Digital e tradicional devem persistir na conversa por consenso

Digital e tradicional devem persistir na conversa por consenso

14 de agosto de 2019
Última atualização: 14 de agosto de 2019
Helio Gama Neto

MEIO&MENSAGEM – 13/08/2019

Igor Ribeiro

Muito mais que o rompimento em si, a saída do Interactive Advertising Bureau do Brasil (IAB-BR) do quadro de associados do Conselho Executivo das Normas-Padrão (Cenp) revela muito mais sobre a dinâmica entre os diferentes players da publicidade brasileira do que uma divergência pontual sobre normas. É um atrito que persiste há muitos anos e que ainda aguarda solução.

“É a pergunta que mais se faz, e não tem resposta”, diz Andre Vinicius, diretor executivo de ad sales do UOL. Marcia Esteves, CEO da Grey, aponta uma forte influência social na base da questão. “Acredito que o mundo ocidental vive uma tensão. Há uma neblina quando olhamos para o futuro da nossa sociedade. Isso gera instabilidade, polaridade e automaticamente uma tensão latente – que se reflete também no nosso mercado”, aponta.

“É a ponta do iceberg que mascara uma grande discussão”, afirma Fernand Alphen, copresidente da Fbiz, que coloca a situação numa perspectiva mais econômica: a maioria das plataformas digitais que trazem disrupção ao mercado nasceu num contexto liberal e esse encaixe é difícil no Brasil, onde há regras bastante específicas. “Elas progrediram dentro dessa visão e tiveram sucesso, em tensão com os modelos tradicionais por causa de sua visão liberal. Nesse contexto, qualquer tentativa de regulamentação é problemática por princípio”, afirma.

A especificidade do caso brasileiro tem ressonância, já que o crescimento exponencial da internet encontrou nos trópicos um bicho bem diferente do restante do mundo. Em tempos pré-digitais o mercado nacional, baseado no tripé anunciante-agência-veículo, exigiu uma regulação específica, já que a ausência de bureau de mídia fortalecia a agência como estrategista na compra de espaço por um lado, mas, por outro, não atrelava a remuneração ao trabalho criativo. Nesse contexto que surgiu o Cenp, em 1998, ajudando na construção de boas práticas de mercado que fortalecessem a relação entre as empresas atuantes em publicidade. Na época, a internet comercial ainda dava seus primeiros passos e era uma mídia interessante, mas ainda inofensiva. O crescente acesso digital que empresas, de todos os tipos e tamanhos, têm a consumidores desestrutura cada vez mais a comunicação como a conhecíamos.

Jaboticaba
A tensão entre a publicidade mais tradicional e os players digitais ocorre em todo mundo. Porém, a impressão é que no Brasil é um pouco mais complicado. “Tem menos fricção no exterior mesmo, dependendo do país”, diz Fernand. “Quanto mais liberal for a economia, menor é a tensão.”

A maioria das crises recentes que grandes plataformas com ferramentas para anunciantes, como Facebook e Google, vivem no exterior diz respeito a questionamentos éticos, como privacidade e gestão de dados. Do ponto de vista do mercado global, sempre houve preocupações a respeito de fraude, métricas, brand safety, comprovação de resultados e outras questões que endereçam principalmente ajustes tecnológicos. A cada ciclo, novos problemas aparecem ou antigas questões recuperam volume, geralmente a partir de um alerta de anunciantes, que exigem revisão de ferramentas e métodos. Mas a operação de mídia dentro das agências de criação e a existência do desconto-padrão são características especialmente brasileiras, que demandam um olhar diferente.

“O Cenp representa uma parte estruturada que funciona, mas também tem uma parte que não é bem representada”, afirma Cris Camargo, diretora-geral do IAB no Brasil. A própria entidade tem uma formatação diferente de seus pares nacionais, que se unem sob a égide de meios – anunciantes, agências, revistas, jornais, TV aberta, TV paga etc. – representados junto ao conselho. Entre seus associados há nativos da internet como as grandes plataformas e ad techs, mas há também empresas de todos esses meios, já que tudo hoje atravessa, de alguma forma, o digital. Outra diferença é que o IAB representa no Brasil uma estrutura internacional, o que traz certa influência em termos regionais sobre a adoção de diretrizes globais.

Para Cris, parâmetros internacionais são relativos. “Posso ouvir o mercado nacional e perceber que as práticas aqui são como no resto do mundo ou descobrir novas jaboticabas.” Mas o encaixa do digital numa estrutura tradicional também ocorre em outros países onde o IAB tem sede, segundo ela. “Nesse processo que vamos atravessar, temos coisas absurdas e coisas bonitas: precisamos entender o que é progressista e o que é uma defesa só unilateral para depois ver por onde endereça, quais são as instâncias corretas”, afirma Cris, citando o distanciamento do Cenp, ao qual chamou de “parada técnica”.

