O inimaginável: como a Redação cobre a pandemia mantendo-se vibrante à distância

O inimaginável: como a Redação cobre a pandemia mantendo-se vibrante à distância

29 de julho de 2020
Última atualização: 29 de julho de 2020
Helio Gama Neto

O GLOBO – 29/07/2020

Maria Fernanda Delmas

Inimaginável, diríamos até pouco tempo atrás, se perguntados como um jornal poderia funcionar longe do burburinho da redação. Mas esta é uma história sobre como voluntárias solitudes viraram compulsória solidão e, rapidamente, reinvenção.

Jornalistas são moldados no calor humano. Alimentam-se da observação das ruas e da efervescência das redações. Só se recolhem em sua solitude para escrever ou ler mais concentradamente. E, então, veio o isolamento — a solidão.

Não foi assim de repente. Levamos algumas poucas semanas até chegar aqui. De pronto, foi para casa quem era parte de grupo de risco. Muitos outros ainda viveram a fase da obsessão com o álcool gel e o cumprimento de cotovelos. E, depois, onda a onda, testando gradualmente os sistemas de tecnologia e as rotinas de produção, fomos saindo da Redação física. As reuniões iam se esvaziando, os cafés perderam seu sentido, a cada dia mais carinhas sumiam da vista, até que a Redação virasse um espantoso cenário de filme distópico. Na penumbra e vazia.

Enquanto cobríamos freneticamente uma doença desconhecida, e que também nos pegou, criávamos um sistema que nos mantivesse como um centro nervoso. Precisávamos continuar vibrantes.

Paixão pelo ofício:profissionais contam como é trabalhar no GLOBO e ajudar a levar a informação adiante

Uma das lições mais simples e transformadoras dos manuais de inovação é esta: para resolver um problema, é preciso partir da pergunta certa. E a pergunta nunca foi como transportar as conhecidas rotinas da Redação para a casa de centenas de profissionais. A pergunta era como garantir que cumpriríamos o papel inegociável de informar o leitor com rapidez, precisão e contexto, em um momento em que o jornalismo profissional tem mais importância do que nunca, diante de uma doença tão terrível.

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Um breaking news, aquela notícia que soa o alarme numa Redação, percorre um sistema ágil e algo parecido com uma jogada de futebol. Repórter descobre a informação, toca para editor, que troca ideia com colega a seu lado, que aciona quem vai dar destaque no site ou no jornal impresso — e esse fluxo vai contagiando quem está ao redor. Hoje, não raro sentimos um estranho silêncio em casa, imaginando em que ponto do seu rumo está a próxima grande notícia: se no momento de ser apurada, fotografada, debatida, escrita, editada, publicada, contextualizada ou atualizada.

Mas o bom é que a notícia sempre acha seu caminho.

O jornalismo precisa do filtro do outro. Não, nessa profissão ninguém pode ficar sozinho com seu próprio julgamento. Também fomos treinados a fugir daquilo que o ser humano teimosamente insiste em fazer: tomar a experiência individual como o todo. Por tudo isso, era essencial manter os filtros. Revimos horários de conversas e debates, criamos grupos de mensagens, adotamos as reuniões por vídeo e mudamos nossa forma de coletar notícias. Não foi fácil, mas ninguém desistiu.

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Se para os meios digitais apertamos os botões remotamente, no Parque Gráfico, o trabalho presencial tinha de continuar. A higienização foi reforçada, e começou um rodízio de equipes — e de caronas solidárias.

A quarentena trouxe um efeito colateral curioso na relação com as fontes: derreteu a solenidade e a cerimônia. Não se começa uma mensagem ou telefonema sem a introdução “Espero que estejam todos bem por aí”. Nas entrevistas por vídeo, quem nunca espiou a biblioteca, o quadro ou a mobília do seu interlocutor? A fonte até se sente à vontade para contar que aprendeu a fazer feijão. As perguntas e respostas podem ser interrompidas por um latido ou pelo barulho de lavar louça, quando não por uma voz infantil dizendo “Tô com fome”. A hora em que chegam as compras do mercado é um evento à parte.

Às ruas — quando é preciso estar lá, estamos — só se vai com segurança multiplicada. Distanciamento, proteção e bom senso. A pandemia subverteu nossa lógica. Num momento histórico, normalmente jornalistas vão a campo gastar sola de sapato e voltam a uma Redação ávida por colher as impressões e novidades. Sentimos falta das ruas. Mas não apenas delas.

Como se cobre a História enquanto ela está acontecendo? Além da rua, com repertório. As experiências de eventos passados contam, é onde buscamos erros e acertos, contextos e testemunhas. Desta vez, começamos no escuro. No início, era uma avalanche de dados sobre algo grave e desconhecido até para a ciência. Vemos as dúvidas e certezas mudarem em tempo real. O desafio não é publicar um mar de informações. É buscar no palheiro o que realmente importa e traduzir, destrinchar.

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Toda pauta passou a ter relação com a pandemia, e deverá ser assim por muito tempo. Primeiro, todo mundo queria saber o que era o vírus, como combatê-lo, o que a ciência já sabia. As demandas da audiência foram se sofisticando: o baque na economia, o abre e fecha nas cidades, o estágio da doença nos outros países, o que dizia ou não o governo, a saúde mental no isolamento, a volta ou não da escola presencial, a vida que segue. E as notícias que dessem um pouco de leveza à rotina.

Unimos seções do jornal, adaptamos outras, viramos força-tarefa, criamos colunas de ciência, política e economia, lançamos newsletters, fizemos páginas históricas.

O futuro, ninguém arrisca. Mas sempre tentaremos partir das perguntas certas. Afinal, perguntar é o nosso ofício.


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Helio Gama Neto