MEIO&MENSAGEM – 07/12/2020
Eduardo Tessler
O conteúdo jornalístico tem que ser relevante para que o meio de comunicação siga sendo fundamental; sem audiência, o negócio está morto.
Se há algo que ainda quebra a cabeça dos executivos de meios de comunicação é a equação “como ganhar dinheiro nos novos tempos”. O enigma só não é decifrado pelos conservadores, que seguem achando que a única solução está no binômio anunciantes + assinantes. E essa fórmula, da maneira como vinha sendo praticada no mercado (66,6% e 33,3%, em geral), acabou. Ponto final. Não vale a pena gastar fosfato tentando reverter a nova lógica. Nunca mais será como antes.
O mundo digital trouxe alguns intermediários ágeis e com uma fome invejável. Google, Facebook e Amazon abocanham entre 70% e 85% do dinheiro de publicidade em circulação na web, dependendo do país. E nenhum deles é produtor de conteúdo, mas empresas de tecnologia que sabem aproveitar o que os veículos jornalísticos produzem. Quanto mais se acredita que a mídia programática pode salvar os meios de comunicação, mais a sepultura será cavada. Quem ganha dinheiro com fórmulas mágicas e fáceis como o Google AdSense, por exemplo, é o próprio Google, e não o website.
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Os meios de comunicação precisam entender o que são e para que servem. Se são respeitados em suas comunidades, se conseguem reunir audiências por seriedade, confiabilidade e qualidade de seus conteúdos, nem tudo está perdido. Basta pensar diferente. Os meios representam algo para as comunidades, por isso existe um espaço para se faturar — só que de uma forma não convencional.
Já há exemplos de sucesso em várias partes do mundo. Empresas que se deram conta que o novo dinheiro estava escondido, passando em paralelo — e ninguém se dava conta. É claro que profissionais que sempre deram os mesmos passos para a monetização tradicional terão gigantescas dificuldades em entender os novos caminhos. Muitas vezes será preciso substituir os responsáveis, da mesma forma em que alguns líderes editoriais de jornais, revistas e canais de TV não funcionam no meio digital. Outra linguagem, outro fluxo, outras lógicas, outra cabeça.
O CEO da Fatherly, Michael Rothman, listou mais de 25 maneiras não convencionais de faturar para meios de comunicação. Mas a lista é muito maior, os exemplos não se esgotam. Abaixo, uma pequena relação de fontes inovadoras de receita que se adaptam a meios brasileiros:
1. Comércio
É mais do que publicar anúncios, é participar da venda de produtos. Um meio de comunicação tem a audiência – que é tudo o que o Comércio procura. O caso inicial dessa tendência veio com o El País (Madri, Espanha) na crise de 2008, que anunciava às quintas-feiras um super produto por preço muito descontado (40% ou 50%). Tratava-se de uma jogada com várias pontas. Uma indústria de, digamos, linha branca precisava lançar um novo modelo de geladeira. E para isso necessitava desovar o estoque anterior. El País anunciava com destaque o produto. Os interessados necessitavam enviar um SMS, para então receberem o código que liberaria a oferta (primeiro negócio: com a operadora telefônica). Essa operação era copiada a uma grande loja, para a cobrança no cartão e a logística até a entrega (segundo negócio: com a loja). Por fim, a fábrica zerava o estoque (terceiro e melhor negócio: com a fábrica, mediante uma comissão de até 20%).
Existem muitas outras formas de ser parte do comércio, por exemplo recebendo comissões por venda de imóveis — ao invés de cobrar por anúncios de lançamento de edifícios. Venda de vinhos, de moda, enfim, qualquer coisa pode ser intermediada por quem tem a audiência nas mãos.
2. Experiência
A National Geographic vendeu aventuras de caçadas na África, subida ao Everest, desafios difíceis, durante muito tempo — sempre no papel. Um dia fez seu canal de TV e deu mais vida aos sonhos. Pois a mesma NatGeo realiza hoje aventuras presenciais com seus milhares de admiradores. Vamos ver urso polar na Finlândia? Quem sabe procurar a Aurora Boreal?
Se a revista X tem o maior especialista em teatro do país, por que não promover uma sessão seguida de debate com o próprio colunista? Se há um programa de rádio de enorme sucesso, por que não oferecer uma viagem para que a torcida assista a uma partida acompanhada pelos formadores de opinião?
3. Produtos para Terceiros
O manancial de textos, fotos, vídeos, análises sobre todo e qualquer assunto é um patrimônio das empresas de comunicação. No entanto, quando um grupo privado quer fazer um informativo sobre qualquer assunto (turismo, gastronomia, indústria do aço, petróleo) acaba contratando pequenas produtoras independentes. E essas, muitas vezes, vão pesquisar nos arquivos das grandes. Por que não oferecer esse serviço diretamente? Por que não reempacotar conteúdos que já estão nos arquivos?
4. Eventos temáticos
Se uma empresa de comunicação é respeitada por seu conteúdo, nada mais esperado do que fazer valer essa expertise em eventos pontuais, para nichos específicos. O Estado de S. Paulo já está ativo em seus “summits”, que trata exatamente de conectar inteligência e audiência em eventos fechados. Uma empresa de comunicação pode também levar seus especialistas para pequenos eventos dentro de empresas. É o típico negócio B2B.
5. Tecnologia
Se as empresas de comunicação gastam rios de dinheiro com desenvolvimento de softwares, por que não vender soluções a outras empresas do ramo? O jornal La Voz del Interior (Cordoba, Argentina) está conseguindo ótimos resultados vendendo CMS e PayWall de baixo custo a empresas de toda América Latina. Não faz sentido todos desenvolverem as mesmas coisas ao mesmo tempo.
Há muito mais alternativas, de branded content a verticais temáticas. Rothman cita 25. Há textos com 230 na internet. O importante, de toda forma, é que o conteúdo jornalístico seja relevante para que o meio de comunicação siga sendo fundamental para aquela comunidade. É condição para qualquer inovação na busca por receitas. Sem isso, não há milagres. Sem audiência, o negócio está morto.
**Crédito da imagem no topo: Stevanovicigor/iStock