O papel da comunicação na retomada
MEIO&MENSAGEM – EDIÇÃO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO/MAIO/2020
RENATO ROGENSKI
Além de lidar com novos protocolos em seus negócios, setor precisa ajudar marcas e público a restabelecer em as atividades produtivas — econômicas e sociais —, transformadas pela crise causada pela pandemia do Covid-19.
Leia abaixo a reportagem na íntegra.
Principal elo de conexão entre informações críveis sobre fatos ou marcas e a opinião pública, a indústria da comunicação sempre se colocou como uma peça relevante na engrenagem econômica mundial. No atual cenário de pandemia e isolamento social, com as pessoas mais interessadas em notícias confiáveis e entretenimento não presencial, e com grande parte do varejo físico de portas fechadas, sem contato com os consumidores, a atividade se torna ainda mais vital. Neste contexto, entre os grandes desafios para a mídia, os anunciantes e as agências está o de absorver os impactos comerciais e, ao mesmo tempo, manter a proximidade com o público por meio de conteúdo, mensagens e iniciativas relevantes. Para o futuro, o caminho exigirá a convivência com novos protocolos de segurança que se estabelecerão no pós-pandemia e um papel ainda mais decisivo da comunicação na retomada econômica e social.
Apesar da cautela natural em momentos de incertezas como o atual, e da necessidade de muitas empresas postergarem investimentos anteriormente planejados, estudos históricos e pesquisas recentes apontam que a inércia comunicacional pode não ser o melhor caminho. “Analisando os dados do nosso BrandZ Global desde 2006, percebemos que as marcas mais poderosas, que continuaram investindo ou aumentaram os seus investimentos em comunicação durante as últimas crises foram aquelas que se recuperaram mais rápido e cresceram até cinco vezes mais do que as outras que não mantiveram ou cortaram os seus investimentos”, afirma Sonia Bueno, presidente da Kantar Brasil. Presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap), Mario D’Andrea lembra que a atividade tem o poder de multiplicar as riquezas econômicas do País e, assim, contribuir para a diminuição do desemprego, como poucos outros setores. O executivo faz questão de destacar, inclusive, que promover o crescimento econômico é, de forma objetiva, a natureza da publicidade. “Estudos comprovam que a cada real investido em publicidade são gerados outros R$ 10,70 na economia. Essa força multiplicadora é fundamental para ajudar na retomada.” Para Luiz Lara, chairman do Grupo TBWA, a comunicação será fundamental para a retomada da economia porque com menos recurso disponíveis e menor disponibilidade de consumo, as marcas não poderão prescindir da publicidade em um mercado menor, ainda mais acirrado e competitivo. “Ganharão as marcas que saírem na frente com ofertas que deverão ir além da relação custo benefício, e que gerarão uma percepção de valor muito maior do que a etiqueta de preço”, afirma.
Múltiplos papéis
Para Eduardo Simon, CEO da DPZ&T, o fato da crise atual ter grande impacto na saúde, na economia, nos hábitos de consumo, na interação das pessoas com o mundo e nos canais de compra de produtos e serviços torna a comunicação uma peça-chave para reestabelecer o diálogo e conquistar a confiança do público, além de ajudar as marcas a entenderem de forma empática seu papel na sociedade pós-crise. Por todas essas razões, ele acredita que a atividade nunca foi tão necessária, técnica e complexa como agora. “As marcas precisam se retransformar do ponto de vista de comunicação, se recolocar nas conversas com as pessoas, e encontrar um propósito nesse momento em que a sociedade está passando por uma transformação tão dolorida e aguda”, avalia. Mas o chamado “novo normal” muda o papel das agências de publicidade? Marcio Santoro, copresidente e CEO da Africa, acredita que, na essência, não muda. Para ele, antes, durante e após a crise, as agências têm de atuar como parceiras estratégicas dos clientes, orientando-os como agir e se comunicar com o consumidor. Em sua visão, a comunicação é uma das únicas disciplinas que consegue olhar para o ecossistema como um todo e nortear as empresas a retomarem seus negócios. “Estamos valorizando conexões e relações, e isso está provocando o surgimento de grandes ideias e estratégias que devem nos guiar nesta nova era”, argumenta.
