Reaprendizagem Criativa: o caminho para o jornalista experiente reencontrar o fôlego de principiante

Reaprendizagem Criativa: o caminho para o jornalista experiente reencontrar o fôlego de principiante

30 de junho de 2020
Última atualização: 30 de junho de 2020
Helio Gama Neto

ORBIS MEDIA REVIEW – 29/06/2020

VIRGÍNIA QUEIROZ

O mercado de mídia tradicional para os jornalistas encolhe ano a ano. É um fenômeno mundial que assombra os profissionais. A boa notícia é que, do outro lado da balança, cresce exponencialmente a demanda por profissionais da comunicação especializados em Marketing Digital. É uma tendência que há mais de uma década vem se desenhando. E, entendam, de uma vez por todas, que veio para ficar. Tem muito espaço para os jornalistas se reinventarem nesse nicho de mercado, mesmo estando nos veículos de mídia tradicionais.

Os grupos de comunicação estão ávidos por profissionais capazes de propor projetos e soluções que ajudem a dar relevância aos produtos. Na disputa pelas verbas de mídia, os veículos sistematicamente precisam inovar para se manter interessantes para o público. E o diferencial, além da credibilidade, é a produção de conteúdo.

Repensar os modelos de negócio e os produtos para atrair audiência e leitores já deixou de ser tarefa para a Alta Direção há tempos. Cabe a todos nós, jornalistas que somos, ocupar esse espaço e propor novos modelos de negócio e produtos. Mas aí vem uma questão: o que vamos fazer? Não há fórmula mágica e nem um único caminho! Cada um pode olhar as suas habilidades, seus interesses e propor soluções.

Mergulhados na rotina diária da redação, reconheço que as urgências e demandas dominam. Mas não deixem para se qualificar quando o mundo desabar na sua cabeça…

Hoje, em pleno distanciamento social – e incertezas no mercado -, observa-se o crescimento de oportunidades de trabalho para jornalistas nos anúncios do LinkedIn, grupos de Facebook e WhatsApp. As habilidades mais requisitadas são funções de social media: especialista de SEO, gestor de mídias digitais, criação de anúncios, monitoramento de redes, gestor de comunidade e a produção de conteúdo, expertise que a maioria dos jornalistas é craque e tira de letra.

O conteúdo de qualidade é capaz de engajar a audiência, dar credibilidade e fazer a diferença numa estratégia cuidadosamente desenhada para decolar no mundo digital. Vivenciamos o crescimento exponencial dos podcasts e o surgimento de startups que fazem curadoria de conteúdo. Além disto, está cada dia mais sólido o conceito de desintermediação de marcas: empresas investindo na criação de plataformas próprias e na produção de conteúdo customizado.

Neste “novo” mercado estão as vagas mais interessantes. Mas centenas de jornalistas enfrentam a barreira inicial para ocupar e concorrer a essas vagas: a qualificação nas ferramentas indispensáveis para trabalhar a comunicação no ambiente digital. E todos nós precisamos urgentemente desenvolver essas habilidades. Mergulhados na rotina diária da redação, reconheço que as urgências e demandas dominam. Mas não deixem para se qualificar quando o mundo desabar na sua cabeça…

Me fiz essa pergunta várias vezes: qual é a dificuldade? E parte do problema, penso eu, é que a dificuldade vem de bloqueios que carregamos ao longo da existência. Mudar hábitos e conceitos não é fácil. Exige um esforço e ter tempo livre para repensar e reaprender.

Parar para seguir
O tema é a minha, a sua, a nossa transformação digital, que todos falam, todos sabem que precisam, mas que não conseguem enfrentar o desafio e transpor as barreiras. Me fiz essa pergunta várias vezes: qual é a dificuldade? E parte do problema, penso eu, é que a dificuldade vem de bloqueios que carregamos ao longo da existência. Para citar alguns: bloqueio da tradição, do ocupado, do especialista e até bloqueio da geração. Mudar hábitos e conceitos não é fácil. Exige um esforço e ter tempo livre para repensar e reaprender. Digo que o “momento da pausa”, necessário pelo distanciamento social, é propício à abertura de novas frentes de aprendizado. Muitos jornalistas podem e devem aproveitar! E mesmo estando em veículos de mídia tradicionais, é possível manter o emprego vencendo o preconceito e se qualificar para atuar como um jornalista digital.

A minha intenção, ao organizar as ideias que apresento aqui, é compartilhar um pouco da minha vivência e da jornada que embarquei pra abandonar os hábitos arraigados, processos e rotinas que me acompanharam por três décadas na imprensa tradicional e que hoje me permitem manter ativa, interessada, necessária, criativa e ainda estar no mercado de trabalho. Como acredito que conhecimento é para ser compartilhado, trago alguns dos insights e experiências da jornada que me deu um norte e ganhou força no início de 2016, depois de ser demitida da empresa onde tive contrato formal de trabalho por 25 anos, jornadas extensas e exaustivas de trabalho. Tempo bom, de muito idealismo e com toda a estrutura para realizar o que a minha criatividade permitia. Mas se tudo mudou, não adianta ficar parado. É hora de agir!

