Abraji aponta que mulheres jornalistas são vítimas de mais da metade das agressões no meio digital
ABRAJI – 08/03/2021
Diante de um cenário de ameaças à liberdade de expressão e ao acesso à informação, um estudo feito pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) identificou que os ataques contra mulheres jornalistas têm se mostrado cada vez mais frequentes e preocupantes no Brasil. Levantamento feito ao longo de 2020 mostra que as mulheres foram alvos diretos de 61 violações à liberdade de imprensa, ou 17% do total de ataques. Dentre os ocorridos no meio digital, 56,76% das vítimas eram jornalistas mulheres.
A Abraji realiza anualmente o monitoramento de ataques a jornalistas, que reúne alertas de 12 indicadores sobre violações à liberdade de imprensa, liberdade de expressão e acesso à informação em todo o território nacional. No total foram 367 ataques direcionados a meios de comunicação, repórteres, comunicadores e outros profissionais da imprensa. E mais, os números seguem aumentando em 2021.
“O recorte de gênero feito no monitoramento é importante, porque mostra como as violações às liberdades garantidas à profissão de jornalista se somam às diversas formas de violência sofridas pelas mulheres”, diz a assistente jurídica da Abraji, Letícia Kleim. “Em uma sociedade marcada pela misoginia e pelo machismo, as mulheres, assim como outros grupos vulneráveis e marginalizados, são atacadas simplesmente pelo que são. E as jornalistas mulheres, ao se colocar em uma posição de projeção pública, se tornam alvos mais recorrentes desses insultos”, completa.
A maioria dos alertas registrados no levantamento da Abraji são destinados a algum meio de comunicação ou à imprensa como um todo. No entanto, em 163 casos pelo menos um jornalista ou comunicador também foi atacado. Dentre esses, 37,5% tiveram mulheres como vítimas.
Quando se olha para categorias específicas, os dados são ainda mais alarmantes. No meio digital, mais da metade das vítimas eram jornalistas mulheres. Seguindo a tendência observada ao longo 2020, comprova-se que elas são as maiores vítimas de ataques no ambiente digital.
As redes sociais são plataforma para esses ataques que podem ocorrer na forma de ameaças, campanhas de intimidação e difamação, perseguição, assédio e até exposição de dados pessoais, também chamado de doxxing.
Diferente dos ataques sofridos por jornalistas homens em suas redes sociais, os insultos direcionados às mulheres se somam a dezenas de xingamentos machistas e integram campanhas para desqualificar seu trabalho.
Como o caso de Schirlei Alves, alvo de perseguição online por sua reportagem no Intercept Brasil sobre o caso da influenciadora digital Mariana Ferrer, humilhada durante audiência sobre acusação de estupro. Além de dezenas de xingamentos misóginos, os ataques buscavam desqualificar o trabalho de Alves e prejudicar sua carreira. A jornalista recebeu o apoio de diversas organizações.
O monitoramento anual feito pela Abraji mostrou ainda que os discursos estigmatizantes (em que autoridades públicas descredibilizaram a imprensa publicamente) são a categoria mais recorrente no Brasil, com 152 alertas referentes a campanhas de ataque e desprestígio do trabalho jornalístico. Considerando apenas os ataques destinados apenas a jornalistas, as mulheres foram vítimas em 41,67% deles.
Um caso emblemático de 2020 foram os ataques sofridos pela jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, vindos do presidente da República e seu filho Eduardo Bolsonaro. Jair Bolsonaro é o principal autor de discursos estigmatizantes, contabilizando 95 alertas em 2020. No caso de Campos Mello, o presidente insultou a jornalista dando a entender que ela teria se insinuado sexualmente para obter informações para a reportagem sobre o disparo de mensagens em massa durante a campanha eleitoral de 2018.
Esses discursos têm como principal objetivo incentivar o assédio contra as jornalistas e se refletem em um aumento de alertas em outras categorias ainda mais graves.
No indicador denominado “Agressões e ataques”, que engloba ameaças, interrupções de transmissão ao vivo, agressões verbais e físicas, 37% dos jornalistas vítimas eram mulheres. Ao olhar o total de alertas por gênero, em 44,3% dos que tiveram mulheres jornalistas como alvo, as agressões não se concentraram apenas no meio digital, mas representaram ameaças, agressões verbais e físicas ou formas de impedimentos à realização de seu trabalho.
Mecanismos de proteção a mulheres jornalistas
Esse cenário chama atenção para a necessidade de mecanismos de proteção legal e institucional da liberdade de expressão, especificamente atentos à questão de gênero.
Diversos projetos de lei que prevêem formas de proteção a jornalistas estão em tramitação no Congresso Nacional. De 2017 para cá, só na Câmara dos Deputados foram apresentadas 11 novas propostas que envolvem essa temática. No Senado, nesse mesmo período, foi identificada apenas uma nova proposta, o PL 4522/2020, que quer tornar crime a conduta de hostilizar profissionais de imprensa com o fim de impedir ou dificultar sua atuação, com pena de detenção.
Já na Câmara, estão em tramitação projetos que pretendem classificar como hediondo os crimes de agressão contra jornalistas, outros diversos propõem o agravamento da pena de alguns crimes cometidos contra jornalistas e criam outros tipos penais, e também há a proposta para a federalização da investigação de crimes contra jornalistas.
O PL 2378/2020, por exemplo, criminaliza especificamente o abuso de autoridade contra jornalistas e traz previsões de punição da autoridade que incentiva assédio direcionado a jornalistas. No entanto, nenhuma das propostas traz qualquer menção específica à questão de gênero.
Ainda que a legislação brasileira tenha avançado na proteção, prevenção e punição da violência contra a mulher, com a Lei Maria da Penha. Há muito o que ser desenvolvido, sobretudo diante dos ataques rotineiros sofridos por mulheres no exercício da profissão de jornalista.