O PAPEL DA IMPRENSA E O PAPELÃO DO PRESIDENTE
ÉPOCA – 09/08/2019
EDITORIAL
A frase é famosa. Thomas Jefferson (17431826), tido como um dos pais da pátria americana, escreveu a um amigo em 1787: “Se tivesse de decidir se deveríamos ter um governo sem jornais ou jornais sem governo, não hesitaria em preferir a última opção”.
O que poucos sabem é que a frase foi dita antes de Jefferson ascender ao poder. Vinte anos depois, ao comandar a Casa Branca por dois mandatos (1801-1809) e sofrer cobranças duras e naturais da imprensa, já estava menos seguro de seu valor. “Não se pode acreditar em nada que seja visto em um jornal. A própria verdade se torna suspeita ao ser publicada naquele veículo poluído”, reclamou.
O desconforto dos ocupantes do poder com a imprensa faz parte da natureza dos papéis de um e de outro. Apurar, produzir e publicar notícias em uma sociedade democrática significa também gerir conflitos, mediar interesses, apontar discordâncias.
Público bem informado significa cidadãos mais bem preparados para o exercício do cotidiano democrático, em favor de uma sociedade menos desigual, mais repleta de oportunidades, regida pelos valores da liberdade e da Justiça, confrontando nichos corrompidos, usurpadores de direitos estabelecidos e aqueles que pregam o escárnio a minorias e aos valores civilizatórios mais básicos.
Alimentar, retratar e estimular a discussão pública é um dever da imprensa. Políticos de formação autoritária, desvio de origem que só a democracia é capaz de aceitar e corrigir, preferem repetir o velho general que dispensava críticas construtivas da imprensa por desejar apenas os elogios que a vaidade verde-oliva lhe demandava.
Ao completar sete meses de governo, o atual mandatário mostra-se menor do que a faixa que envergou em sua posse. Move-se por querelas comezinhas, fustiga a paz social, envenena as relações políticas e cada vez mais distancia-se do republicanismo e decoro que o cargo exige. Até aqueles que acreditam que o histrionismo político é o novo normal, para usar a muleta de estilo em voga, percebem que quase nada vai bem, quase tudo vai mal.
Mesmo os esteios mais conservadores e que apoiaram a ditadura militar não se furtam de escandalizar-se. Para citar um exemplo, czar econômico do regime militar, Antônio Delfim Netto definiu a gestão atual como moldada por política diversionista, que coloca a cada dia falsos problemas, atrapalha as soluções dos problemas reais e dificulta o trabalho de alguns ministros que têm se revelado excelentes.
O presidente da República derramou vitupérios contra a imprensa e anunciou exultante que lançara mão de uma medida provisória para dificultar a saúde financeira de grupos de mídia. É fato que a sustentabilidade financeira é um dos pilares da independência jornalística. Engana-se o ocupante temporário do Palácio do Planalto, no entanto, quando acredita que casuísmos autoritários a farão perecer. A imprensa continuará viva, necessária e fundamental à democracia enquanto zelar por seu papel de crítica ao poder constituído. E fará do papelão de mandatários truculentos alimento para as lições da história.