Reaprendizagem Criativa
A minha jornada de conhecimento tem várias âncoras. Reaprendizagem Criativa é uma delas. Para reaprender, é necessário abandonar o que não nos representa mais e entrar, de cabeça, no processo de conhecer as tendências. Estamos neste momento: o que está posto já não nos representa. E o novo ainda está sendo desenhado, está em construção e quero fazer parte dele!

Há quatro anos optei por ser uma profissional liberal. Desde então fiz diversos cursos rápidos no Brasil e fora do país. Nessa altura da minha existência não adianta mestrados e doutorados. Há um mundo de oportunidades, muitas gratuitas, para ajudar o jornalista a entender o momento de transformação e muitas técnicas a serem aprendidas. E a cada novo evento me vem a frase de Sócrates, o filósofo grego “só sei que nada sei”… Meus interesses vão da comunicação a assuntos de Inteligência Artificial, decoração, mindfulness, o que se passa no Vale do Silício, nos grandes players do mercado da comunicação, no Tik Tok e outras plataformas que estão emergindo.

Quando não alimentamos pensamentos egocentrados, somos verdadeiros principiantes e podemos aprender alguma coisa nova, de fato.

Recentemente descobri que, intuitivamente, adotei no meu processo de requalificação e de reinvenção o shoshin, que é um conceito presente nas religiões e filosofias orientais, sendo um dos pilares do zen-budismo japonês. É também o título de um famoso livro da década de 70, de Shunryu Suzuki, “Mente Zen, mente de principiante”. Na prática, shoshin significa manter-se sempre aberto ao aprendizado. Isso inclui todas as formas de absorver conhecimento e habilidades.

Transportei o conceito para o meu desafio de mudança na Era da Informação. Incorporei no meu mindset que a transformação digital estava trazendo um grande impacto para a profissão que adotei por vocação e paixão. O jornalismo não estava morrendo, mas se reinventado, abrindo novas possibilidades de modelos de negócios e de empresas, de desintermediação dos veículos de comunicação como publisher e o surgimento de startups focadas em curadoria de conteúdo e publicações digitais de nicho.

Um marco no meu processo de reaprendizagem foi a decisão de fazer, em 2016, o curso Gestão de Empresas de Mídia do ISE, Instituição associada à Universidade de Navarra, na Espanha, um centro de estudo da Comunicação e da Transformação Digital. Vibrei! No ano seguinte, lá estava eu na turma do programa Estratégias Digitais para Empresas de Mídia. Conheci jornalistas que também estavam nessa jornada, interessados em abraçar o novo momento da profissão.

Muita discussão de casos e principalmente insights para pensar novos negócios. Contato com narrativas transmídia, projetos nativos digitais. Experiências no Brasil e noutros países. E a oportunidade de estar lado a lado com quem está pensando e fazendo o novo momento da mídia no Brasil. Uma troca muito rica que extrapola o aprendizado em sala de aula. Foi o início de um círculo virtuoso da minha reaprendizagem criativa. E uma ideia criativa é a soma de inputs que estão na sua cabeça. Daí vem a inspiração para você também fazer a transição para a comunicação na era digital.

A mente de principiante
Voltando ao conceito do “shoshin”. Nossa “mente original” é sempre rica e autossuficiente. É uma mente vazia e aberta a tudo. Há muitas possibilidades na mente do principiante. Mas poucas na mente do expert que eu acreditava ser como veterana do jornalismo. Suzuki Sensei explica o conceito: “na mente do principiante há muitas possibilidades. Na mente do perito há poucas”. Ou seja, se você acha que já aprendeu o suficiente sobre um determinado assunto, no nosso caso, jornalismo, bloqueia sua mente e perde a oportunidade de aprender cada vez mais. Quando não alimentamos pensamentos egocentrados, somos verdadeiros principiantes e podemos aprender alguma coisa nova, de fato.

Um jornalista com mente de perito deixa de tentar aprender novas habilidades porque acha que já tem conhecimento suficiente. E, especialmente no novo momento do jornalista, isso é mortal! Novidades aparecem o tempo todo. Ideias sólidas são derrubadas de repente. Abordagens novas sempre jogam luz sobre velhos problemas mal resolvidos. Assim, o mais importante é manter a sua mente de principiante.

E onde vou chegar com todo esse processo de Reaprendizagem Criativa? Eu não sei… E como a resposta para o futuro do jornalismo também não é simples, essa também não é uma resposta simples para os profissionais jornalistas. Tenho muitos webinares pela frente….

Hoje faço consultoria em Gestão de Empresas de Mídia, Planejamento e Desenvolvimento de Estratégias de Comunicação e Gestão de equipes, projetos de produção de conteúdo, formato de produção audiovisual e recentemente, projetos de Inbound marketing e Brand Publishing. Aprendo a cada novo desafio. O home office, compartilhado com afazeres domésticos, demandas da família e um equilíbrio melhor entre a vida profissional e pessoal entraram no meu dia a dia. Sou mais calma, mais serena, mais feliz!

 


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Helio Gama Neto