O cenário dos NFTs: hype, Direito e arte
ÉPOCA NEGÓCIOS – 09/04/2021
Marcela Waksman Ejnisman, Stephanie Consonni de Schryver e Victor Cabral Fonseca
Fenômenos como esse, que movimentam alto volume de capital e impactam toda uma cadeia produtiva, trazem questionamentos relevantes e de alta complexidade.
De tempos em tempos, surgem movimentos que atraem especialistas e curiosos de todas as áreas e geram discussões sobre o impacto e funcionamento de determinada “novidade”. Atualmente, o novo fenômeno mundial que tem agitado a internet são os NFTs, abreviação em inglês para “Tokens Não Fungíveis”.
Quando falamos de criptoativos, logo pensamos em bitcoins ou outras “moedas digitais”, que podem ser usadas para comprar itens ou ser trocadas entre si. Como o dinheiro, o valor do bitcoin varia quantitativamente, ou seja, um indivíduo pode ter vários bitcoins que representam registros diferentes na blockchain, mas seu valor unitário varia de acordo com o mercado. É nesse ponto que os NFTs se diferenciam: são “não fungíveis” (ou seja, únicos, que não podem ser substituídos). Diferente de uma moeda, o criptoativo não fungível representa um item único, digital ou físico.
Parece complicado, mas não é. Em síntese, um registro na blockchain único é criado para determinado item – quem possuir esse registro (token) é o dono daquele ativo, que pode ser de tudo: um vídeo digital, uma imagem virtual, um tênis ou mesmo a propriedade de um imóvel. Em alguns casos, o NFT é incorporado ao próprio item virtual para conferir-lhe autenticidade; em outros, funciona como um “certificado de propriedade” de um item no mundo físico.
O valor de um NFT, portanto, varia de forma qualitativa em relação ao item em si, e não à quantidade acumulada. Uma obra de arte produzida por um artista famoso, por exemplo, pode ser vendida via NFT por valores estrondosos – e apenas poderá ser revendida por preço determinado pelo novo proprietário. Um exemplo recente foi a venda do primeiro tweet publicado no Twitter, pelo seu criador, Jack Dorsey: o autor atribuiu um NFT à postagem e a colocou em leilão. O curioso é que, mesmo depois da venda, qualquer um poderá tirar um print screen ou imprimi-la, mas apenas o dono do NFT terá a propriedade do primeiro tweet da história.
Ainda que seja possível associar NFTs a um número imensurável de ativos digitais ou físicos, seu sucesso atual está diretamente ligado à chamada “criptoarte”, com exemplos no mundo da música e do entretenimento. Artistas como Lindsay Lohan, Kings of Leon e Grimes têm arrecadado milhões de dólares por obras que circulam na rede. E não só na rede: a Christie’s, famosa casa de leilão britânica fundada em 1766, estabeleceu um novo recorde mundial no valor de uma obra digital: US$ 69 milhões por “Everydays – The First 5000 Days”, do artista digital Beeple. Para comparar, a obra “Salvator Mundi” de Leonardo da Vinci foi vendida na mesma casa por US$ 450,3 milhões em 2017.
Nota-se que este é um mercado que movimenta tanto dólares quanto dúvidas. Ainda assim, não faltam entusiastas e oportunidades de negócio superando barreiras financeiras e tecnológicas. Já foram lançados marketplaces para comercialização de NFTs, até no Brasil – recentemente foi lançada a plataforma Phonogram.me, para venda de fonogramas brasileiros, com potencial de revolucionar o mundo da música –, que podem levantar questionamentos sobre o tema, inclusive jurídicos.
Assim, muitas são as perguntas e discussões sobre esse mercado emergente, sejam jurídicas ou não. Qual o valor de uma obra de arte e quem o atribui? Ou o que é arte, afinal? Pelo que a pessoa está pagando milhões de dólares e quais as implicações em termos de propriedade intelectual? Eu sou o dono daquela obra e meus direitos são ilimitados? Como titulares de NFTs irão fazer cumprir seus direitos no mundo digital?
Como se trata de uma novidade tecnológica e complexa, ainda não estão claros os impactos dos NFTs nas questões legais. Portanto, é preciso atuar de forma criativa para dialogar com as demandas que podem aparecer. Por exemplo: ao adquirir um NFT, o indivíduo terá a propriedade de um ativo único e exclusivo, porém isso não significa necessariamente que também estão incluídos direitos ilimitados sobre aquele ativo – isso dependerá das “regras” de cada NFT. Assim como na obra de arte física, o que se adquire é a propriedade sobre aquela obra e o status de ser o único real proprietário. Os direitos morais de uma obra, contudo, serão sempre do autor, salvo acordo em contrário entre as partes. Do mesmo modo, a depender do NFT, os direitos de propriedade podem vir com condições em relação à exploração daqueles ativos.
Espera-se que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) ainda se manifeste sobre o tema e potencialmente, em um segundo momento, regule o registro de NFTs. Apenas lembramos: nem todos os NFTs poderão ser registrados, pois isso dependerá das características de cada um, de quais propriedades intelectuais os integram (por exemplo, se for um fonograma, de acordo com a legislação brasileira, sua proteção independe de registro e é conferida pela Lei de Direitos Autorais), dos limites de sua exploração e uso, entre outros aspectos.
O raciocínio anterior é apenas um entre muitos que ainda precisarão ser desenvolvidos por advogados e profissionais do Direito na empreitada de desvendar – e resolver – os impactos jurídicos dos NFTs. É importante destacar que fenômenos como esse, que movimentam alto volume de capital e impactam toda uma cadeia produtiva, trazem questionamentos relevantes e de alta complexidade. Os debates jurídicos acerca dos NFTs, assim, escancaram ainda mais o papel de juristas nesse mundo tecnológico: cada vez mais importante e necessário.
* Marcela Waksman Ejnisman é sócia de TozziniFreire Advogados na área de cybersecurity & data privacy, Victor Cabral Fonseca é Advogado e coordenador do ThinkFuture, programa de inovação de TozziniFreire Advogados, e Stephanie Consonni De Schryver é advogada responsável pela área de propriedade intelectual.