Além de ser fundamental para a retomada econômica, a comunicação também sofrerá um processo de ressignificação no cotidiano das pessoas no pós- crise, para Eduardo Schaeffer, diretor de negócios integrados em publicidade da Globo. “Momentos de incerteza, como o que estamos passando, nos fazem buscar parceiros que se mostrem dispostos a ouvir, compreender as demandas da sociedade e buscar soluções em conjunto” . Na procura do consumidor por conteúdo confiável, não apenas o jornalismo, mas a publicidade também precisa abraçar esse papel, na concepção de Miriam Shirley, CEO da Sapient AG2. “A postura que os consumidores esperam das marcas é de comprometimento, solidariedade e transparência. As pessoas estão atentas a isso e cobram um comprometimento real.” Ela também observa que, em tempos de isolamento físico e social, a internet e os dispositivos digitais tornaram-se ferramentas ainda mais importantes para que as pessoas se sintam conectadas e consigam manter uma mínima sensação de normalidade. Para a indústria de comunicação, isso significa atenção ainda maior às plataformas de experiências digitais, ao relacionamento com os clientes e aos sistemas de gestão de conteúdo online. Nos próximos meses, ela projeta que toda a indústria da comunicação deverá servir de instrumento de reconexão das pessoas com o mundo, das marcas com seus consumidores. “Teremos um longo caminho e muito trabalho a fazer” , prevê.
Intenções e atitudes
Outra missão importante da publicidade é informar e orientar sobre medidas que tragam benefícios para a qualidade de vida da população. Não à toa, a segunda onda da pesquisa Barômetro Civid-19, realizada pela Kantar, mostra que 88% dos brasileiros consideram que as marcas deveriam falar sobre como são úteis para o novo dia a dia provocado pela pandemia. “A publicidade tem essa força informativa e orientadora, ela é capaz de mostrar claramente as intenções, os pensamentos e as atitudes de uma marca que está preocupada em ajudar as pessoas. Quando passar a crise, essas intenções e atitudes jamais serão esquecidas pelos seus consumidores , frisa Mario D’Andrea. Em um momento tão delicado e complexo, seja em meio à pandemia ou no processo de retomada econômica e social, a sensibilidade no tom da comunicação também precisa ser observada. Ainda que pese a necessidade de equilíbrio, as marcas podem e devem chamar para si a responsabilidade de gerar um clima que estimule a resiliência e a necessidade de superação.
Para Eduardo Bicudo, CEO do grupo Dentsu Aegis Network Brasil, o negócio da comunicação tem a função de força motriz da motivação mais fundamental no ser humano, que é a de querer progredir. “A crise significa uma negação ao poder da autoestima, e a propaganda é um veículo de autoestima. O papel social da comunicação e da propaganda é não entrar no mood, mesmo em um momento em que todos sofremos, mas sim apontar para a continuidade”, analisa. O executivo também acredita que toda crise empurra a sociedade coletivamente para uma atitude defensiva, onde o módulo de sobrevivência provoca medos e se sobrepõe ao instinto de progredir, criar e seguir construindo. Por isso, o mercado não pode cair no que chama de “armadilha da profecia autorrealizável” , onde se instaura uma mentalidade negativa que só contribui para definhar o que já estava ruim. Como exemplo, Bicudo cita a General Motors, que na crise de 2001, logo após o ataque de 11 de setembro, lançou a campanha “Keep America Rolling”, que falava sobre ampliar investimento, além de união e compromisso diante da adversidade. “E a GM teve a mesma postura em crises mais recentes, quando em 2009, pediu concordata e repensou a produção, pavimentou o caminho, o jeito de ir ao mercado, e então, em 2015, registrou lucro histórico”, exemplifica.
