Nova revista literária chega ao mercado com diversidade de autores e indignação
ESTADO DE MINAS – 07/02/2020
Carlos Marcelo
Esforço, esmero e invenção se encontram novamente na Olympio, a classuda revista mineira que reúne contos, poesias, perfis, memórias e outros gêneros literários, além de ensaios visuais, em um só volume. O número 2 vem com um ingrediente a mais: a indignação. “Para onde estamos indo nesta marcha desenfreada rumo ao passado e ao atraso?”, pergunta o editorial da revista, que também provoca: “Para que serve a literatura neste entardecer de sombras?”. A resposta, ainda segundo o editorial, “não é rançosa, nem melancólica, nem tampouco desesperadora. Ao contrário, respiramos aqui a alegria e a confiança de pensar com liberdade, de escrever com liberdade.”
Em que pese a relevância de contar com a colaboração de nomes como o cineasta galês Peter Greenaway e o escritor argentino César Aira, chama a atenção na Olympio 2 a potência obtida a partir da reunião de vozes brasileiras de diferentes origens. Todas têm alguma coisa a dizer. Urgentemente. Tal urgência se reflete na escolha do líder indígena Ailton Krenak para o depoimento que abre a publicação da Tlön Edições e Miguilin.
“Enquanto o homem estiver observando a vida de fora, ele está condenado a uma espécie de erosão”, alerta Krenak, autor de um dos best- sellers de 2019: Ideias para adiar o fim do mundo (Companhia das Letras), 30 mil exemplares vendidos. Uma das reflexões de Krenak ganha maior relevância depois das enchentes que alagaram e devastaram Belo Horizonte nas últimas semanas: “O céu, apesar de parecer leve, é muito pesado; ele pode cair e rachar a terra.”
Idealizadora e uma das editoras da revista, a escritora Maria Esther Maciel explica a decisão de destacar o depoimento do líder indígena: “Num contexto de destruições desenfreadas, vide os desmatamentos, as queimadas, as rupturas de barragens em Mariana e Brumadinho, a dizimação de comunidades indígenas em diversos lugares, o extermínio de espécies animais e vegetais, creio que a escolha de Ailton Krenak se justifica plenamente, por ser ele uma das principais vozes nativas a se posicionar de maneira consistente, contundente e original diante do agora do Brasil e do mundo”.
Krenak é um dos convidados para o lançamento neste sábado, na Livraria da Rua, a partir do meio-dia, com a presença dos quatro editores: Esther Maciel, José Eduardo Gonçalves, Julio Abreu e Maurício Meirelles. Também será relançado o primeiro número, de 2018, agora com nova identidade visual.
Além de Krenak, a contundência está representada na revista por um trecho das memórias do poeta Ricardo Aleixo (Cruz e Sousa & o lugar do negro), pela representação das diásporas contemporâneas, na visão do angolano Kalaf Epalanga, e pelo resgate do poeta Adão Ventura (1939-2004), apresentado pelo escritor Carlos Herculano Lopes, e autor dos seguintes versos: “Para um negro/ A cor da pele é uma sombra/ Muitas vezes mais forte que um soco/ Para um negro/ A cor da pele/ É uma faca/ Que atinge/ Muito mais em cheio/ O coração”.
As 280 páginas do número 2 da Olympio, contudo, comportam expressões artísticas que vão além da indignação. A (re) descoberta dos versos “anfíbios” da manauara Astrid Cabral, os ótimos contos de Gustavo Pacheco, José Eduardo Gonçalves e Evando Nascimento (este último, com apresentação de Sérgio Sant’anna), o resgate de valiosos escritos de Octavio de Faria e Mário Peixoto, a terna reconstituição da infância em Araraquara (SP) do diretor teatral Zé Celso Martinez Corrêa pelas lembranças do amigo Ignácio de Loyola Brandão… “Não há o que não haja”, como professa o lema da revista.
“Sem abrir mão da imaginação e dos sentidos, a Olympio vem tentando exercitar, de maneira explícita, a diversidade de autores e olhares sobre o país e o mundo contemporâneo. Convidamos colaboradores de diferentes gerações, estilos e procedências sociais, étnicas e geográficas”, destaca Maria Esther.
Para José Eduardo Gonçalves, “a cultura está no epicentro de uma guerra ideológica e muitas conquistas da sociedade civil estão em risco. Portanto, uma revista literária não pode ignorar o triste e alarmante horizonte de sombras. A revista precisa apontar para esta escuridão e dizer que a cultura não vai esconder ou se acovardar”, defende o editor, que resume o posicionamento da Olympio: “Uma revista de literatura e arte tem a obrigação ética de se insurgir contra essa onda retrógrada.”
Ou, nas palavras escolhidas para a conclusão do editorial: “Nós ficaremos ao lado dos que resistem. Na floresta, no teatro, nos livros. Na cultura, que a tudo atravessa. Na vida, que nos espanta todos os dias.”