O que podemos aprender com a “arrogância” dos millenials?

O que podemos aprender com a "arrogância" dos millenials?

2 de janeiro de 2020
Última atualização: 2 de janeiro de 2020
Helio Gama Neto

ÉPOCA NEGÓCIOS – 02/01/2020

CLAUDIA PENTEADO

Gerações e gerações, nossos pais, avós e certamente quem hoje se avizinha ou chegou à casa dos 50 anos ouviram e repetiram frases como essas: “No pain, no gain”, “Deus ajuda quem cedo madruga”; “O único lugar em que sucesso vem antes do trabalho é no dicionário”; “Nunca conheci ninguém que tenha morrido afogado no próprio suor”; “Não há vitória sem sofrimento; “Não há sucesso sem dificuldade”; “Não existe trunfo sem perda”; “O sofrimento ensina mais do que as vitórias”, e por aí vai. São bordões que, de um jeito até bem-humorado, definem como verdade que para “ser alguém na vida” é preciso abrir mão dos prazeres, fazer sacrifícios, aguentar tormentos e chefes exigentes, abdicar da família e da saúde – tudo em nome de um objetivo bem racional: ter sucesso e ganhar muito dinheiro.

É este o sub-texto da crítica constantemente feita aos millenials (que tem entre 25 e 35 anos, mais ou menos), por parte das gerações anteriores, especialmente os workoholics cinquentões e sessentões de hoje: há preguiça e uma certa ordem de arrogância – ou quem sabe de audácia, desaforamento – em não se submeter a sacrifícios ou a chefes e condições de trabalho exigentes demais.

Ouço isso com frequência e, recentemente, ouvi o relato de uma executiva sobre como ficou irritada quando seu filho de 24 anos, formado em ciências da computação, abriu mão de trabalhar na IBM com um ótimo salário para ser funcionário de uma pequena startup, que lhe permite ir trabalhar de bicicleta, não ter horário fixo e produzir remotamente. E, claro, por ganhos menores.

Ela queixava-se que se por um lado achava aquilo interessante – o filho teria desenvolvido uma lista de critérios para escolher empresas onde trabalhar -, por outro sentia uma ponta preocupação. “Porque os boletos continuam chegando”, disse. E concluiu dizendo que sua geração foi mais fundo e se aprofundou mais, de uma maneira geral, nas coisas.

Depois de tantos sacrifícios em nome de sustentar uma família, por exemplo, não é fácil ouvir dos nossos filhos que tudo o que eles não querem é ser como nós na vida profissional. Querem trabalhar menos, ter mais tempo para o lazer, amigos (e, quem sabe, família), viajar mais, ter liberdade de pular de galho em galho quando bem entenderem, mandarem chefes às favas.

Tudo em nome da tal da qualidade de vida – conceito abstrato para tantos de nós, e especialmente para nossos pais e avós do pós guerra, que só sentiram um vislumbre dessa ideia em idade bem avançada, quiçá depois da aposentadoria.

O fato é que não há juízo de valor possível: inúmeros fatores e circunstâncias, épocas históricas e até uma certa dose de ignorância impossibilitam a condenação tanto do modus vivendi dos boomers (e das gerações anteriores) quanto dos millenials. O mercado de trabalho se transformou e continua se transformando profundamente. O mundo é inteiramente outro a cada década. As pessoas vêm mudando e desejando jeitos e formas diferentes de viver. E, claro, tendo que lidar com suas escolhas.

E mesmo entre as novas gerações, muitas delas continuam sendo feitas em nome de dinheiro e sucesso como se não houvesse amanhã – no Vale do Silício, em Wall Street, e por aí vai. A venda de almas ao diabo não cessa – e a conta chega, mais cedo ou mais tarde. No Japão, é grande o índice de suicídios ligados a pressão financeira, ambientes de trabalho e estudo abusivos, isolamento tecnológico. No mundo todo, nunca estivemos tão ansiosos, deprimidos e perdidos em relação ao futuro. Nunca nos medicamos tanto – para dormir, relaxar, fazer sexo, malhar, performar no trabalho ou nos estudos, esquecer, lembrar. Proliferam terapias (em suas inúmeras formas e possibilidades), mentorias, coaches, psiquiatras. Há muito mais maneiras de adoecer no mundo contemporâneo, do que de ser saudável.

Por isso, pessoas como o filho da executiva que eu entrevistei são exemplo de uma busca mais saudável de construção de carreira. Talvez optando por viver com menos. Uma vida mais simples pode ser libertadora. Porque os castelos que construímos para nós mesmos ao longo da vida demandam manutenção. E nem sempre geram alegria em doses proporcionais.

Nas conversas com líderes do mundo corporativo, percebo que há neles uma tentativa de não seguir o exemplo que tiveram ao longo de suas próprias carreiras, reconhecendo que melhores resultados brotam de equipes lideradas com mais empatia e humanidade. Não por acaso, denúncias de assédio no trabalho se tornam cada vez mais comuns. Novos jeitos de fazer as coisas no chamado mundo corporativo nascem da aceitação de que velhos métodos já não funcionam mais. E um dos erros clássicos, cada vez mais reconhecido pelas pessoas, dentro das empresas, é colocar resultados acima de tudo.

O novo normal é questionador por excelência, e isso é muito bom. E para encerrar, com votos de um feliz 2020, escolhi algumas frases motivacionais desse “novo” mundo do trabalho, mais identificado com os valores do universo millenial: “A maior recompensa pelo trabalho não é o que a pessoa ganha, é o que ela se torna através dele”; “Conhecimento não é aquilo que você sabe, mas o que você faz com aquilo que sabe”; “Tente de novo. Fracasse de novo. Mas fracasse melhor”; “A qualidade do seu trabalho tem tudo a ver com a qualidade da sua vida”.

Claudia Penteado é jornalista, estuda comunicação, filosofia e literatura, mora no Rio de Janeiro e acredita em capitalismo consciente. É leonina, mãe da Juliana e prefere ler livros em papel.


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Helio Gama Neto