Apesar de observar particularidades bastante brasileiras no atrito entre cadeia publicitária e players digitais, Fernand lembra que, globalmente, muitos setores enfrentam uma disrupção de mercado parecida. “Falamos de propaganda porque é o nosso assunto e não é um tema de debate popular”, diz. “Mas é o que aconteceu com os táxis e os hotéis quando apareceram Uber e Airbnb, por exemplo. O primeiro efeito imediato, e é compreensível, é que eles estão infringindo leis e comportamentos com os quais todos estão muito acostumados. Assim, as pessoas reagem, os mercados reagem.”

DR
Procuradas, grandes plataformas digitais expressaram seu apoio ao IAB por meio de notas. O Facebook afirmou que “decisões com repercussão para a publicidade digital devem ser amplamente debatidas por toda a indústria”. O Google escreveu: “Acreditamos que a liberdade de expressão comercial é um pilar essencial para o desenvolvimento de uma economia dinâmica.” Já o Twitter comunicou que “apoia o posicionamento do IAB e a existência de um debate amplo e colaborativo para que o ambiente digital evolua e adapte-se às dinâmicas atuais.”

De modo geral, players de grande receita digital apoiam a o distanciamento entre IAB e Cenp para entender o momento e discutir a relação depois. Só 13% dos associados da entidade digital são aderentes ao Cenp por meio de outras entidades e a maioria dos associados não consegue se adequar a parte das normas. Mas todos concordam que a DR é necessária num futuro próximo.

“Sou a favor da aproximação”, diz Andre. O caminho mais rápido para isso, e com um final feliz, é “entendermos essa dinâmica, sempre com foco nos interesses do anunciante, sem tirar o olho de uma política de autorregulação que possa garantir a longevidade do negócio”, afirma o diretor do UOL.

“Há boas intenções dos dois lados, mas a melhor forma para conduzir esse alinhamento é o diálogo”, defende Virginia Any, sócia e diretora-geral da operação da Smartclip no Brasil. A carreira da executiva se mistura com ambas perspectivas, já que ela esteve por anos no mercado de publishers — até o início deste ano era diretora comercial integrada da Infoglobo — e agora lidera um player puramente digital. “É fundamental que essa ‘mesa’ tenha representatividade. Plataformas, veículos, agências, anunciantes, além, é claro, das entidades. Os agentes estão operando e precisamos discutir como adequar os interesses às regras ou, quem sabe, discutir novas. Não é simples, nunca foi, mas sempre pode existir uma solução consensual.” Virginia já integrou o Cenp e a Smartclip, além de sócia titular, foi cofundadora do comitê de vídeos do IAB-BR. “Respeitamos muito o trabalho de ambas entidades e reconhecemos a importância de cada uma na busca das melhores práticas”, diz a diretora-geral.

Do ponto de vista das agências, também há um desejo de aproximação. “Tenho convicção de que temos que buscar um olhar menos fragmentado para resolvermos os desafios, buscando uma visão mais ampla e inclusiva, que considere todos os pontos de vista em busca de uma solução comum”, afirma Marcia, da Grey. “É tempo de união, colaboração e muito diálogo.” Fernand, da Fbiz, considera, inclusive, que esse debate suscite a possibilidade de não ter uma forma única de regrar publicidade: “Talvez não precisemos de um só modelo de remuneração das plataformas e veículos, talvez sejam vários. Essa é a discussão. Estamos longe da maturidade e é natural, afinal exige uma mudança que é muito profunda.”

Caio Barsotti, presidente do Cenp, reforça que as portas estão abertas. Ele lembra que o Cenp já tem promovido a conversa sobre tópicos como o Anexo D das normas-padrão, que ainda não gerou consenso, mas tenta estabelecer boas práticas voltadas à mídia digital, especialmente sobre a dispersão do fluxo de receita dentro do ambiente programático. “Recentemente, recebi representantes de empresas de marketing de influência que já enxergaram que um padrão pode ser necessário, mas ainda não sabem o quê e gostariam de constituir algo que possa pautar o setor”, conta o executivo. “A solução passa pelo diálogo, sabendo as melhores práticas e, dentro disso, cada um entendendo seu valor e sendo remunerado adequadamente, de modo transparente”, completa Caio.

Os players digitais podem seguir o caminho de reaproximação nos próximos meses. Na semana passada, o IAB-BR realizou uma reunião de diretoria para definir novos rumos. “Como estamos entendendo que, neste mercado, precisamos de uma nova proposta, fizemos um novo desenho para ouvir os diversos players, com conversas, atividades, eventos”, diz Cris Camargo.


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Helio Gama Neto