O fim da era dos grandes nomes da propaganda

O fim da era dos grandes nomes da propaganda

22 de agosto de 2019
Última atualização: 22 de agosto de 2019
Helio Gama Neto

ÉPOCA NEGÓCIOS – 22/08/2019

CLAUDIA PENTEADO

David Droga, fundador da Droga5, uma das agências de publicidade mais bem-sucedidas e criativas do mundo, deu sua primeira entrevista outro dia sobre a venda, realizada em abril deste ano, para a “uberconsultoria” global Accenture.

Droga, um cara que parece meio bronco e tem o semblante um pouco enfezado (mas no fundo é um boa praça), criou sua agência em 2006. Na entrevista ao Ad Age, ele conta que o “namoro” com a Accenture durou cerca de três anos – pelas contas, começou exatamente quando a Droga5 completava 10 anos de existência.

Foi a maior aquisição na história da Accenture desde a sua fundação, em 2009, e um movimento estratégico importantíssimo para o grupo. E também um sinalizador interessante do próprio mercado, que marca a vitória dos grandes grupos globais na briga pelo controle da indústria da comunicação. A Accenture entrou no jogo para valer há alguns anos, e a compra da Droga5 parece ter sido sua jogada de mestre.

Só que talvez a jogada de mestre tenha sido de ambos os lados.

Em 2017, Droga recebeu no festival Cannes Lions o famoso prêmio Lion of St. Mark de contribuição ao mercado, premiação que costuma ser dada a pessoas prestes a se aposentar. Droga parecia, ao receber o prêmio, um pouco cansado da loucura. E num claro redimensionamento de valores, fez um balanço da sua vida, mostrando que havia chegado, nitidamente, ao topo.

Leões, por exemplo, já colecionava quase 200. Nas entrevistas, afirmava ser inquieto por natureza e desejoso de realizar muitas coisas. Inclusive, quem sabe, ser primeiro-ministro da Austrália, sonho que confessou acalentar. Seria esse o próximo passo do criativo, hoje com 51 anos, num futuro não muito distante?

Em 2016, quem recebeu o Leão de St. Mark foi Marcello Serpa, que já estava distanciado da publicidade há um ano, depois de transformar a AlmapBBDO em uma das agências mais criativas do mundo. Serpa saiu elegantemente (como é e sempre foi o seu estilo) da publicidade e foi morar no Havaí, onde passou a pintar quadros e surfar, precisamente aos 52 anos. Sua agência já pertencia a um grupo internacional, e seguiu ganhando prêmios desde então, sob o comando criativo de Luiz Sanches.

Cito Marcello aqui porque Droga chega agora, de certa forma, ao mesmo patamar em que ele, Serpa, decidiu sair triunfalmente do topo do pódio que ocupava. Droga tem praticamente a mesma idade que Serpa tinha quando decidiu sair da cena publicitária, com uma história levemente diferente, mas tão bem-sucedida quanto, repleta de vitórias e pouquíssimas derrotas pelo caminho.

Uma delas aconteceu no ano passado, quando Droga viveu um momento difícil na Droga5. No primeiro semestre de 2018, o CCO da sua agência em Nova York, Ted Royer, foi afastado por denúncias de assédio, e logo em seguida a agência perdeu duas contas importantes, registrando declínio em faturamento pela primeira vez na sua história.

Droga conta que no segundo semestre a agência se recuperou, vencendo nove concorrências. Mas desconfio que a experiência de tensão e incerteza daqueles meses tenham convencido Droga a finalmente vender a Droga5 para a Accenture, no início deste ano.

Marcello Serpa, que transformou a AlmapBBDO em uma das agências mais criativas do mundo (Foto: Getty Images)
MARCELLO SERPA, QUE TRANSFORMOU A ALMAPBBDO EM UMA DAS AGÊNCIAS MAIS CRIATIVAS DO MUNDO (FOTO: GETTY IMAGES)
Para uma pessoa que, como ele mesmo descreve, tenta constantemente equilibrar da melhor maneira possível um ego gigantesco a uma insegurança da mesma dimensão, a decisão de finalmente vender não espanta. Porque há um fato, inquestionável, nisso tudo: a publicidade vive um processo de disrupção capaz de atingir até mesmo empresas interessantes e inovadoras como a Droga5, com 600 funcionários em Nova York e Londres. Colaboradores que, neste momento, se perguntam: “Fomos apenas comprados ou estamos virando algo diferente?”

