Dinheiro jogado na lata de lixo

Dinheiro jogado na lata de lixo

2 de março de 2020
Última atualização: 2 de março de 2020
Helio Gama Neto

EXAME – 27/02/2020

Carla Aranha

Ao reciclar menos de 4% dos resíduos, o Brasil gera um passivo ambiental e deixa de economizar bilhões de reais. Mas iniciativas começam a mudar o cenário.

A cada ano, o Brasil produz quase 80 milhões de toneladas de lixo. Um terço desse volume vai parar nos lixões a céu aberto ou em aterros improvisados, sem a vedação adequada para impedir a contaminação do solo. Cerca de 90% dos resíduos descartados de forma inadequada poderiam ser reaproveitados, mas, por falta de políticas públicas para coleta seletiva e reciclagem do lixo, o país reutiliza menos de 4% do total descartado. Esse índice é pior ainda quando se considera apenas o lixo plástico, um dos vilões da poluição de mares e oceanos.

O Brasil é o quarto maior produtor mundial de lixo plástico, mas recicla apenas 1,3% desse material. Na Índia, 60% de todo o plástico produzido é reciclado. Além do impacto ambiental, há perda de uma importante fonte de receita. Na Alemanha, a reciclagem de lixo movimenta 70 bilhões de euros por ano. No Brasil, cerca de 14% do lixo produzido é de embalagens de plástico. Se fossem reciclados, esses resíduos poderiam gerar mais de 6,5 bilhões de reais para a economia.
“É muito dinheiro, sem falar nos benefícios que poderiam ser criados para o meio ambiente e para a qualidade de vida da população”, diz Carlos Silva Filho, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).

Algumas iniciativas tentam mudar esse cenário. No fim do ano passado, a unidade Coca-Cola Femsa, engarrafadora da fabricante de bebidas Coca-Cola, criou um centro de reciclagem em São Paulo, o SustentaPet. Mais de 700.000 garrafas PET chegam ao local todos os dias. Em uma área de 3.000 metros quadrados, que exigiu um investimento de 2,5 milhões de reais, as embalagens são prensadas em uma máquina e enviadas a empresas de reciclagem, que trituram o plástico e o transformam numa resina.

Ao ser prensado, o material ocupa muito menos espaço nos caminhões e reduz o número de viagens até as indústrias de reciclagem. Depois disso, a Coca-Cola e outras empresas compram o material para fazer novas embalagens. “A grande vantagem é que estamos conseguindo um volume muito grande de garrafas PET, movimentando toda a cadeia de reciclagem”, diz Thais Vojvodic, gerente de sustentabilidade da Coca-Cola. Hoje, as embalagens de suas bebidas levam, em média, apenas 7% de plástico reciclado. Até 2030, a meta da empresa é que as embalagens tenham 50% de plástico reciclado.

Para conseguir um volume significativo de garrafas, a Coca-Cola fez parcerias com dezenas de cooperativas de catadores de lixo, oferecendo contratos de um ano, com preços definidos — algo raro no setor. Em outra frente de trabalho, a empresa investiu cerca de 1 milhão de reais no aplicativo Cataki, criado em 2017 para conectar os consumidores e os catadores de lixo por meio de um sistema de geolocalização. A ideia é que a plataforma ganhe novas funcionalidades e chegue a mais gente.
Hoje, o aplicativo conta com cerca de 90.000 usuários, sendo 3.660 catadores individuais e 178 cooperativas de catadores. “Vamos direcionar o investimento em tecnologia para crescer exponencialmente neste ano”, diz Juliana Fullmann, coordenadora de projetos do Cataki.

O Brasil tem um marco regulatório que estabelece as diretrizes para promover a reciclagem e a reutilização do lixo. Aprovada em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos instituiu a responsabilidade compartilhada dos geradores de resíduos, como fabricantes, distribuidores, comerciantes e consumidores, para reduzir o volume de lixo e o desperdício de materiais. Muitas coisas previstas pela lei, no entanto, ainda não saíram do papel.

“Precisamos fomentar a logística reversa do lixo, que ainda deixa a desejar no Brasil. Por isso, lançamos em fevereiro o programa Lixão Zero, que visa, entre outras coisas, à instalação de usinas de reciclagem de lixo, como as que existem nos países desenvolvidos”, disse Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, à EXAME. “Até agora, muito pouco havia sido feito, por parte do poder público, em relação à reciclagem de lixo e à agenda ambiental urbana. Queremos mudar esse cenário.”

Nos Estados Unidos, 35% do lixo é reaproveitado. Com isso, milhares de empresas têm acesso a material reciclado para fabricar embalagens, papel, garrafas e produtos de madeira. Usinas de reciclagem de lixo distribuídas pelo país transformam a cada ano 35 milhões de toneladas de resíduos, ou 10% do total do lixo gerado, em energia elétrica.

No Brasil, a primeira unidade desse tipo deverá ser construída neste ano na Região Centro-Oeste, com investimentos de 500 milhões de dólares obtidos pelo Ministério do Meio Ambiente junto ao Novo Banco de Desenvolvimento do Brics, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. A usina deverá ser operada pela iniciativa privada.


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Helio Gama Neto