Inteligência artificial dá vida a Mona Lisa e assusta checadores

Inteligência artificial dá vida a Mona Lisa e assusta checadores

4 de junho de 2019
Última atualização: 4 de junho de 2019
Helio Gama Neto

ÉPOCA – 03/06/2019

Cristina Tardáguila

É hora de a checagem deixar de ser trabalho apenas para jornalistas e especialistas em dados: editores de vídeo e especialistas em IA são necessários.

Você já parou alguma vez para pensar como seria a Mona Lisa na vida real? Seus trejeitos, sua forma de falar? Como sacudiria os cabelos e como sorriria de verdade? Pois a inteligência artificial resolveu isso para a humanidade. O Samsung AI Center, que fica em Moscou, na Rússia, publicou um estudo que mostra como já é tecnicamente possível “dar vida” e “animar” um rosto a partir de um único frame de imagem — foto ou pintura. Adicionar voz a partir daí é moleza. Quase qualquer um pode fazer.

No experimento, La Gioconda, pintada por Leonardo Da Vinci entre 1503 e 1506, mexe-se de um lado para o outro. O mesmo acontece com a atriz americana Marilyn Monroe e o pintor espanhol Salvador Dalí, falecidos em 1962 e 1989, respectivamente. A partir de fotografias históricas de ambos, os especialistas animaram celebridades de todas as partes do mundo. Veja o vídeo a seguir:

Passei os últimos dias mostrando o resultado dessa experiência aos mais diversos tipos de profissionais — de checadores de fatos a professores do ensino médio, passando por artistas plásticos e arquitetos. A reação foi a mesma para todos — e na mesma ordem. Primeiro veio o encantamento. Já não restam dúvidas de que parecem infinitas as possibilidades da inteligência artificial, e todas elas são surpreendentes. Um dos indivíduos expostos a esse avanço tecnológico chegou a pensar em seus entes queridos falecidos e a exclamar “Nossa! Então meus pais e meus avós poderiam voltar a falar e se movimentar? Que coisa incrível!”.

Mas, logo em seguida, a reação se associava à veracidade dos fatos. Comentários na linha “Então dá para manipular qualquer coisa agora” se tornaram frequentes. E, por estarem diante de uma fact-checker, surgia o questionamento: “Os checadores já estão preparados para verificar esse tipo de alteração?” A resposta é, provavelmente, não.

No exemplo da Mona Lisa, os especialistas mostram com clareza que é possível fazer não apenas uma versão da Gioconda, mas três — com três estilos e personalidades diferentes: uma mais risonha, mais extrovertida, e outras mais tímidas, mais acanhadas. São sutilezas que vão além da técnica e que, obviamente, adicionam camadas de dificuldade à checagem de fatos.

Extrapole essa técnica para cenários imagináveis possíveis. Pense em políticos falecidos que podem “renascer” dizendo frases que jamais disseram ou se comportando de forma que não condiz com seu estilo real. É fato que fizeram isso com Barack Obama, Donald Trump e Vladimir Putin, entre outros. Mas imagine fazer isso com Josef Stálin ou Adolph Hitler — que já não estão vivos para negar possíveis falas falsas. Será necessário avançar diversos graus na análise técnica de imagens e vídeos para poder flagrar algo assim como falso.

E é por isso que a checagem de fatos não pode ser exclusiva de jornalistas ou especialistas em dados. É urgente que profissionais formados em áreas relacionadas à tecnologia da informação, à inteligência artificial e ao uso ostensivo de vídeos se integrem à massa de checadores ao redor do mundo. Os avanços nesse tipo de manipulação também têm de acompanhar o lado do fact-checking. Caso contrário, estaremos fadados ao atraso — e ao fracasso.


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Helio Gama Neto