Possivelmente, o que deve ocorrer no médio e longo prazo é a transformação da empresa em algo diferente, que talvez não tenha o próprio Droga como figura central. E isso talvez não lhe cause o mesmo entusiasmo de outros anos. Como ocorreu com Marcello, a quem não mais interessava o jeito de fazer as coisas no mundo da comunicação de marcas hoje.

No primeiro semestre do ano passado, David Droga deve ter sentido pela primeira vez os efeitos de não poder contar, em horas de crise, com um parceiro financeiramente forte para segurar qualquer barra. Deve ter questionado o futuro da agência e o seu próprio. E talvez concorde que é melhor deixar a função de líder da agência, após uma carreira brilhantemente ascendente, enquanto o negócio está bem – e não em declínio.

Sua vaidade não permitiu que ele vendesse a agência no momento em que vivia dificuldades. Naquele momento, ele conta, interrompeu as conversas com a Accenture, arregaçou as mangas e partiu para controlar a crise. Não queria sentar na mesa para negociar em posição de desvantagem. Seu ego jamais permitiria. Agora, após três anos de conversas e de uma venda estimada em mais de US$ 450 milhões, Droga tem nas mãos a possibilidade de uma saída triunfal, num futuro não muito distante.

Curiosamente, outro grande nome da publicidade deixou a área este ano depois de uma brilhante carreira. Foi Nick Law, que acaba de completar 53 anos, ex-sócio de uma agência que já nasceu digital, a R\GA, contrato em 2018 a peso de ouro pelo grupo Publicis para promover uma completa transformação criativa nas agências da companhia; e agora parte para um novo desafio na Apple.

Grandes – e sábias – decisões parecem ser tomadas, portanto, nestes primeiros anos da fase “enta” da vida. Por isso, tendo a pensar que David Droga não demorará a dar um novo rumo na sua – pois certamente, daqui para frente, o que lhe espera na Droga5 não serão emoções comparáveis às vividas até aqui.

Com certeza, não há coincidência alguma na gradual retirada destes grandes nomes da publicidade mundial, na medida em que a construção de marcas se torna cada vez mais fragmentada, impessoal e fruto de trabalhos de muitas mãos e organizações.

Numa época em que o conceito de criatividade se ampliou e hoje é esperada de todos os atores em cena, a era dos grandes protagonismos chega mesmo ao fim. Junto com o fim da “Big Idea”, que o próprio Nick Law profetizou, nervosamente, diante da plateia do SXSW este ano, no Texas. Esvai-se também, gradualmente, a era das siglas e sobrenomes de empresas que enfatizavam o protagonismo de algumas poucas e grandes mentes criativas.

Na entrevista ao Ad Age, Droga sugeriu que unir suas expertises às da Accenture pode amplificar as possibilidades de ambas. E sugere que se quisesse mesmo sair do negócio, teria vendido a agência há anos. Contudo, agora Droga tem a vantagem dos 51 anos, um momento de balanço da vida, com a terceira idade se avizinhando na linha do horizonte.

Vivemos mais, é verdade, mas isso não são favas contadas, e não sabemos o que nos espera. O que se passa a perceber mais claramente a partir dos 50, é que convicções e princípios que nortearam nossa existência até então, e principalmente as velhas receitas que deram certo, perdem força.

Isso pode causar tumulto, confusão. Mas a sabedoria e a experiência dos “enta” pode levar a decisões inteligentes e sábias. E criativas. E cá entre nós, finais melancólicos não combinam, definitivamente, com a história construída por esses caras.

PS: Secretamente, devo dizer que torço muito para que David Droga consiga se manter, pelo menos mais alguns anos, nessa indústria, contribuindo para torná-la mais interessante. Minhas futuras histórias agradecem.

Claudia Penteado é jornalista, estuda comunicação, filosofia e literatura, mora no Rio de Janeiro e acredita em capitalismo consciente. É leonina, mãe da Juliana e prefere ler livros em papel.


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