QUANDO A VÍTIMA PREFERE NÃO ENFRENTAR AS FAKE NEWS
ÉPOCA – 30/07/2019
CRISTINA TARDÁGUILA
De Bolsonaro a Glenn Greenwald, figuras em evidência no noticiário hesitam em combater informações falsas, o que resulta em mais ruídos de comunicação.
Na última sexta-feira (26), em meio ao pico de conteúdos falsos relacionados à Operação Spoofing , feita pela Polícia Federal para prender um grupo de pessoas supostamente responsáveis por hackear centenas de celulares no Brasil, um novo problema passou a alarmar os checadores de fatos brasileiros. E se as vítimas de fake news não têm lá essa pressa toda para pôr fim à boataria a seu redor ? E se parecem desinteressadas ou cansadas em combater a mentira contada sobre elas? O que fazer? Como fica o fact-checking? Pior: como fica o consumo de informação como um todo no país?
Num mundo ideal, perfeito, quem é alvo de acusações mentirosas deveria reagir com presteza. Abriria o verbo. Faria postagens no Facebook. Gritaria muito no Twitter. Se possível, divulgaria documentos originais para esclarecer os fatos e restabelecer de uma vez por todas a verdade.
No mundo real, no entanto, já existe um dualidade. Entre aqueles que são alvos constantes de fake news, há quem diga que está cansado de combatê-las. Há quem diga que não adianta lutar contra elas. Há quem diga que é enxugar gelo. Mas estariam essas pessoas contribuindo para o aumento do ruído e da desinformação como um todo? Surge então um dilema: o privado versus o público. Dar de ombros é mesmo a melhor saída numa sociedade repleta de notícias falsas?
Nos últimos dias, as redes sociais se inflaram de “notícias” sobre o jornalista Glenn Greenwald, editor do The Intercept Brasil. Desde junho, o site vem publicando reportagens baseadas em mensagens vazadas do Telegram de pessoas poderosas (entre elas o ministro Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato).
Quem leu sobre Greenwald nas redes sociais “soube”, por exemplo, que o jornalista havia sido “visto” deixando o Brasil, no que seria uma fuga relacionada às prisões da PF. Em um post de Facebook, afirmavam que ele tinha sido “preso no aeroporto” (sem mencionar exatamente qual) ao fazer seu check-in no guichê da American Airlines. Falso.
Também foram postadas nas redes “notícias” sobre o editor do The Intercept Brasil ter sido acusado de “atentar contra a segurança do Reino Unido” e sobre ter sido decretada sua prisão preventiva. Essas informações foram classificadas como falsas por diversas plataformas de verificação que acionaram fontes em aeroportos, na Justiça e até mesmo na própria polícia.
Mas, na última sexta-feira, uma “nota” dependia de Greenwald para ser verificada — e o tempo que ele demorou para se posicionar sobre o tema pode ter ajudado a alavancá-la.
O site Terça Livre publicou que o jornalista havia sido internado às pressas em uma clínica da Zona Sul do Rio de Janeiro por causa de uma overdose de cocaína. Citava dois hospitais e usava o verbo no pretérito perfeito.
Os checadores apressaram-se em se debruçar sobre a informação. As duas unidades médicas citadas foram contatadas e afirmaram, em poucas horas, que o jornalista não estava internado lá naquele dia. O marido de Greenwald, o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ), publicou, por sua vez, um vídeo mostrando que Glenn estava em casa, lendo jornais pela manhã. Parecia bem, confortável e tranquilo.
Mas, aos olhos dos verificadores de fatos — pessoas que duvidam por essência —, ainda não era o suficiente para cravar um “falso” na informação do Terça Livre. A publicação original “informava” que Greenwald tinha sido internado no fim de semana anterior — não naquele momento. E esse dado não havia sido abordado de forma direta nem pelos hospitais nem por Miranda. Era possível, portanto, que fosse real.
Questionado pelos checadores sobre esse ponto em específico, Greenwald preferiu permanecer um tempo em silêncio.
Nem o The Intercept Brasil nem a assessoria de Miranda — que, por vezes, serve de ponte de comunicação com Greenwald — pareceram dispostos a negar de forma clara e contundente a internação que teria ocorrido entre os dias 21 e 22 de julho. O entorno do jornalista passou a dizer que não tinha tempo para “desmentir fake news” e que a atitude de quem espalha desinformação é “baixa demais” para merecer atenção.
Só após muita insistência por parte dos checadores, uma lacônica nota com a frase “eu nego que estive internado por causa de drogas. Isso é mais uma fake news” foi enviada à Agência Lupa na tarde da sexta-feira. Na frase, no entanto, nem uma palavra sobre o questionamento referente ao momento da possível internação do fim de semana anterior.
Minutos mais tarde, no entanto, uma postagem feita pela coluna de Ancelmo Góis trouxe um fato novo: Greenwald havia sido, de fato, internado no dia 22 de julho, para fazer um cateterismo. E os checadores se perguntaram: não teria sido mais eficiente uma comunicação clara desde cedo? Por que a demora?
Antes de Greenwald, outras vítimas de notícias falsas tiveram reações semelhantes. Deve ser, de fato, desgastante estar o tempo todo de prontidão para desmentir impropriedades ditas sobre você. O Brasil ouviu isso do ex-deputado federal Jean Wyllys há alguns meses, quando ele abandonou seu mandato e deixou o Brasil.
Os checadores de fatos já perceberam isso também com o presidente Jair Bolsonaro. Em 2018, durante a campanha eleitoral, era comum recorrer ao então candidato e obter dele posicionamentos sobre notícias falsas citando seu nome. Hoje, o Planalto não costuma responder sobre nenhuma delas. Sera estafa, enfaro ou apenas falta de tempo?
Mas, do ponto de vista dos checadores, é importante lembrar aquele clichê — o das reputações. Um indivíduo pode levar anos para construir uma boa imagem e apenas alguns segundos para destruí-la. A omissão de informação clara e definitiva num momento de crise põe em risco não só a figura pública, mas todo o ecossistema noticioso. Vale aqui a reflexão.