‘QUANDO TRUMP TERMINAR DE CHAMAR A IMPRENSA DE ‘INIMIGO’, QUEM SERÁ O PRÓXIMO?’, DIZ JIM ACOSTA

‘QUANDO TRUMP TERMINAR DE CHAMAR A IMPRENSA DE ‘INIMIGO’, QUEM SERÁ O PRÓXIMO?’, DIZ JIM ACOSTA

13 de setembro de 2019
Última atualização: 13 de setembro de 2019
Helio Gama Neto

ÉPOCA – 13/09/2019

Marina Gonçalves

O jornalista americano Jim Acosta, de 48 anos, é autor do livro “O inimigo do povo” (HarperCollins), que acaba de ser lançado no Brasil. Foto: Carlos Barria / Reuters
O jornalista americano Jim Acosta, de 48 anos, é autor do livro “O inimigo do povo” (HarperCollins), que acaba de ser lançado no Brasil. Foto: Carlos Barria / Reuters

1. Muitos acreditam que a imprensa ajudou a eleger Trump. O senhor acha que mentir deliberadamente é uma tática calculada? Trump distrai a imprensa no Twitter?

Pessoalmente, não acredito que a imprensa tenha ajudado a eleger Trump. Lembre-se, Trump era o candidato que liderava o Partido Republicano desde o início da campanha. A imprensa cobriu Trump e sua campanha como deveria cobrir. E é difícil saber exatamente se sua desonestidade é uma tática ou um traço de caráter. De qualquer forma, temos de esclarecer as coisas. O Washington Post estimou recentemente que Trump fez 12 mil declarações falsas ou enganosas desde que assumiu o cargo. Qual seria nosso senso de verdade e de realidade se a imprensa não o corrigisse? Como jornalistas, nossa missão é defender a verdade, não apenas noticiar os fatos. Trump pode pensar que está distraindo a imprensa no Twitter. Mas temos de cobrir seus tuítes. Ele é o presidente. Quando ele diz aos membros do Congresso para voltarem para o lugar de onde vieram, temos de informar isso.

2. É praticamente impossível ler seu livro, O inimigo do povo, e não fazer uma comparação com o atual governo brasileiro, principalmente no que se refere ao relacionamento com a imprensa. Jair Bolsonaro está seguindo os passos de Trump nesse sentido?

Eu estava no Rose Garden ( na Casa Branca ) quando Bolsonaro usou o termo “fake news” para se referir às reportagens de que ele não gostava. Isso foi impressionante. Parece que Bolsonaro está tentando aplicar o plano de Trump à política brasileira. Está acontecendo ao redor do mundo. A pergunta que devemos fazer é que tipo de mundo estamos entregando para a próxima geração, se é bom que nossos líderes eleitos se refiram aos repórteres como “o inimigo do povo”. Como escrevi no livro, Trump geralmente está em apuros quando chama a mídia de fake news. Provavelmente acontece o mesmo com Bolsonaro. Se eles estão gritando “fake news”, provavelmente estão sob pressão.

3. Nos primeiros meses de governo, Trump fez várias mudanças em seu gabinete, inclusive na equipe de comunicação. O senhor cita no livro uma disputa interna entre dois grupos principais. A equipe de Steve Bannon perdeu a batalha?

Sim, perdeu a batalha. Mas, sob muitos aspectos, suas ideias ultranacionalistas não. Outro alto funcionário, Stephen Miller, permanece dentro da Casa Branca e está comprometido em promover essa agenda, que inclui demonizar os imigrantes para obter ganhos políticos.

4. De que maneira o novo governo mudou o modo como o senhor trabalha e como isso afeta o relacionamento com fontes dentro do governo?

A maior mudança é que a Casa Branca parou de manter reuniões regulares com a imprensa. Essas entrevistas coletivas, com Sean Spicer e Sarah Sanders, foram uma parte importante do processo de coleta de notícias para os repórteres. Agora temos de confiar em fontes anônimas dentro da Casa Branca e do governo. Isso torna nosso trabalho mais desafiador. Felizmente, há pessoas dentro do governo que querem ajudar a imprensa a encontrar a verdade.

5. Como foi ver suas credenciais serem suspensas? (Decisão depois revogada pela Justiça). O senhor acha que isso pode lhe acontecer novamente e também a outro jornalista?

Pensei que poderia ter sido o fim de minha carreira. Mas, mais importante, uma revogação permanente de minha credencial teria um efeito assustador sobre a imprensa nos Estados Unidos. É muito possível que outros governos, nos EUA e no mundo, seguissem o exemplo de Trump. Recentemente, a Casa Branca tentou suspender a credencial de outro jornalista, Brian Karem. O governo também perdeu nesse caso. Espero que Trump desista dessa tática. Mas, em minha opinião, ele continuará tentando. Foi muito perturbadora a presença de seguranças armados em minha casa por 72 horas depois de uma ameaça de morte que se seguiu à decisão do juiz de meu caso sobre a credencial de imprensa. Lembro-me de estar jogando futebol americano no quintal da frente com meu filho enquanto um segurança observava com uma arma na cintura. Repórteres não deveriam ter de viver assim nos EUA. E sim, ainda temo que um jornalista possa ser ferido como resultado da retórica de Trump.

6. O senhor faz várias comparações do atual governo com Cuba, onde seus pais nasceram. A democracia americana está em risco?

Meu pai veio de Cuba para os EUA em 1962, três semanas antes da Crise dos Mísseis Cubanos. Sou muito orgulhoso de minha herança cubana. Mas não quero que os EUA se tornem parecidos com Cuba. Em Cuba, não há liberdade de imprensa. O povo cubano não decide qual é a verdade. O governo faz isso. Esse não é um caminho que queremos seguir. A democracia americana está sendo testada. Nunca tivemos um presidente dos EUA se referindo à imprensa como “o inimigo do povo”. A pergunta a fazer é: quando Trump terminar de chamar a imprensa de “inimigo”, quem será o próximo? Em última análise, as pessoas devem decidir por si próprias se esse é o tipo de futuro que desejam para seus filhos.

7. O senhor acredita que o “muro” será construído?

Com o governo dividido, é altamente improvável que Trump consiga construir o muro que prometeu em 2016. Ele pode ser capaz de construir algumas partes dele aqui e ali. Mas os democratas não lhe darão todo o dinheiro de que ele precisa para terminar o trabalho.

8. Embora o senhor tenha visto uma multidão crescente de fãs de Trump em todos os eventos da campanha, acreditava na vitória de Hillary. E agora? Trump poderá ser reeleito?

Não achei que Trump pudesse vencer após a controvérsia do Access Hollywood ( Quando Trump usou termos vulgares para se referir a mulheres em uma conversa com o apresentador Billy Bush ). Sua campanha também não. Agora, acho que Trump poderá ser reeleito. Mas ele enfrenta uma ladeira ainda muito íngreme. Está atrás ( nas pesquisas ) nos estados da “muralha azul” ( que votam tradicionalmente nos democratas ), como Michigan, Wisconsin e Pensilvânia, que lhe deram a Presidência em 2016. A economia dos EUA é fundamental. Se a economia enfraquecer a caminho da corrida para 2020, será quase impossível para Trump ganhar um segundo mandato. Mas, como você deve entender, não estou mais fazendo previsões.


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Helio Gama Neto