Jornalismo de soluções engaja mais leitores, mostram estudos
IJNET – 15/06/2020
ALDEM BOURSCHEIT
Meios de comunicação saturados de notícias negativas, de crises provocadas pela COVID-19 a impactos da destruição indiscriminada de ambientes naturais, vêm perdendo leitores e sustentabilidade financeira. Daí surgiu o jornalismo de soluções, focado em respostas desenvolvidas por pessoas e entidades públicas e privadas para problemas típicos da vida moderna, seja no campo ou nas cidades.
“Realmente não sabemos de muitos progressos que estão ocorrendo em todo o mundo. Temos um jornalismo absorvido por histórias sobre tiroteios, desastres, violência e caos. Mas essas não são todas as histórias, há muitas outras a serem contadas”, ressalta Julia Hotz, gerente de comunidades na Solutions Journalism Network.
A organização fundada em 2013 dissemina e capacita jornalistas na cobertura de soluções e mantém o Solutions Story Tracker. A plataforma lista quase 9.200 histórias de soluções produzidas em 173 países, apartadas por quesitos como editoria, publicação, autor e localização. Mais de 1.600 reportagens sobre questões ambientais figuram num mapa online, um quarto (405) sobre a crise climática global.
Esse recorte do jornalismo tradicional aborda “a notícia olhando para o que está sendo feito para resolver um problema e usa isso como o eixo da matéria. E traz reportagens enfatizando soluções para os problemas, em vez de os próprios problemas, aumentando a relevância de um artigo, esclarecendo sua finalidade e ampliando seus leitores”.
Pesquisa do Center for Media Engagement da Universidade do Texas confirma que o jornalismo de soluções (ou SoJo, em inglês) consegue mesmo engajar mais leitores e ouvintes. Ainda, reforça que uma audiência cansada de notícias pessimistas e de manchetes negativas espera que a mídia aponte mais soluções para seus problemas.
Assim, o jornalismo de soluções pode ser um aliado de primeira hora para engajar mais e mais pessoas na agenda socioambiental e especialmente nos esforços contra às mudanças do clima. Afinal, elegemos os políticos de sempre mesmo diante de uma crise real, causada por desmatamento, queima de combustíveis fósseis e outras ações humanas.
“Evoluímos para prestar atenção às ameaças imediatas. Os seres humanos são muito ruins em entender tendências estatísticas e mudanças de longo prazo. Superestimamos ameaças menos prováveis, mas mais fáceis de lembrar, como o terrorismo. Por outro lado, subestimamos ameaças mais complexas, como as mudanças climáticas”, explica em reportagem da BBC o psicólogo político e diretor de pesquisas da One Earth Future Foundation, Conor Seyle.
Mas, ao mesmo tempo em que uma pauta de soluções deva ser executada sob os mesmos critérios do jornalismo convencional, é preciso cautela para evitar algumas “cascas de banana” típicas desta cobertura.
“Não comunicar soluções como ‘balas de prata’ tentando atrair mais leitores. Usar personagens para comunicar mudanças positivas, mas não convertê-los em ‘heróis’. Esclarecer onde uma solução funciona e onde não funciona. Não produzir reportagens sobre teorias, mas sobre processos ou soluções consolidadas, evitar o ativismo e a defesa de interesses que não sejam públicos”, recomenda Kyuwon Lee, associado para Mudança de Práticas da Solutions Journalism Network (SJN).
Munido dessas ferramentas para driblar alguns efeitos colaterais do noticiário convencional, como ser fonte de falta de esperança para leitores e enquadrar indivíduos ou comunidades como indefesas e sem voz, o jornalismo de soluções ocupa espaços crescentes em inúmeros países com imprensa livre.
Jornalismo de soluções com foco ambiental na América Latina
Para expandir essa prática jornalística na América Latina, entidades como a Fundação Tinker (Estados Unidos), SJN e Fundação Gabriel García Márquez para o Novo Jornalismo Ibero-americano (Colômbia) apertaram as mãos. A empreitada promove oficinas presenciais e online, oferece bolsas para produção e disseminação e ferramentas para editores e repórteres.
Da região chegam notícias como a de moradores que reflorestaram uma bacia fluvial e recuperaram as fontes de água de Hojancha (Costa Rica), ou a de pescadores que estão trazendo ameaçadas tartarugas de volta à Playa El Jobo, no mesmo país. Já no estado colombiano de Boyacá, pequenos produtores rurais adaptam práticas tradicionais para garantir o sustento de suas famílias diante das inevitáveis mudanças do clima.
No Brasil, um jornalismo de soluções pode ser conferido em veículos como Agência Mural, que cobre periferias da Grande São Paulo (SP), Nexo Jornal , BBC Brasil e no Cidades e Soluções, um programa da Globo News que dá espaço a experiências que melhoram a vida de populações urbanas e rurais através do uso sustentável de recursos naturais.
O noticiário de veículos como esses mostra que se limitar à denúncia de problemas e cobrar de autoridades ou responsáveis pode ser um tiro pela culatra. Ao Observatório da Imprensa, o jornalista Ulisses Capozzoli descreveu que seguir essa regra não impediu uma pindaíba no abastecimento de água provocada pela omissão e incompetência de repetidos governantes da cidade de São Paulo, entre as maiores metrópoles mundiais.
Com rotas para a manutenção do desenvolvimento econômico ainda incertas, um mundo pós COVID-19 não deixará de sofrer as consequências das alterações do clima, da acelerada perda de biodiversidade e de outros impactos ambientais, tornando o jornalismo de soluções ainda mais estratégico.
Para se aprofundar nessa prática, um primeiro passo pode ser conferir o manual básico oferecido pela Solutions Journalism Network.
Aldem Bourscheit é jornalista independente baseado em Brasília (DF), focado em histórias sobre conservação da natureza, ciência, comunidades tradicionais e indígenas. Colabora com veículos de comunicação e organizações não governamentais do Brasil e do exterior. Membro da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental e da Comissão sobre Educação e Comunicação da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
Imagem sob licença CC por Neil Thomas no Unsplash