SE DADOS COMPROVAM DESMATAMENTO, A CULPA É DOS NÚMEROS
ÉPOCA – 05/08/2019
CRISTINA TARDÁGUILA
Quando o governo Jair Bolsonaro não gosta de um dado — matéria-prima para o trabalho diário dos checadores de fatos —, ele age sempre da mesma forma: ataca quem o produziu.
Foi assim em abril, quando criticou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) por ter divulgado crescimento da taxa de desemprego, diferente do que ele próprio desejava.
Foi assim, de novo, na semana passada, com o diretor do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) Ricardo Galvão, que ousou falar em público sobre a alta no desmatamento da Amazônia e acabou colocando o assunto na pauta dos principais jornais e revistas do mundo.
Haja paciência.
Aos olhos de Bolsonaro, não pareceram confiáveis as informações oficiais extraídas por Galvão e seu time dos sistemas e programas mantidos há anos pelo próprio governo dentro do Inpe. Pareceu-lhe bem mais provável que Galvão estivesse atuando a “serviço de alguma ONG” meio-ambiental, disposto a manchar a imagem do Brasil no exterior — como chegou a afirmar o presidente ao ser perguntado sobre o assunto.
Então, para que não haja pano para fake news em torno do currículo do ex-diretor do Inpe, é importante dizer que, até onde os dados mostram, não há qualquer ligação dele com ONGs verdes. Galvão chegou à direção do instituto em 2016. Naquela época já era graduado em engenharia de telecomunicações pela UFF, já tinha mestrado em engenharia elétrica pela Unicamp e doutorado em física de plasmas aplicada pelo MIT, nos EUA. Havia feito livre-docência em física experimental pela USP.
Galvão é um nome respeitado na ciência nacional. É membro titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo e da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Entrou no Inpe pelas mãos do ex-ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações Gilberto Kassab quando lecionava como professor titular da USP e era presidente da Sociedade Brasileira de Física. Hoje, é membro do conselho da Sociedade Europeia de Física. Mas Jair Bolsonaro preferiu duvidar dele e dos dados. Optou por demiti-lo.
Enquanto isso ocorria em Brasília, a revista The Economist mandava para a gráfica um dos editoriais mais preocupantes sobre o Brasil. Num texto longo, escrito em inglês, a publicação sugere que a Amazônia está perto de atingir um grau de desmatamento irreversível e, por causa disso, disparou contra Bolsonaro: “É, possivelmente, o líder mundial mais perigoso para o meio ambiente”.
No texto, a The Economist usa números extraídos do Inpe (não só da gestão de Galvão) para mostrar a dura realidade que Bolsonaro insiste em negar. “Desde 1970, cerca de 800 mil quilômetros quadrados dos 4 milhões de quilômetros quadrados originais da Floresta Amazônica já foram perdidos para habitação, fazendas, mineração, rodovias, represas e outras formas de desenvolvimento. Isso representa uma área equivalente à da Turquia e maior do que a do Texas.”
A revista ainda ressalta que, neste mesmo período de tempo, a temperatura média da Bacia Amazônica subiu cerca de 0,6°C e que a região sofreu com secas — o que coloca em risco não só o Brasil, mas todo o planeta.
Bolsonaro, por sua vez, mantém falas como a seguinte: “Com toda a devastação de que vocês nos acusam de estar fazendo e ter feito no passado, a Amazônia já teria se extinguido”.
Haja paciência. E, para fazer frente a esse desarranjo, talvez também façam falta mais checadores de fatos ligados a questões ambientais. No universo da International Fact-checking Network (IFCN), rede mundial de checadores que dirijo desde março, ainda são poucas as iniciativas que têm o verde como foco prioritário.
Não restam dúvidas de que o exemplo do Science Feedback poderia ser replicado em outras línguas e países. Divididos entre Climate Feedback e Health Feedback , os fact-checkers dessa rede são, na verdade, links rápidos dos curiosos mundo afora com acadêmicos de ponta — um time de cientistas de primeira linha que se colocou à disposição dos fact-checkers para elucidar de forma rápida, objetiva e isenta temas sobre meio ambiente e saúde.
Galvão poderia fazer parte.