Sem conforto
Outro papel importante da publicidade neste momento e no futuro é a sua capacidade de criar alternativas, produtos, serviços e modelos criativos para enfrentar problemas e melhorar a vida em sociedade. Na avaliação de Marcia Esteves, CEO da Lew’lara\TBWA, crises e cenários tidos como conturbados são bons para a criatividade, e podem ser oportunidades de sair da zona de conforto, propor coisas novas e testar caminhos. “Em menos de dois meses de pandemia, construímos hospitais. Montadoras de veículos consertaram equipamentos hospitalares. Engenheiros construíram ventiladores baratos e eficientes. Imagina o que a gente não pode fazer se isso for a ordem do dia, e não apenas uma medida provisória para um problema específico?” , questiona. CEO da Ogilvy Brasil, Fernando Musa também chama a atenção para a quantidade de grandes ideias que estão surgindo pelo mundo, e acrescenta que muitas dessas soluções são desenvolvidas pela indústria criativa, incluindo as agências de publicidade. “E isso não depende de festivais ou grandes eventos, mas sim de voltar a ver valor nas grandes ideias pelo fato de que elas podem trazer resultados” , frisa. Musa lembra que a indústria da comunicação trabalha com pessoas, vive de entender comportamentos, compreender o mundo e identificar as implicações disso nos negócios, propondo ideias e soluções que aproximem marcas de pessoas de forma relevante. “Que impacto meu produto, meu serviço, meu lançamento vai gerar? A comunicação deve agir para responder a essas perguntas, contribuindo com os negócios e, espero, com a sociedade, gerando impacto, informação e fazendo a diferença” , diz.
Nos últimos anos, essa busca por demonstrar utilidade na vida das pessoas e da sociedade já é uma constante para muitas marcas. Para David Laloum, presidente da Y&R, o contexto provocado pelo Covid-19 é um “acelerador extraordinário” desse movimento. “A maior parte das marcas está demonstrando uma empatia maior, que, além da comunicação, se traduz em ações concretas para ajudar os brasileiros a passar por esse momento extraordinariamente desafiador. Isso ajuda a melhorar a vida das pessoas, tanto sobre o plano funcional como no plano emocional”, avalia. Para as agências, Laloum considera que o principal desafio é acoplar o tático ao estratégico: passar o ano limitando as perdas de receita e preservando um equilíbrio financeiro mínimo que garanta a sustentabilidade, ao mesmo tempo em que se aproveita essa aceleração de novos comportamentos para forçar mudanças mais radicais nos modelos de trabalho e de negócios, como foco em propósito, performance e inovação. “Tudo isso em uma velocidade extraordinária e com menos dinheiro que já tivemos. Esses pontos vieram para ficar e moldar os próximos anos” , conclui.
Trabalho colaborativo
A relação entre agências e anunciantes, que durante muito tempo foi discutida sob o ponto de vista de perda de espaços estratégicos, é outro ponto de mudança neste momento, na opinião de Musa: “Ou você está dentro do cliente para resolver o problema dele, ou você não está.” “É necessário participar, de fato, da estrutura da empresa, não só por meio da publicidade, mas também em ações de negócios, de relacionamento e sociais. Óbvio que também somos uma empresa e temos nossas dores, mas, como prestadores de serviços, precisamos estar muito alinhados com o discurso da sociedade e com as necessidades dos clientes” , concorda Erh Ray, sócio e CEO da BETC/Havas. Para Eduardo Simon, a crise exige posturas inéditas de novas lideranças, e as atuais precisam se reinventar para lidar com situações muito difíceis e tomadas de decisões críticas. Além disso, cada profissional deve se transformar para encarar uma indústria muito mais técnica, focada em performance e disposta a provar o retorno de cada centavo investido. Neste aspecto, segundo o executivo, é preciso que as marcas e as agências reinventem suas relações. “É preciso que a gente remunere a forma como entregamos, produzimos e criamos. A indústria deve sepultar de vez modelos e relacionamentos antigos, pautados no pensamento de distribuição de conteúdo. Isso não existe mais, até porque os hábitos de consumo de meios se transformaram radicalmente nos últimos anos e foram completamente implodidos nessa crise”, argumenta.
Para Ricardo Dias, vice-presidente de marketing da Ambev, o momento atual, além de trazer lições e aprendizados, mostra que é essencial trabalhar em colaboração com os mais diversos times, empresas e instituições. “Tenho visto algumas marcas concorrentes se unindo e outras empresas de diferentes segmentos juntando forças em prol de um bem muito maior: a responsabilidade social”, afirma. Em sua forma de ler o contexto, há espaço para todo mundo quando o motivo maior é a construção de um mundo melhor e mais evoluído. “E nós podemos ajudar a acelerar essa evolução, construirmos junto com ela” , diz. Ricardo também acredita que todos serão profissionais de comunicação melhores após esse período e apresentarão ideias e soluções cada vez mais próximas do consumidor, de forma mais rápida e que abracem ainda mais as necessidades da sociedade em sua constante evolução.
