Sobrevivendo à era da ansiedade no jornalismo

Sobrevivendo à era da ansiedade no jornalismo

10 de janeiro de 2020
Última atualização: 10 de janeiro de 2020
Helio Gama Neto

MEIO&MENSAGEM – 10/01/2020

CLAUDIA PENTEADO

Na era do desmonte da indústria da mídia, é preciso buscar algo de visceral para avivar o desejo de seguir buscando fatos e contando boas histórias.

Desde que deixei meu último emprego formal como jornalista passei a refletir um bocado sobre o “desmonte” do modelo original de negócios do jornalismo no mundo inteiro e, especialmente, sobre o seu real valor para as pessoas.

É preciso estar com a autoestima bem em alta nesses tempos tão estranhos em que tanta gente acha que é jornalista, enquanto o verdadeiro jornalismo sofre ataques quase que diários que questionam sua credibilidade e colocam em cheque sua liberdade.

Nesse contexto, cheguei à fase da vida em que a maturidade faz brotar o desejo de questionar o verdadeiro sentido daquilo que se faz em diversas áreas – inclusive para ganhar o pão de cada dia. Se em diversos momentos da vida foi preciso engolir sapos e encarar missões desagradáveis em troca de avançar algumas casas no jogo da vida, daqui para frente o desejo é, definitivamente, o de evitar ao máximo as roubadas, e buscar novos sentidos e propósito nas tarefas diárias.

Nessa vibração, tenho ido fundo na investigação daquilo que me move nessa profissão, para eventualmente decidir se vale a pena seguir em frente. Ou se, como muitos colegas de profissão, recomeço em alguma outra área.

O fato é que sempre tive amor pelo jornalismo, mesmo sabendo que a área em que, circunstancialmente, me especializei – marketing e comunicação de empresas e marcas – foi, historicamente, muito pouco compreendida pela própria classe jornalística, sofrendo preconceitos – em tantos casos merecidamente, é preciso reconhecer.

Recebi, por três vezes, o prêmio Comunique-se, e sempre tive a impressão de que a maioria daqueles colunistas e repórteres de economia e política não tinham a mais vaga ideia daquilo que eu fazia, escrevendo para veículos como Meio & Mensagem e PropMark.

Sempre houve uma linha divisória entre a mídia especializada que cobre comunicação de empresas e a movimentação da própria mídia e o jornalismo diário feito pelos grandes jornais. Talvez porque o tema parecesse mais fanfarrão – quem sabe até meio “comprado” ou menos sério? Falar da comunicação das empresas, marcas e da mídia em geral entrou numa categoria à parte e deu origem a diversos veículos especializados como o Meio & Mensagem – pouco se misturando à cobertura do dia a dia das redações do jornalismo “tradicional”, digamos assim. Devo confessar que perceber essa linha divisória, especialmente em anos mais recentes, foi uma “crise de propósito”. Que, somada à “crise da meia idade”, me levou a inúmeras reflexões.

Passei a devorar mais livros sobre jornalistas e jornalismo em geral. A encantadora história do Jornal da Tarde, pelo olhar de Ferdinando Casagrande, as desventuras de Ben Bradlee, editor do Washington Post, no ótimo “A Good Life”, uma história da disrupção da mídia pela perspectiva (nada animadora) de Jill Abramson, ex-editora executiva do New York Times. Em seu livro (Merchants of Truth: The Business of News and the Fight for Facts), Jill chama, com propriedade, os tempos estranhos que vivemos no mundo das notícias, de “Era da Ansiedade”.

Tempos de fake news, de ameaças à liberdade de expressão e à democracia em geral, além da excessiva dependência de likes, page views e engajamentos no ambiente digital.

Mas a brisa do “novo capitalismo” e as discussões em torno da responsabilidade de cada um com o futuro do planeta reavivaram minha motivação pelo jornalismo – inclusive no mundo das empresas, no contexto da comunicação e da construção de marcas. É que subimos de nível no jogo.

Explico. A transformação imposta às empresas no mundo atual exige delas – e em especial das pessoas que as representam – uma nova postura e responsabilidade: um novo estar no mundo e na sociedade, que se reflete em ações de real impacto socioambiental.

Nada de green washing, diversity washing, ou qualquer tipo de lavagem fake. Já não há mais espaço pra roubar no jogo. E todo esse movimento, com sua nova consistência, me atrai bem mais que antes. Novas exigências deixaram a coisa toda bem mais interessante: embora o jogo sempre tenha sido pra valer, a muitos jogadores ainda era permitido se manter na categoria “café com leite” – ou, quem sabe, dar uma trapaceadinha. Isso acabou. A conta chegou, e se mantém escancarada, dia e noite, diante dos olhos bem atentos da plateia, em escala global – porque pode ser replicada milhões de vezes no ambiente digital. O preço de ignorar essa realidade… É sair do jogo. Game over.

Duas coisas, portanto, me fazem reconhecer valor no jornalismo que pratiquei nos últimos 20 anos. A primeira é o fato incontestável de que foi exatamente desta área – a comunicação das empresas – que saíram a maior parte das grandes ideias que ajudaram a sustentar a máquina do bom jornalismo, ao longo do tempo. Investimentos feitos em construção de grandes marcas ajudaram a mover os grandes veículos e o jornalismo para frente, e digo isso sem qualquer resquício de ingenuidade. Só não vê quem não quer.

A segunda constatação é a de que com o jogo mais sério, as pessoas ligadas às áreas da comunicação das empresas precisam ter ideias mais consistentes para as marcas que representam, com potencial crescente de causar impacto positivo no mundo. Pessoas de carne e osso estão por trás dessas ideias, encarando suas mazelas, reconhecendo e lidando com seus eventuais passados não tão nobres, e buscando escrever uma nova história como estratégia de sobrevivência. Como todos nós, diga-se de passagem.

Não existe herói perfeito, e gosto especialmente de um texto do Tal Ben Shahar em que ele diz que na história – se não em nossas próprias, na dos nossos heróis, ou na do mundo – nós sempre encontraremos remendos escuros, pontos amaldiçoados que mancham a pureza.

Portanto, nessa altura do campeonato, ninguém solta a mão de ninguém, porque estamos todos – inclusive jornalistas de todos os naipes e especializações – no mesmo barco. E nenhum de nós, como disse Gilberto Dimenstein, faz o vinho. Nós tiramos a rolha. Todo o encanto está em tirar a rolha das boas histórias que existem por aí, e espalhá-las, reconhecendo sua riqueza. E, mais uma vez citando Dimenstein, acredito de verdade que enxergar histórias do bem e para o bem é, sim, ter conexão com a vida. Segue o jogo.

Claudia Penteado é jornalista, estuda comunicação, filosofia e literatura, mora no Rio de Janeiro e acredita em capitalismo consciente. É leonina, mãe da Juliana e prefere ler livros em papel.


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Helio Gama Neto