3 lições deixadas pelo fim do holandês The Correspondent

3 lições deixadas pelo fim do holandês The Correspondent

5 de janeiro de 2021
Última atualização: 5 de janeiro de 2021
Helio Gama Neto

ORBIS MEDIA REVIEW – 02/01/2021

ANA BRAMBILLA

Um dos exemplos mais proeminentes do membership no jornalismo encerrou as atividades nesta virada de ano. O holandês Correspondent comunicou a decisão, no início de dezembro, alegando a inviabilidade financeira do projeto internacional.

“A decisão de descontinuar o Correspondent foi tomada em função a adversidades financeiras, o que tornou a nossa redação em língua inglesa financeiramente insustentável. Nos últimos três meses vimos um aumento significativo no cancelamento de associações, com os membros mencionando, frequentemente, uma insegurança financeira pessoal.“

Lição #1
As apostas crescentes em reader revenue se chocam com a instabilidade econômica gerada pela pandemia. Quando boa parte dos sites jornalísticos levantaram seus paywalls no começo de 2020 – período que coincidiu com o aumento natural no consumo de notícias profissionais – foi inevitável cogitar se o público aceitaria pagar por conteúdo (outra vez ou pela primeira vez). Ainda assim, alguns veículos registraram crescimento nas assinaturas, como a Atlantic, em claras exceções.

Portanto, em tempos de contenção, salários reduzidos, demissões, desaceleração econômica e “auxílio emergencial”, qualquer tipo de reader revenue precisa ser tomado com muita cautela e planejamento. O “curto-prazismo” freia as pessoas diante de quaisquer novas despesas – e as faz reverem as despesas atuais na intenção de cortar o que não é essencial. Pesquisa deste Orbis Media Review mostrou isso no contexto da pandemia.

E segue o comunicado:

“Infelizmente, não conseguimos demonstrar o valor do jornalismo do Correspondent para um número significativo de membros. Com a torrente de manchetes sobre a Covid-19 dominando o noticiário na maior parte do ano, se tornou realmente muito difícil oferecer conteúdo atemporal a membros em mais de 140 países.”

Lição #2:
Esta lição já havia sido ensinada pelo OhmyNews em 2010. Em novembro daquele ano, entrevistei o criador do veículo sul-coreano, o jornalista Oh Yeon-ho e ele mencionou a falta de clareza sobre uma audiência global como uma das razões do fim das atividades da versão em inglês do OhmyNews.

Entendo que o fato do Guardian ser publicado em inglês foi decisivo para que as doações devolvessem as operações do jornal ao azul. Uma audiência global é mais numerosa, mas também é mais difusa, difícil de ter suas demandas entendidas e atendidas por um veículo de pequeno ou médio porte.

A cultura da cauda-longa, da micro segmentação no consumo de tudo o que há no meio digital aperta veículos em nichos. Aqueles que se pretendem maiores do que um nicho, que simplesmente não cabem em um recorte de interesse são expulsos para fora do jogo. Eis o grande dilema de os meios generalistas na atualidade: como recuperar a relevância falando sobre tudo, para todos?

Em novembro de 2010 eu sugeria que a solução para o jornalismo colaborativo – pois o OhmyNews era 100% colaborativo – era ser hiperlocal. Com o tempo entendi que essa história de segmentação extrema vai além da geografia e se acerta bem com nichos de interesse. Há que ser profundo antes de ser extenso.

Isso leva à terceira lição trazida pelo comunicado sobre o fechamento do Correspondent:

“As pessoas querem saber de suas fontes de conteúdo: “A escola dos meus filhos estará fechada amanhã?” e “Quando eu poderei tomar a vacina?” – Ainda que essenciais, esse não é o tipo de jornalismo que nós nos dispusemos a fazer. Ao invés disso, estávamos focados em questões transnacionais.”

Lição #3:
É evidente que as pessoas querem saber sobre a escola dos filhos! Afinal, o interesse vai ao encontro da informação que toca, que altera, que impacta a vida de cada um de nós. É nisso que qualquer indivíduo vê valor e talvez até se disponha a pagar. Enquanto isso, o Correspondent publicava coisas como “jornalistas ameaçados e a democracia sob pressão” ou “como entender melhor as trabalhadoras do sexo”.

O rol de assuntos do veículo contemplava temas como:
Autocracia nos Estados Unidos
Skype é palco para violinista
Tributação mais fácil
Identidade da mulher muçulmana
Dificuldades de alugar uma casa
Cardápio político para os próximos anos
Conselheiro espiritual ajuda pessoas que os planos de saúde deixam morrer

… e por aí vai. Eu realmente tenho dificuldade para esboçar um nicho de audiência que tenha interesses tão profundos sobre temas tão diferentes. Lembre-se da lógica da cauda longa, sempre! Ela comanda qualquer consumo no meio digital, a começar pelo consumo informativo. Dificilmente dedicamos tempo e atenção àquilo que nos interessa superficialmente.

A terceira lição, portanto, é o foco editorial. E essa lição se torna ainda mais forte quando se trata de um veículo projetado para ter um programa de membership.

Assim como o jornalismo colaborativo do OhmyNews, membership presume comunidade. E comunidade só se forma ao redor de: 1) interesses ou 2) regiões. Se a sua audiência é ampla e o seu enfoque editorial é generalista, é mais do que provável que o membership não seja o modelo de negócio apropriado ao seu veículo.

Membership, a propósito, não é um modelo de negócio de prateleira, que pode ser escolhido como quem procura um jeito de pagar as contas. A condução de um programa de associação é, possivelmente, uma das tarefas mais difíceis e exigentes, pois não se basta em geração de receita. Ao contrário: até que gere alguma receita, o membership só irá funcionar depois de se ter uma coesão muito forte entre a redação e o público.

Membership se presta para compor um modelo híbrido de geração de receita. Mesmo assim, só tende a funcionar em rotinas editoriais praticamente artesanais. Membership não é prática que combine com jornalismo industrial.

Não creio que o Correspondent tenha feito jornalismo industrial. Os problemas deles foram outros: falta de enfoque editorial, imprecisão da audiência e timing (que não pode ser considerado propriamente um erro dos criadores; talvez uma falta de visão).

É uma pena que o Correspondent em inglês deixe de existir. Mas assim como o OhmyNews, a versão local – holandesa – segue firme e forte. A diferença que ela traz em relação à versão internacional, até onde consegui entender, é o idioma (portanto, o escopo da audiência). Então resta acompanhar o De Correspondent para ver se o time terá aprendido com a própria experiência ou se teremos, entre todos, outras lições para aprender.


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Helio Gama Neto