PRIMEIRO SEMESTRE DO GOVERNO BOLSONARO PREOCUPA ESPECIALISTAS EM TRANSPARÊNCIA
ÉPOCA – 11/08/2019
Daniel Salgado e Bárbara Libório
A discussão sobre a veracidade dos dados do desmatamento na Amazônia protagonizada pelo presidente Jair Bolsonaro e por Ricardo Galvão, então diretor do Inpe , não foi o primeiro motivo de preocupação dos especialistas na transparência política em 2019. Desde sua posse, Bolsonaro — que acabou exonerando Galvão — não se furtou de questionar dados produzidos pelos próprios órgãos do governo ou escondeu a intenção de reduzir diversos mecanismos de participação da sociedade civil em sua administração.
Em julho, por exemplo, o presidente anunciou que extinguiria a maioria dos conselhos ligados à administração do governo federal. Segundo a Casa Civil e a Advocacia Geral da União, o plano é reduzir o número de colegiados de administração direta e indireta de 2.593 para 303. De definição abrangente, a medida pode afetar fóruns, conselhos, grupos de trabalhos e uma série de outros espaços de participação da população na elaboração e fiscalização de políticas públicas.
“Em outro contexto, com um governo disposto a refazer as coisas de uma maneira boa, poderíamos reconhecer que alguns espaços não funcionam ou foram capturados por pautas político-partidárias. Não seria ruim, é uma arrumação e poderia gerar uma conversa sobre novas bases. Mas este governo dá sinais de que não tem familiaridade com os pilares do governo aberto”, disse Fabiano Angélico, especialista em Transparência.
O conceito de Governo Aberto, que é composto de quatro pilares — participação da sociedade, transparência, uso intensivo de tecnologia e prestação de contas — motivou a criação de medidas como a Lei de Acesso à Informação e a adesão do Brasil como um dos membros fundadores da OGP (a Parceria pelo Governo Aberto), ambas em 2011.
“A participação e a transparência são fundamentais para que a sociedade possa controlar o que o Estado está fazendo. Não só o governo, mas todos os poderes” disse Laila Bellix, cofundadora do Instituto de Governo Aberto e mestre em gestão pública: “E há outros benefícios para a abertura desses dados, que ajudam no desenvolvimento de ações na sociedade civil e até de empresas para impulsionar a economia ”.
Em abril, nos 100 dias de sua gestão, Bolsonaro anunciou a extinção de todos os colegiados que não fossem previstos por lei até o final de junho. O que colocou em risco órgãos que tratam do trabalho escravo no país, do combate à discriminação de LGBTs e de políticas indigenistas. Cabe, porém, aos respectivos ministérios repassarem à Casa Civil quais serão os 303 colegiados mantidos, o que ainda não foi totalmente determinado.
“Ele mistura diferentes instâncias como conselhos de política pública e colegiados. Acaba entrando tudo num balaio só. É preciso um diálogo com a sociedade para que essa decisão seja tomada. Os conselhos são o primeiro crivo e contato entre a sociedade e poder público. Esses conselhos existem desde a redemocratização e são fundamentais para o diálogo e validação”, explicou Bellix.
Outro pilar da transparência é o monitoramento da abertura de dados dos órgãos governamentais. Antes da alçada do Ministério do Planejamento, que foi extinto, a responsabilidade agora é da Controladoria Geral da União (CGU), que afirma que 141 já órgãos haviam publicado Planos de Dados Abertos. Até junho, porém, apenas 52 deles estavam em dia com as bases programadas em seus cronogramas.
A análise do andamento da liberação desses dados, porém, está prejudicada. O Comitê Gestor da Infraestrutura Nacional de Dados Abertos, que auxilia nessa cobrança, não se reúne desde o ano passado. Segundo Manoel Galdino, diretor-executivo da Transparência Brasil e membro do comitê, a demora pode ser preocupante:
“Eles demoraram muito para publicar o decreto para regular o comitê. Demora em parte porque é um novo governo e porque essa função saiu do Ministério do Planejamento e foi para CGU. Ainda assim, é um sinal ruim para quem trabalha com dados abertos. Preocupa que possa haver uma falta de empenho do governo para cobrar esses órgãos.”
Ao questionar publicamente a idoneidade e a metodologia dos dados do Inpe sobre o desmatamento no Brasil — que chamou de mentirosos e a “serviço de alguma ONG” — Bolsonaro acaba criando entraves para toda produção de números sobre a realidade do país, dizem os especialistas ouvidos por ÉPOCA.
A deslegitimação dos órgãos de pesquisa do Estado e a redução de seus orçamentos, como no caso do Censo de 2020 que teve 20% das perguntas cortadas, causa um impacto em levantamentos de dados conduzidos há décadas.
“A confiabilidade e independência na produção de dados são fundamentais para a transparência. Se o governo decide que os dados que não agradam devem ser revistos por critérios políticos, você vai prejudicar a transparência no país e as políticas governamentais. Esses dados são um patrimônio da sociedade brasileira”, argumenta Galdino.
Bellix concorda com a visão e explica que a postura do governo federal também está passando a ser vista em outras esferas, como a estadual: “O governo de São Paulo não fará mais parceria com a DIEESE, que publica dados sobre o emprego na região. Isso é avassalador para a capacidade de coletar e analisar dados com base em evidências e estáticas e assim formular políticas públicas”.