POR QUE A TECNOLOGIA 'NÃO FUNCIONA' NA ESCOLA?
ÉPOCA – 18/10/2019
FABIO CAMPOS
Quem trabalha com educação certamente já foi questionado se a tecnologia digital faz o aluno aprender mais, ou ainda se vale a pena investir em tecnologia para a escola. Minha resposta costuma ser sempre a mesma: depende. Não há como se chegar a uma resposta até que enfrentemos uma questão mais profunda: que tipos de aprendizado devem ocorrer nas escolas e universidades? Em escala maior, quais são as prioridades e avanços desejados para uma comunidade, estado ou até para o país? Infelizmente, o debate sobre EdTech — nome dado ao segmento de tecnologia educacional — costuma ser marcado por superficialidade e premissas duvidosas. É preciso primeiro reenquadrar essa conversa para compreendermos o que esperar da tecnologia.
Discursos messiânicos. É comum ouvir que os sistemas educacionais estão quebrados, que a escola parou no tempo ou que o professor é um dinossauro. A falácia da terra arrasada — um discurso para lá de equivocado e perigoso — logo dá espaço ao messianismo tecnológico, colocando produtos digitais como centrais para remediar a educação. Promessas exageradas , baseadas mais em marketing que em evidências, levam a expectativas infladas sobre o que aplicativos, tablets ou robôs podem realmente fazer pela educação.
Visões reducionistas. Quando a educação é reduzida a avaliações padronizadas, o impacto potencial da tecnologia também é diminuído. Há que se lembrar que a Educação — aquela com “E” maiúsculo — vai muito além de preparação para provas, e que tecnologia educacional pode ser muito mais do que uma ferramenta de treinamento e avaliação. Temas como criatividade, desenvolvimento da autonomia e engajamento cidadão, por exemplo, podem e devem ser ampliados pela oferta tecnológica. Reduzir a educação a notas e certificados significa limitar o impacto positivo que a tecnologia pode trazer.
Miopia criativa. Quem estuda o desenvolvimento de tecnologias educacionais sabe que é fundamental que o usuário final — seja ele professor, familiar, aluno ou gestor escolar — participe ativamente do processo criativo. Mas isso nem sempre acontece. É comum ver situações em que o público-alvo nem sequer foi consultado, ou apenas participou de simulações em laboratório, fora do caos desafiador que representa qualquer escola. Antes de perguntarmos se um produto de EdTech vai dar certo ou não, há que se questionar o caminho criativo adotado para se chegar até ele. Miopia criativa leva a premissas falsas e produtos fadados ao esquecimento.
O mito do “plug and play”. A tecnologia digital acelerou a forma como percebemos o mundo. É essa ansiedade por respostas instantâneas, somada a nossa eterna busca por automação, que pode fazer de EdTech algo mais parecido com uma geladeira do que com uma ferramenta para construção de conhecimento. Plugue a geladeira na tomada e deixe-a funcionando sozinha. Dê um tablet a cada criança e espere a mágica acontecer. Mas por que o aluno não aprende? Porque educação dá trabalho mesmo. Ensinar e aprender requerem mais do que atos mecânico como ligar/desligar, acertar ou errar, ou “baixar informação” para a cabeça. Educação precisa, entre muitas outras coisas, de reflexão, cuidado e diálogo constantes.
Ignorando o ponto cego. Instituições de ensino geralmente compartilham um mesmo ponto cego: atribuem insucessos a fatores externos e teimam em não olhar para dentro. É comum encontrar casos em que a tecnologia simplesmente ajuda a perpetuar modelos pedagógicos ultrapassados, centrados no professor, organizados em torno da memorização e avaliados unicamente através de erros e acertos. Esperar que iniciativas sedutoras, como distribuir um computador por aluno, resolvam problemas estruturais persistentes é ingênuo ou mal-intencionado. Em outras palavras, não é a tecnologia que vai modernizar a escola ou torná-la mais inovadora.
Isso significa que o rei está nu? É claro que não. Soluções de EdTech podem sim facilitar a colaboração entre alunos, ampliar as capacidades de professores, abrir as portas da escola para o mundo e gerar inúmeras possibilidades pedagógicas . Mas atribuir sucessos ou fracassos educacionais a sistemas e aparatos digitais faz tanto sentido quanto perguntar se tecnologias analógicas como lápis, borracha, giz ou quadro negro levam ou não ao aumento da aprendizagem.
São as perguntas erradas que levam a respostas sem sentido e debates infrutíferos. Para qualificar o debate nacional em torno de tecnologia educacional, é preciso primeiro enfrentar as questões fundamentais sobre a educação e não se deixar seduzir pelo fetiche digital.
Fabio Campos é pesquisador em Educação e Tecnologia na Universidade de Nova York e cofundador do Curso Invest, programa de educação popular no Rio de Janeiro