Para Eduardo Tracanella, diretor de marketing do Itaú Unibanco, mais do que marketing ou publicidade, o desafio é sobre mostrar na prática a carta de intenções, as crenças, o jeito de pensar, cuidar e entregar valor das empresas. Em sua concepção, a pandemia vai desnudar valores e a crise vai separar os que se importam, os que vieram para ficar, para o que der e vier, dos aventureiros. “No fundo, o que se espera de nós é empatia e atitude. São duas perguntas que marcas e empresas precisam responder com a urgência e a seriedade que o momento exige: o que você fez por mim e pelo País para passarmos da melhor forma possível pela pandemia?” , questiona. Tracanella diz ainda que nos últimos tempos tem repensado muito o seu papel como profissional, não no Itaú Unibanco, mas no mundo. “Confesso que me incomodava o lado mundano e, circunstancialmente, com pouco significado de minha profissão. Porém, nesse momento, me conecto com força ao papel transformador do que fazemos e podemos fazer. Nunca imaginei, por exemplo, que fazendo o que sei fazer estaria contribuindo para salvar vidas”, afirma. Como exemplo, ele cita a participação no projeto Todos pela Saúde, aliança de profissionais que foi criada para ajudar a combater o Covid-19. Para ele, além de atuar no presente, é importante olhar para o legado que vai ficar. E cuidar para que ele se estabeleça verdadeiramente e não seja apenas um flerte fugaz. “Refiro-me à forma de trabalhar, a relações mais colaborativas, mais empáticas, mais solidárias” , conclui.
Contexto desafiador
Para se posicionar como essencial na retomada econômica do período pós- crise, a comunicação vai precisar também entender como nunca os novos hábitos do consumidor. Para Marcia Esteves, agências e anunciantes terão de lidar com a seguinte questão: fará mais sentido comprar de uma empresa que ajude o próximo ou aquilo que estiver na moda? “Aliás, o que será da moda pós-Covid-19? Nunca antes tivemos que consultar tantos especialistas, ler tantos artigos científicos, entender tanto dos assuntos que lidamos como agora. Nesse novo cenário, a comunicação terá um papel ainda mais fundamental, de levar explicações alicerçadas em conhecimentos, opiniões fundamentadas por especialistas e apoiar, por meio das marcas, a sociedade a encontrar novas formas de consumo e convívio” , prevê. Entre essas mudanças de hábito, é essencial entender como a adoção dos canais digitais tem acelerado o mundo omnichannel para o varejo, diversificado as opções de entretenimento e intensificado o consumo dos meios, gerando novas oportunidades de negócios.
Para Sonia Bueno, é importante que a indústria se adapte e aproveite oportunidades que estão surgindo. Para ter um exemplo, de acordo com os dados da divisão World panel, da Kantar no Brasil, o e-commerce cresceu 2,3 vezes em quatro semanas após o início do isolamento social. Quando se pensa em perspectiva de compra e consumo, a executiva também afirma que o mercado deverá esperar pessoas mais conservadoras. “Os gastos fora de casa antes da pandemia serão transferidos assim: 36% da população diz que irá guardar esse dinheiro para emergências e 21%, para pagar dívidas”, alerta. Com as empresas precisando dialogar com o público em um ambiente inóspito, a disciplina de relações públicas aumenta sua relevância.
Para Kiki Moretti, CEO do Grupo In Press, a área de comunicação corporativa escalou alguns níveis no atual cenário. “Estamos sendo consultados e ouvidos constantemente pelos C-levels” , revela. Em sua análise, o que diferencia o PR de qualquer outra disciplina neste momento é o seu dedo no pulso dos stakeholders, característica fundamental para lidar com um contexto tão sensível, onde todos os públicos precisam ser tratados com cuidado e o discurso não pode e não deve se descolar da prática. Como exemplo, Kiki lembra a quantidade de críticas a empresas por posicionamentos institucionais ou declarações de acionistas que estimularam a volta antecipada ao trabalho em meio à pandemia, o que os fez cair na tal “cultura do cancelamento”, na qual o público propõe boicotes a marcas e personalidades. Por isso, de acordo com Kiki, planos de gestão de crise de imagem e comitês de comunicação interna cresceram nas últimas semanas em um nível sem precedentes. Outro desafio para a indústria de comunicação, na forma de ver de Mario D’Andrea, é a preservação do que ele considera como maior ativo de todos: o capital humano. Isso significa que é hora de pensar no bem-estar das pessoas antes de tudo e entender que não há empresa saudável em uma sociedade doente. Por isso, não só o segmento, mas todo o sistema de produção e de serviços terá que reavaliar suas funções, demandas — muitas vezes desnecessárias, em sua visão — e custo de tempo e dinheiro — por vezes empregados em atividades não fundamentais. “Quanto ao profissional, fica ainda mais claro que entender o ser humano é mais importante do que entender Excel e PPT, entre outros. A vida real mostrou que tudo pode mudar num piscar de olhos” , define.
