretamente ligado à manutenção dos assinantes – e isso for repetido como mantra – talvez algo mude.


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Helio Gama Neto