“A solidariedade tem que ser pragmática”
Com o olhar transversal de quem saiu do establishment das grandes agências de publicidade para outros negócios voltados à inovação, Alexandre Gama acredita no surgimento de uma nova era da comunicação a partir da pandemia. Para ele, a relevância do segmento para a retomada econômica só terá peso se realmente o mercado entender o chamado “novo normal”. “O mundo agora está dividido em dois momentos: AC e DC. E o C, infelizmente, não é de Cristo.”
Meio & Mensagem — Qual o papel da comunicação na retomada econômica pós-pandemia? Alexandre Gama — É claro que as empresas e a economia vão precisar de comunicação e publicidade após a Covid-19. Mas a comunicação só vai conseguir ajudar a retomada econômica se não voltar ao seu “normal” . No sentido de que o modelo anterior, que já estava caducando, foi forçosamente obsoletado e o novo ambiente pede soluções de comunicação duplamente novas. Outro ponto importante é entendermos que a própria indústria da comunicação e publicidade também está sendo afetada por essa crise. Não é como se a comunicação fosse uma vacina ou um remédio externo ao problema. A comunicação também é parte atingida. E é de dentro do problema que ela terá que ajudar. Mas a característica da indústria de serviço tem mesmo essa dinâmica: as empresas só ajudam a si mesmas quando ajudam as outras empresas em sua missão de vendas e crescimento.
M&M — E quais contribuições a comunicação pode dar para a vida em sociedade na superação deste momento difícil que o Brasil vive e viverá nos próximos meses? Gama — Mais do que toda a criatividade e inteligência que existe na atividade, agora é hora de se colocar uma mão na consciência e outra no coração.
É o momento de incorporar a solidariedade nos briefings e nos planos. Mas não a solidariedade-chavão do texto enfeitado, do manifesto pretensiosamente filosófico da marca, da apelação emocional verborrágica e fácil. A comunicação-mesmice, que fala uma porção de vazios em cima de imagens de arquivo bonitas para fazer a marca tocar as pessoas, está fora de contexto. A solidariedade tem que ser pragmática, tem que levar em conta a dificuldade das pessoas de consumir nessa crise e buscar soluções para ambos os lados, consumidor e marcas. A criatividade agora tem que ser de ideias que desemboquem em ações, mais que em texto ou imagem. É encontrar caminhos na forma de ações, produtos, novos formatos comerciais de venda. Acho que o planejamento criativo tem um papel desafiador e histórico também. Em vez de contar estórias, a comunicação agora tem que fazer história, com “h” maiúsculo.
M&M — A crise aprofunda as transformações pelas quais passam empresas e profissionais da indústria da comunicação? Gama — As transformações são brutais. Mas é mais brutal ter resistência às transformações. O modelo de consolidação e concentração de assets dos grupos e seu modelo de operação terá cada vez menos apelo no mundo DC. Quanto aos profissionais, digo: não esperem ser demitidos, busquem a transformação já. Aquela sen sação de nadar contra a corrente não é só uma sensação: é você nadando contra a corrente mesmo. E ela está ficando mais forte. Para os saudosistas, que entendo perfeitamente sentirem falta do maravilhoso mundo da comunicação e publicidade AC, cito Viktor Frankl, neuropsiquiatria austríaco e um dos autores mais estudados do mundo em psicologia e counseling: “quando a situação for boa desfrute-a, quando a situação for ruim, transforme-a, quando a situação não puder ser transformada, transforme-se” . O grande desafio pela frente, tanto para empresas como para profissionais, é se libertar do sucesso que trouxe a indústria até onde ela chegou cerca de uma década atrás. É ressignificar a palavra comunicação agora definitivamente esvaziada do sentido anterior.
M&M — Quais são as suas sugestões para que a indústria da comunicação saia fortalecida e ajude na retomada da ati vidade econômica e da própria vida em sociedade? Gama — A comunicação é um pilar fundamental da vida em sociedade e continuará sendo, porque somos seres sociais que não sobrevivem sem estar em contato. Já a comunicação mercadológica precisa entender primeiro como é a sociedade que sairá do lockdown. Porque há aí uma necessidade básica de entender quais as mudanças que o contexto traz para o comportamento desse ser chamado consumidor. Que nem sei se deveríamos continuar chamando de consumidor porque o termo implica alguns entendimentos que podem estar em mudança. Há uma etapa fundamental de pesquisa de comportamento para garantir que o novo diálogo que se queira estabelecer entre marcas e sociedade seja claro e na mesma língua. Quero primeiro entender para depois atender.
Olhar para o consumidor, além do consumo
Presidente da Kantar Brasil, Sonia Bueno, naturalmente, acredita nos indicativos apontados em estudos e pesquisas como uma bússola para orientar o mercado publicitário não apenas neste momento de isolamento social, como nas movimentações futuras e no processo de retomada da economia do País, após a pandemia. Neste cenário, informar, orientar e gerar ações de impacto social na vida do consumidor é essencial.
Meio & Mensagem — A importância da comunicação, incluindo a publicidade, será reforçada após a pandemia? Sonia Bueno — O propósito da comunicação e da publicidade em impulsionar o consumo e gerar conhecimento de marca serão fundamentais para a retomada econômica. Considerando todas as etapas de uma campanha de comunicação, desde o planejamento, passando pela criação e produção, além da veiculação, há uma longa cadeia que movimenta um grande investimento, garantindo trabalho para diversos profissionais envolvidos nesse processo. É um mercado que, por si só, movimenta uma grande parte da economia. A comunicação também tem um papel extremamente importante na construção e manutenção do mercado à longo prazo. Sabemos que em momentos de crise, a estratégia mais assertiva das marcas é achar meios de superar os desafios de curto prazo mantendo os investimentos na comunicação e em inovação para garantir o sucesso e a sustentabilidade do negócio.
M&M — Quais são os atributos mais relevantes da comunicação neste momento? Sonia — Um dos fatores mais importantes atrelados à comunicação é, sem dúvida, a informação. E, nesse momento, esse é um dos ativos mais relevantes para a população. Tanto que 40% dos respondentes da primeira onda do Kantar Barômetro, nossa pesquisa especial sobre a Covid-19 e seus impactos no mercado, disseram que estar preparados e bem informados é fundamental nesse momento de crise. Além disso, nossos estudos recentes nos mostram que uma das tendências que se intensifica nesse período é a importância do impacto das marcas na sociedade de uma maneira ampla, visando a construção de um mundo melhor.
M&M — Qual deve ser o principal aprendizado para o mercado de comunicação se preparar para o pós-crise? Sonia — Com tanta mudança, a comunicação precisa evoluir para criar um papel mais relevante, significativo e distinto na sociedade. Entender isso deixa de ser “nice to have” para ser mais essencial nas propostas de valor. Acreditamos que, após a crise, essa expectativa de empresas e marcas mais atuantes para ajudar a sociedade irá perdurar, visto que as pessoas depois de se acostumarem a ter o impacto social, não vão achar suficiente ficar apenas nas camadas valorizadas anteriormente. O impacto social fará parte do novo normal pós crise. Além disso, o Covid-19 é um catalisador para mudanças na forma como compramos e compraremos no futuro.
M&M — Quais mudanças você vislumbra nos campos da cooperação, empatia e responsabilidade social das empresas e profissionais? Sonia — Uma crise como essa faz com que as pessoas questionem o que realmente importa e dá margem para o ressurgimento dos valores humanos de pertencimento, humanidade compartilhada e senso de dever para com o coletivo. Dessa forma, o impacto social fará parte do novo normal pós crise. Como consumidores, iremos esperar isso das marcas e empresas com que nos relacionamos e acredito que isso irá acontecer em todos os setores. Tanto as empresas como os profissionais devem estar alinhados a esses novos valores. Do lado das marcas, algo que já vinha acontecendo, mas que também se fortalece mais ainda a partir de agora é o olhar para o consumidor além do consumo.
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